quarta-feira, 30 de outubro de 2013
UM APRENDIZ DE FEITICEIRO
CONTO
DE AMOR: CINZA E VERMELHO
Ela
estava meiga e gentil para com ele, naquela tarde fria e lavada de fins de
dezembro. Passeavam no parque de Belo Horizonte, um recanto livre de beleza construída, ao lado do pequeno
rebuliço da cidade-rosa-mal-aberta. Mas, como dizia, era meiga e gentil para
com ele. Ela estava meiga e gentil. Mas, e ele? Ah, ele tinha cinza o coração,
cinza como o céu daquela tarde. Entretanto, é bem certo que uma nesga de
esperança se recortava, um tanto ou quanto preguiçosa, naquele seu sorriso
positivamente cético. Ele usava um terno cinza. Ela um vestido vermelho. E vinham
caminhando pelo parque. Liricamente. Não se pode esconder que um pouco
sensualmente também. Pelo menos ele. Ela, até que não. Cochichavam, como se
cochicha por vielas de parques, em tardes frias e lavadas de fins de dezembro.
Quem
eram eles, ela e ele? Ah, pergunta misteriosa esta. Quem poderia dizer quem
eram eles, ela e ele? É bem verdade que tenho um amigo que o diria. Mas ando
muito sem tempo ― os dias são, não, não são curtos, mas passam tão depressa! ―
ando muito, muito ocupado mesmo para procurá-lo. Digamos pois: ele era um
vagabundo e ela, uma prostituta.
―
Um vagabundo e uma prostituta!
E
lá iam eles pelas vielas escuras da já meio exaustiva tarde fria e lavada de
fins de dezembro. Mas que posso fazer? Estou muito alegre, tão alegre! Eu gostaria
bastante, é claro, de contar uma doce história de amor, em que a prostituta
fosse uma virgem apaixonada e o vagabundo, um mocinho jamais derrotado,
roubando-a no seu cavalo, um cavalo bem lírico. Mas eu estou muito alegre.
Estou desesperadamente alegre e, por isso, a verdade me importuna e eu tenho de
buscá-la, de encontrá-la nos homens esfarrapados de vestes e almas. Além disto,
esqueci, esqueci quando andava por Oblívion, esqueci aquele gesto: um discóbolo
lançando o seu disco, porque deve ter sido assim que o meu amigo fez o seu
poema: fez uma bola, uma bola pequena e lançou-a, como fazem os discóbolos, e a
bola então se abriu e apareceu tudo isto que é belo: um rei de cabelo assanhado
e que faz caretas enquanto corre pelo céu e ele corre todos os dias e tem
também uma de cara muito fria, que me disseram ter o nome (tão tolo!) de dama
da noite, eu vi também um diamante, mas não contudo mais bonito que o do olhar
da minha amada. É por isto que não posso arranjar uma doce história de amor com
a minha prostituta e o meu vagabundo. É bem verdade que eles são personagens
meus, criaturas minhas, geradas no meu seio desde a minha infância eterna.
Poderia, pois, (e talvez o faça), poderia, pois, muito bem fazê-los se amarem,
com o amor mais descabelado e antropofágico,
e, depois, mergulhá-los na tragédia. Ah, mas um bom criador cria sempre a
liberdade! É por isto que os meus personagens de mim recebem apenas o ser, o
mais, a sua conduta, eles mesmos a ditam. Não posso negar que a mim me apraz
vê-los viver segundo a alegria, para poder reuni-los à minha vida mais íntima,
quase que incorporando-os a mim, como secretários do meu mundo submerso, onde
só vivemos eu e a minha amada, com seu bi-pélago-diamante-olhar (que diadema!).
Mas como sabemos, pelo canto do galo, que começar não é nada e recomeçar é a
suma, recomecemos, portanto. Ela estava meiga e gentil para com ele. Ele usava
um terno cinza. Ela, um vestido vermelho. E vinham caminhando pelo parque.
Liricamente. De repente, ele se virou para ela e disse:
― Eu sempre gostei de tipos que
choram. É por isto que amo as mulheres e as crianças e os crocodilos também.
