domingo, 27 de outubro de 2013

OS INCONFIDENTES


ASSENTADA

Aos vinte e dois dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas do Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, fui vindo e, sendo aí, pelo dito Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas cujos nomes, naturalidade, moradas, ofícios, costumes e ditos são os que se seguem, do que para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.

Testemunha 4ª

O Capitão Vicente Vieira da Mota (caixeiro de João Rodrigues de Macedo e, portanto, no pico do noticiário local, só foi preso em 11-05-1791 por ordem da Alçada ao Des. Manitti, pois o Des. Saldanha, Ouvidor de Vila Rica, falecera em 18-04 precedente. A escolta, sob o comando do Ten. Fernando de Vasconcelos Parada e Sousa, deixaria a Capital de Minas a 14-05, acompanhando o próprio Manitti, encarregado dos seqüestros que se completaram na seguinte ordem: José Aires Gomes (Barbacena, 18-05); José de Resende Costa, pai e filho (Laje, 20-05); Pe. Manuel Rodrigues da Costa (Registro Velho, 26-05). Os presos foram entregues à Cadeia da Relação em 03-6-1791, no Rio de Janeiro. Barbacena os fizera pôr em segurança previamente, mandando concentrá-los em São João del Rei, onde estacionava uma unidade da Tropa do Rio) (Tarquínio J. B. de Oliveira, revisor e anotador), natural da Cidade do Porto, morador nesta Vila Rica, caixeiro de João Rodrigues de Macedo, idade de cinqüenta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que sabe por ser público em toda esta Vila, que o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha ― o Tiradentes ― andava falando pelas tabernas, quartéis, por onde se achava, que estas Minas Gerais podiam vir a ser uma república; e, em certa ocasião, nas vésperas em que o dito Alferes fez jornada para o Rio de Janeiro, ultimamente, indo a casa dele, testemunha, principiou o mesmo Alferes a conversar largamente; e estendendo a conversação, que até ali tinha sido sobre coisas indiferentes, começou a exagerar a beleza, formosura e riqueza deste país de Minas Gerais, asseverando que era o melhor do mundo, porque tinha em si ouro e diamantes, acrescentando que bem podia ser uma república livre e florente; ao que lhe respondeu ele, testemunha: ― Pois que? Assim como sucedeu com a América Inglesa?” Ao que lhe tornou o dito Alferes: ― “Justamente. E ainda melhor, pelas maiores comodidades que tem.” E, respondendo-lhe ele, testemunha: ― “Ora, não seja doido! Isto é uma loucura”, ― acrescentou o mesmo Alferes: ― “E se com efeio assim suceder? Vossa Mercê que partido tomaria?” Ao que lhe respondeu ele, testemunham, já algum tanto azedo daquela tentativa: ― “Ora, você que motivos tem, ou que acha em mim, que sirva para isto ou para me convocar a semelhante despropósito?” E ele lhe respondeu que o achava homem nervudo. E virando ele, testemunha, lhe disse: ― “Você anda fazenda alguma que lhe há de ainda disparar em algumas dores de cabeça”. Ao que ele tornou dizendo: ― “É porque eu não acho homens, e os filhos destas Minas são todos uns vis. Porém, se eu os não achar, hei de armar uma meada que, em cem anos, se não há de desembaraçar”, cujas palavras proferiu o Alferes já como um homem perigoso. E perguntando ao mesmo tempo a ele, testemunha, pelo seu patrão, João Rodrigues de Macedo, e que o queria ir sondar neste negócio, lhe respondeu ele, testemunha, também já fora de si, nas formais palavras: ― “Não seja insolente em ir com semelhantes destemperos ao Sr. João Rodrigues de Macedo; e, se for atrevido e insistir, hei de cravar-lhe uma faca pelo coração”, e, assim impetuosamente, o despediu. Daí a poucos dias, uma noite, tornou o mesmo Alferes a ir como costumava à casa dele, testemunha, achando-se ele com o Ten.-Cel. Basílio de Brito Malheiro. E, entrando pelo quarto a dentro (e, segundo sua lemrança, tinha saído do Piquete), principiou dando muito alegre as boas noites; e depois, voltando-se para o tenente-coronel, abriu a conversação outra vez sobre as vantagens deste país de Minas Gerais fazendo as mesmas já referidas exagerações, acrescentando que no mesmo se podiam levantar grandes e utilíssimas fábricas, escusados na maior parte os gêneros que se introduzem de fora, ao que tudo lhe respondia o tenente-coronel sorrindo-se unicamente e como quem mofava daquelas reflexões.


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais.
Volume l.

Brasília / Belo Horizonte. 1976.