Às vezes, como nasceu Eva de
uma costela de Adão, nascia uma mulher, durante o meu sono, de uma falsa
posição de minha coxa. Oriunda do prazer que eu estava a ponto de experimentar,
imaginava que era ela que mo oferecia. Meu corpo, que sentia no dela meu
próprio calor, procurava juntar-se-lhe, e eu despertava. O resto dos humanos se
me afigurava como coisa muito remota em comparação com aquela mulher que eu
havia deixado momentos antes; minha face estava anda quente de seu beijo e meus
membros doloridos pelo peso de seu corpo. Se, como às vezes acontecia,
apresentava os traços de alguma mulher a quem conhecera na vida, ia dedicar-me
inteiramente a este fim: encontrá-la, tal como os que empreendem uma viagem
para ver com os próprios olhos uma desejada cidade e imaginam que se pode
gozar, em uma coisa real, o encanto da coisa sonhada. Pouco a pouco sua
lembrança se dissipava, e eu esquecia a filha de meu sonho.
Marcel Proust
em busca do tempo perdido
volume I
no caminho de swann
tradução de mário quintana
Globo. São Paulo, SP. 3ª edição. 5ª reimpressão.
2009.