Não! os crocodilos, não! Que coisa feia, meu Deus! Ah, se você soubesse,
prostituta! Está vendo aquela estrela brilhando, lá no sem-fim? Quantas vezes
não pensei: como é feliz aquela estrela! Ela tem luz própria, esquenta-se a si
mesma, está sempre quente, quentinha, por ter o amor em si. Todas elas, todas
têm (a não ser uma, que uma vez esfriou: a minha aldebarã, noiva do
sete-estrelo e que se tomou de amores por um querubim cigano, o qual cigano
virou sorvete)! Pois é! as estrelas estão sempre quentinhas, que nem um pão na
boca de forno, forno, me dá um bolo, bolo, ó prostituta chorosa na tarde fria e
lavada. Mas nós outros!... nós somos tristes planetas em busca de uma andrômeda
qualquer. Mas eu, que sou filho do Rei, eu também ― hélas! eu... também... ― eu te
encontrei, ó minha pobre estrela decadente. Você bem sabe que cada planeta só
deveria encontrar uma estrela. Mas alguns, talvez por preguiça, se deixam
enamorar em conjunto por uma só estrela que os atrai. É o caso deste astro em
que vivemos, com seus astros companheiros. Mas você bem sabe que não sou um
preguiçoso. O que eu sou é um vagabundo. E o vagabundo é um homem que perdeu
suas virtudes. Todas. Menos uma: a laboriosidade. O vagabundo, vagamundo,
persegue um ideal. É por isto que sou um vagabundo convicto e revolucionário.
Eu prego a vagabundagem com sua soberana invalidez. Invalidez para tudo, menos
para uma só coisa: para a glória. Ela nos faz grandes. Cantemos em odes
profanas a sagrada vagabundagem dos santos e dos bardos e vomitemos no sepulcro
azedo da burguesia, onde milita a contra-vagabundagem.
E foi aí
que ela falou:
― Ó meu
belo animalzinho selvagem, eu tenho também uma história para lhe contar. Era
uma vez uma meninazinha magrinha, magrinha, que foi engordando, engordando e um
dia, bem um dia lhe disseram: menina, tu tá muito bela, e pois vamos amar. E
horizontal e verticalmente nós nos amamos. Foi uma só noite, uma só, que todas
as mais numa só se fundiram. Uma longa noite de amor e mistério sonolento. Como
gatos em volúpia ao sol matinal. Uma festa profunda e ritual, bárbara e
fúnebre, já que antropofágica, mas vital, saudável e quase litúrgica. Foi assim
um mês e pouco, nas praias de um rio, no fundo da mata, vizinhanças do casebre,
no casebre mesmo, lá pelas lindes baianas. E assim vivemos e assim morremos. Um
dia, ele montou seu baio e trepou na montanha, quando o sol que morria o
arrebatou com seu fogo, com seu canto sideral. Depois, depois a vida e o nome
rapariga impresso em arco-íris, as sete cores da solidão. E mais depois ainda,
Belo Horizonte, com suas ruas tristonhas de feijão e sonho. Sonho, bem
entendido, sonho-pesadelo. Pesadelo quase sempre, que havia sonho também. Pois
então eu entendi de criar um príncipe meu, vestido de azul, que fosse vagabundo
e amasse cantar frases desconexas e bonitas, seguindo pelos caminhos da aurora.
Que a todos amasse. Mesmo aos capitalistas. É claro, bem claro, que eu sabia
ser sonho este sonho meu. E agora, meu pato selvagem de mundos solitários,
agora vê você que a minha história é triste. Tão triste!
...............................................................................................................................
E
lá se foram eles. Ela estava meiga e gentil. Era uma tarde fria e lavada de
fins de dezembro. Havia cinzas esparsos pelo céu. E ele tinha o coração
vermelho como uma poça de sangue. O vestido dela então ficou tão branco!
Cochichavam. E se foram. Muito, mesmo. E eu, que a tudo estive presente, fiquei
só. E então achei que Deus era bom. Mas vamos todos em coro, eu você, todos os
leitores, entoar uma canção que diga assim: isto é sem fim, sem fim, sem fim...
1958.
LIVRE
Deixando
de lado, por completo, a minha reconhecida e admirada modéstia, ouso afirmar
que todo sujeito que lê o Paul Rabbit (bem como todo lulista) é burro e
analfabeto (funcional).
FRASES DO GRANDE SERTÃO
Eu queria decifrar
as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo,
seja se for jagunço, mas a matéria vertente.
FRASES DO GRANDE SERTÃO
Tem horas antigas
que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor
mesmo sabe.
Eu sei que isto que
estou dizendo é dificultoso, muito entrançado. Mas o senhor vai avante. Invejo
é a instrução que o senhor tem.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
MALQUERENÇAS 4
O “poeta”, que deu continuidade à poesiasinha tradicional
que se fingia de vanguarda, e que tentou ser no Brasil, imaginem!, o anti-poeta
X., de fama e influência mundiais, foi de esquerda e direita, dependendo da
direção dos ventos predominantes. Hoje tenta dar a entender que formou nas alas
de resistência à ditadura ianque-eclesiástica (para só mencionar duas das perigosas
ligações que ornam a sua “biografia”). Mas é sempre bom lembrar que fez um sinal de pare! para mim, para que me
mantivesse bem longe de sua ilustre figura e não prejudicasse a sua “carreira”,
naqueles velhos tempos em que vivi a experiência dos leprosos da Idade Média e
dos judeus no regime de Hitler, para aproveitar a feliz expressão do Dr.
Amílcar Martins. Carreirismo medíocre é isto aí.
G. RAMOS
Que
seriam os dois vultos que vigiavam lá em baixo o portão? Esta pergunta,
reproduzida, chateava-me; contudo não podia desembaraçar-me dela, misturava-a
sem propósito às complexidades imponderáveis que me atenazavam. Naquela
desordem, naquele cipoal de pensamentos emaranhados, avultava uma
incongruência, mas isto só mais tarde foi percebido: sentia-me vítima de
injustiça, queixava-me de inimigos indecisos, parecia-me descobrir nos lençóis,
no peitoril da janela, na água da moringa e no ar corrução e veneno;
contraditoriamente, achava-me em segurança, considerava a existência anterior
bem mesquinha, pior talvez que a prisão. Quando me viesse calma,
aventurar-me-ia a fazer um livro, lentamente, livre das aporrinhações normais.
Viria a calma? E quantos dias ou meses me deixariam naquela situação? Era
disparate desejar permanecer nela, mas assaltava-me uma grande covardia, o
receio de voltar a assumir responsabilidades, a certeza de que o meu trabalho
de indivíduo solitário, na ditadura mal disfarçada por um congresso de sabujos,
seria pouco mais ou menos inútil. Preferível o cativeiro manifesto ao outro,
simulado, que nos ofereciam lá fora. A idéia de escrever o livro voltava com
insistência. Cada vez mais, porém, me convencia de que, persistindo aquela
enorme burrice, não escreveria coisa nenhuma. Mas observaria fatos e pessoas
que me despertavam curiosidade. Agora estava certo de que não me largariam
dentro de uma semana, como havia suposto. As vaidadezinhas malucas de
pequeno-burguês sumiam-se. Decerto me guardariam, possivelmente me poriam em
contacto com alguns criminosos, pessoas que, interessando-me de mais, até então
me haviam aparecido em tratados ou de longe. Conhecimento imperfeito, sumário.
E mostrar-me-iam os revolucionários de Natal, do 3º Regimento, da Escola de
Aviação. Até certo ponto podia considerar-me uma espécie de revolucionário,
teórico e chinfrim. Sorria-me a perspectiva de olhar de perto revolucionários
de verdade, que ultimamente eram presos em magotes.
Graciliano
Ramos
Memórias
do Cárcere
1º
vol. Viagens. (Obra póstuma).
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1953.
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
FRASES DO GRANDE SERTÃO
De cada vivimento
que eu real tive, de alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu
era como se fosse diferente pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho,
assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir.
OS NOVOS INCONFIDENTES
CASSAÇÕES
DE MANDATO (CONT.)
Maravalho
Narciso Bello
Marcello
Nunes de Alencar
Marcelo
Ferreira Duarte Guimarães
Marcial
do Lago
Márcio
Emmanuel Moreira Alves
Marco
Antônio Tavares Coelho
Marcos
Antônio da Silva Klassmann
Marcos
Antônio Pinheiro Neto
Marcos
Kertzmann
Marcos
Wellington de Castro Tito
Maria
Conceição da Costa Neves
Maria
Lúcia de Mello Araújo
Mário
Covas Júnior
Mário
de Paula Ferreira
Mário
de Souza Martins
Mário
Ferreira Pires
Mário
Gurgel
Mário
Maia
Mário
Piva
Mário
Silveira
Mário
Soares Lima
Matheus
José Schmidt Filho
Matozinhos
de Castro Pinto
Maurílio
Filgueira Ferreira Lima
Mauro
Henrique de Magalhães
Mauro
Lúcio Guedes Werneck
Max
da Costa Santos
Meroveu
da Rosa e Silva
Miécimo
da Silva
Miguel
Dinizo
Miguel
Salim Saad
Milton
Vita Reis
Miran
Pirih
Moab
Caldas
Moacir
Lopes de Andrade
Moacyr
Longo
Moacyr
Martins Brotas
Mosslair
Cordeiro Leite
Moysés
Lupion
Mozart
Bianchi Rocha
Murilo
Barros Costa Rego
Murilo
Rocha Aguiar
Murilo
Souza Reis
Nadyr
Rossetti
Nagib
Mutran
Naldir
Laranjeira Baptista
Natalício
Tenório Cavalcanti de Albuquerque
Nelson
Amorelli Vianna
Nelson
de Aquino Silveira Machado
Nelson
Fabiano Sobrinho
Nelson
José Salim
Publicação
da Câmara dos Deputados
em
homenagem às vítimas da ditadura
ianque-eclesiástico-udeno-empresarial-militar
domingo, 27 de outubro de 2013
LIVRE
Empurrou
a porta das mulheres,
(…)
sentou-se na sanita.
(…)
ajoelhou-se junto do cesto do lixo.
Papel
higiénico ainda húmido, pensos manchados,
tampões.
Levava à boca e sugava.
Ninguém
o viu sair.
Margarida
de Melo Campos
OS INCONFIDENTES
ASSENTADA
Aos
vinte e dois dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta
Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas do Desembargador
Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde
eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, fui vindo e, sendo aí, pelo dito
Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas cujos nomes,
naturalidade, moradas, ofícios, costumes e ditos são os que se seguem, do que
para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti,
Escrivão nomeado, o escrevi.
Testemunha
4ª
O Capitão Vicente Vieira da Mota (caixeiro
de João Rodrigues de Macedo e, portanto, no pico do noticiário local, só foi
preso em 11-05-1791 por ordem da Alçada ao Des. Manitti, pois o Des. Saldanha,
Ouvidor de Vila Rica, falecera em 18-04 precedente. A escolta, sob o comando do
Ten. Fernando de Vasconcelos Parada e Sousa, deixaria a Capital de Minas a
14-05, acompanhando o próprio Manitti, encarregado dos seqüestros que se
completaram na seguinte ordem: José Aires Gomes (Barbacena, 18-05); José de
Resende Costa, pai e filho (Laje, 20-05); Pe. Manuel Rodrigues da Costa
(Registro Velho, 26-05). Os presos foram entregues à Cadeia da Relação em
03-6-1791, no Rio de Janeiro. Barbacena os fizera pôr em segurança previamente,
mandando concentrá-los em São João del Rei, onde estacionava uma unidade da
Tropa do Rio) (Tarquínio J. B. de Oliveira, revisor e anotador), natural da
Cidade do Porto, morador nesta Vila Rica, caixeiro de João Rodrigues de Macedo,
idade de cinqüenta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o
juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita,
subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse
perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.
E
perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe
foi lido, disse que sabe por ser público em toda esta Vila, que o Alferes
Joaquim José da Silva, por alcunha ― o Tiradentes ― andava falando pelas
tabernas, quartéis, por onde se achava, que estas Minas Gerais podiam vir a ser
uma república; e, em certa ocasião, nas vésperas em que o dito Alferes fez
jornada para o Rio de Janeiro, ultimamente, indo a casa dele, testemunha,
principiou o mesmo Alferes a conversar largamente; e estendendo a conversação,
que até ali tinha sido sobre coisas indiferentes, começou a exagerar a beleza,
formosura e riqueza deste país de Minas Gerais, asseverando que era o melhor do
mundo, porque tinha em si ouro e
diamantes, acrescentando que bem podia ser uma república livre e florente; ao
que lhe respondeu ele, testemunha: ― Pois que? Assim como sucedeu com a América
Inglesa?” Ao que lhe tornou o dito Alferes: ― “Justamente. E ainda melhor,
pelas maiores comodidades que tem.” E, respondendo-lhe ele, testemunha: ― “Ora,
não seja doido! Isto é uma loucura”, ― acrescentou o mesmo Alferes: ― “E se com
efeio assim suceder? Vossa Mercê que partido tomaria?” Ao que lhe respondeu
ele, testemunham, já algum tanto azedo daquela tentativa: ― “Ora, você que
motivos tem, ou que acha em mim, que sirva para isto ou para me convocar a
semelhante despropósito?” E ele lhe respondeu que o achava homem nervudo. E
virando ele, testemunha, lhe disse: ― “Você anda fazenda alguma que lhe há de
ainda disparar em algumas dores de cabeça”. Ao que ele tornou dizendo: ― “É
porque eu não acho homens, e os filhos destas Minas são todos uns vis. Porém,
se eu os não achar, hei de armar uma meada que, em cem anos, se não há de
desembaraçar”, cujas palavras proferiu o Alferes já como um homem perigoso. E
perguntando ao mesmo tempo a ele, testemunha, pelo seu patrão, João Rodrigues
de Macedo, e que o queria ir sondar neste negócio, lhe respondeu ele,
testemunha, também já fora de si, nas formais palavras: ― “Não seja insolente
em ir com semelhantes destemperos ao Sr. João Rodrigues de Macedo; e, se for
atrevido e insistir, hei de cravar-lhe uma faca pelo coração”, e, assim
impetuosamente, o despediu. Daí a poucos dias, uma noite, tornou o mesmo
Alferes a ir como costumava à casa dele, testemunha, achando-se ele com o
Ten.-Cel. Basílio de Brito Malheiro. E, entrando pelo quarto a dentro (e,
segundo sua lemrança, tinha saído do Piquete), principiou dando muito alegre as
boas noites; e depois, voltando-se para o tenente-coronel, abriu a conversação
outra vez sobre as vantagens deste país de Minas Gerais fazendo as mesmas já
referidas exagerações, acrescentando que no mesmo se podiam levantar grandes e
utilíssimas fábricas, escusados na maior parte os gêneros que se introduzem de
fora, ao que tudo lhe respondia o tenente-coronel sorrindo-se unicamente e como
quem mofava daquelas reflexões.
Autos
de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara
dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais.
Volume
l.
Brasília
/ Belo Horizonte. 1976.
sábado, 26 de outubro de 2013
FRASES DO GRANDE SERTÃO
A lembrança da vida
da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns
com os outros acho que nem não misturam.
LIVRE
Ele
elogiou-lhe a profundidade da escrita.
Não
respondeu. Primeiro,
não
se vendia por uns elogios. Segundo,
não
sabia de que profundidade ele falava.
Se
da sua cona, se da sua própria penetração.
Quanto
a esta,
ela
mantinha as dúvidas.
Margarida
de Melo Campos
O QUE JESUS ENSINOU E OS CRISTÃOS REPUDIAM
Chamando
a multidão, juntamente com seus discípulos, disse-lhes: “Se alguém quiser vir
após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que
quiser salvar sua vida, a perderá; mas o que perder sua vida por causa de mim e
do Evangelho, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo
inteiro e arruinar sua própria vida? Pois, que daria o homem em troca da sua
vida? De fato, aquele que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de
mim e de minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando
vier na glória de seu Pai com os santos anjos”.
Mc
8, 34-38
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
LIVRE
HUMANIDADE
Encontrou-o
caído à porta de casa.
Passou-lhe
por cima,
a
caminho do carro.
À
tarde, quando regressou, ele continuava lá,
a
cabeça contra o terceiro degrau.
Tinha
o sangue seco, os olhos abertos.
Contornou-o
e fechou a porta.
Não
ligou as luzes,
reduziu
o som da televisão.
Margarida
de Melo Campos
UMA CASA DE DEUS E DO DIABO
Honoré de BALZAC
|
História dos Treze
|
José Lins do REGO
|
Bangüê
|
José Lins do REGO
|
Menino de Engenho
|
Oscar WILDE
|
O Retrato de Dorian Gray
|
Daniel DEFOE
|
Robinson Crusoé
|
STENDHAL
|
A Cartuxa de Parma
|
Jane AUSTEN
|
Orgulho e Preconceito
|
Thomas MANN
|
Morte em Veneza
|
Jean-Paul SARTRE
|
A Náusea
|
Jane AUSTEN
|
Razão e Sentimento
|
Albert CAMUS
|
O Primeiro Homem
|
André COMTE-SPONVILLE
|
Pequeno Tratado das Grandes Virtudes
|
Marcos Augusto GONÇALVES
|
1922 - A Semana que não Terminou
|
João Pereira COUTINHO
|
Por que Virei à Direita
|
Allan PERCY
|
Kafka para Sobrecarregados
|
Allan PERCY
|
Nietzsche para estressados
|
Allan PERCY
|
Nietzsche para estressados
|
Paul RICOEUR
|
Amor e Justiça
|
Nigel WARBURTON
|
Uma Breve História da Filosofia
|
Cezar A. MORTARI
|
Introdução à Lógica
|
G. K. CHESTERTON
|
Ortodoxia
|
Paul JOHNSON
|
Sócrates um Homem do nosso Tempo
|
SARTRE
|
É Proibido Proibir
|
Terry EAGLETON
|
O Debate sobre Deus
|
Thomas MANN
|
José e seus Irmãos 1 José no
Egito
|
Thomas MANN
|
José e seus Irmãos 2 As Histórias de Jacó O Jovem José
|
Thomas MANN
|
José e seus Irmãos 3 José, o Provedor
|
Hermann BROCH
|
A Morte de Virgílio
|
William FAULKNER
|
Palmeiras Selvagens
|
Anton TCHEKHOV
|
O Assassinato e Outras Histórias
|
Simone de BEAUVOIR
|
Por uma Moral da Ambigüidade
|
William FAULKNER
|
A Cidade
|
William FAULKNER
|
O Povoado
|
William FAULKNER
|
A Mansão
|
Kenzaburo OE
|
Jovens de um Novo Tempo, Despertai!
|
J. M. COETZEE
|
Desonra
|
FRASES DO GRANDE SERTÃO
Na feira de São João
Branco, um homem andava falando: — “A pátria não pode nada com a velhice...”
Discordo. A pátria é dos velhos, mais.
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
DRUMMOND
Drummond
é um poeta excepcional, talvez um dos maiores do século XX, que seria admirado
e louvado em toda parte, não fosse o sepulcro
da língua brasileira e a pouca vontade do mundo em nos conhecer. Mas a
biografia política do filho e neto de fazendeiros, malgrado o rápido entusiasmo
com as vitórias do Exército Vermelho nos últimos anos da Segunda Guerra
Mundial, valha-nos Deus...
A BÍBLIA SAGRADA
Observo outra coisa debaixo do sol:
no lugar do direito encontra-se o delito,
no lugar da justiça, lá se encontra o crime.
E eu pensava: o justo e o ímpio Deus os julgará, porque aqui
há um tempo para todas as coisas e para toda ação.
Quanto aos homens penso assim: Deus os põe à prova para
mostrar-lhes que são animais. Pois a sorte do homem e a do animal é idêntica:
como morre um, assim morre o outro, e ambos têm o mesmo alento; o homem não
leva vantagem sobre o animal, porque tudo é vaidade.
Tudo caminha para um mesmo lugar:
tudo vem do pó
e tudo volta ao pó.
Quem sabe se o alento do homem sobe para o alto e se o
alento do animal desce para baixo, para a terra?
Observo que não há felicidade para o homem a não er
alegrar-se com suas obras: essa é a sua porção; pois quem lhe mostrará o que
vai acontecer depois dele?
Ecl 3, 16-22
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
FRASES DO GRANDE SERTÃO
Agora, sou anta
empoçada, ninguém me caça. Da vida pouco me resta — só o deo-gratias; e
o troco.
A REVOLUÇÃO PELO (NÃO-) VOTO
Ah,
se fosse possível a adesão, não digo de todos, impossível, mas de uma ampla
maioria, ao voto nulo... A abstenção também serviria (a multa é por volta de dez
mil réis ― as pessoas não sabem...).
TRIBUNA LIVRE
OTELO
E SANT’IAGO
SENSAÇÕES
ALHEIAS
Não
alcancei mais nada, e para o fim arrependi-me do pedido: devia ter seguido o
conselho de Capitu. Então, como eu quisesse ir para dentro, prima Justina
reteve-me alguns minutos, falando do calor e da próxima festa da Conceição, dos
meus velhos oratórios e finalmente de Capitu. Não disse mal dela, ao contrário,
insinuou-me que podia vir a ser uma moça bonita. Eu, que já a achava
lindíssima, bradaria que era a mais bela criatura do mundo, se o receio me não
fizesse discreto. Entretanto, como prima Justina se metesse a elogiar-lhe os
modos, a gravidade, os costumes, o trabalho para os seus, o amor que tinha a
minha mãe, tudo isto me acendeu a ponto de elogiá-la também. . Quando não era com
palavras, era com gesto de aprovação que dava a cada uma das asserções da
outra, e certamente com a felicidade que devia iluminar-me a cara. Não adverti
que assim confirmava a denúncia de José Dias, ouvida por ela, à tarde, na sala
de visitas, se é que também ela não desconfiava já. Só pensei nisso na cama. Só
então senti que os olhos de prima Justina, quando eu falava, pareciam
apalpar-me, ouvir-me, cheirar-me, gostar-me, fazer o ofício de todos os
sentidos. Ciúmes não podiam ser; entre um pirralho da minha idade e uma viúva
quarentona não havia lugar para ciúmes. É certo que, após algum tempo,
modificou os elogios a Capitu, e até lhe fez algumas críticas, disse-me que era
um pouco trêfega e olhava por baixo; mas ainda assim, não creio que fossem
ciúmes. Creio antes... sim... sim, creio isto. Creio que prima Justina achou no
espetáculo das sensações alheias uma ressurreição vaga das próprias. Também se
goza por influição dos lábios que narram.
Machado
de Assis
Dom
Casmurro
terça-feira, 22 de outubro de 2013
FRASES DO GRANDE SERTÃO
Sei que estou
contando errado, pelos altos. Desemendo. Mas não é por disfarçar, não pense. De
grave, na lei do comum, disse ao senhor quase tudo. Não crio receio. O senhor é
homem de pensar o dos outros como sendo o seu, não é criatura de pôr denúncia.
E meus feitos já revogaram, prescrição dita.
UM APRENDIZ DE FEITICEIRO
EXERCÍCIO
A
alma de todos se estreitou,
alargai-a!
Florestas
ao vento! Velas ao mar!
Que
a quilha ebúrnea contra as ondas estronde!
Apartai-as!
E
o vinho de prata transfundi nas veias,
flores
de sal tatuai na pele,
agora
aberta ao vento e às salsas ondas.
Largai!
A maralto!
Dai
velas, dai ao largo vento,
Louros
na testa, vinhos ao ar,
nenhum
teto
sobre
o navegante que ao mar oferto.
Grinaldas
nas cabeças ostentai de rosas,
de
várias cores colori os corpos,
embriagados
corcéis do ondulante mar.
1994.
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
MALQUERENÇAS 3
Por
pura imitação de poetas franceses que havia lido, e vontade de parecer genial
(e aí, para isto, é preciso parar aos dezesseis anos e ir traficar armas na
África...) sua obra, estilhaçando a linguagem, começou por onde deveria acabar,
o que prova a sua inautenticidade absoluta. Depois vem aquele negócio de
“margaridas” no hino do partido de Marx, Engels e Lênin, quando até Cristo disse que não veio trazer a paz, mas,
sim, a espada...
G. RAMOS
Aquela
mão indistinta, lá em baixo, entre as duas colunas, era provavelmente um
portão. Seriam colunas? Na verdade a iluminação de Recife, vacilante,
deixava-me na ignorância. Conservei-me longamente arrimado ao peitoril,
interrogando as trevas, aguçando o ouvido à procura de seus informadores:
pedaços de conversas, pancadas de relógio. Nenhum sinal me orientava; a noite
preguiçosa a arrastar-se; impossível saber se me achava no princípio ou no fim
dela. Na verdade o tempo não era o que havia sido: tornara-se confuso e lento,
cheio de soluções de continuidade, e nesses hiatos vertiginosos perdia-me,
escorregava, os olhos turvos, numa sensação de queda ou vôo. Náuseas, aperto no
diafragma. Evidentemente se tudo em redor me parecia vago e incompreensível, se
até a noção de tempo se modificava, cá dentro deviam as coisas passar-se de
maneira lastimosa, esta velha máquina emperrava. Sem dúvida. Inquietava-me
perceber que me havia tornado, naquela pausa singular, estúpido em demasia. A
atenção embotada, saltava freqüentemente de um assunto para outro, sem
conseguir estabelecer a mais simples relação entre eles, e às vezes ficava a
doidejar, a rodear pormenores, como peru, tentando decifrar insignificâncias.
Graciliano
Ramos
Memórias
do Cárcere
1º
vol. Viagens.
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1953.
domingo, 20 de outubro de 2013
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