ASSENTADA
Aos
vinte e dois dias do mês de junho de mil e setecentos e oitenta e nove, nesta
Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, e casas do Desembargador
Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor Geral e Corregedor desta Comarca, onde
eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, fui vindo e, sendo aí, pelo dito
Ministro foram inquiridas as testemunhas abaixo declaradas cujos nomes,
naturalidade, moradas, ofícios, costumes e ditos são os que se seguem, do que
para constar fiz este termo; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti,
Escrivão nomeado, o escrevi.
Testemunha
4ª
O Capitão Vicente Vieira da Mota (caixeiro
de João Rodrigues de Macedo e, portanto, no pico do noticiário local, só foi
preso em 11-05-1791 por ordem da Alçada ao Des. Manitti, pois o Des. Saldanha,
Ouvidor de Vila Rica, falecera em 18-04 precedente. A escolta, sob o comando do
Ten. Fernando de Vasconcelos Parada e Sousa, deixaria a Capital de Minas a
14-05, acompanhando o próprio Manitti, encarregado dos seqüestros que se
completaram na seguinte ordem: José Aires Gomes (Barbacena, 18-05); José de
Resende Costa, pai e filho (Laje, 20-05); Pe. Manuel Rodrigues da Costa
(Registro Velho, 26-05). Os presos foram entregues à Cadeia da Relação em
03-6-1791, no Rio de Janeiro. Barbacena os fizera pôr em segurança previamente,
mandando concentrá-los em São João del Rei, onde estacionava uma unidade da
Tropa do Rio) (Tarquínio J. B. de Oliveira, revisor e anotador), natural da
Cidade do Porto, morador nesta Vila Rica, caixeiro de João Rodrigues de Macedo,
idade de cinqüenta e quatro anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o
juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita,
subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse
perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe era encarregado.
E
perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe
foi lido, disse que sabe por ser público em toda esta Vila, que o Alferes
Joaquim José da Silva, por alcunha ― o Tiradentes ― andava falando pelas
tabernas, quartéis, por onde se achava, que estas Minas Gerais podiam vir a ser
uma república; e, em certa ocasião, nas vésperas em que o dito Alferes fez
jornada para o Rio de Janeiro, ultimamente, indo a casa dele, testemunha,
principiou o mesmo Alferes a conversar largamente; e estendendo a conversação,
que até ali tinha sido sobre coisas indiferentes, começou a exagerar a beleza,
formosura e riqueza deste país de Minas Gerais, asseverando que era o melhor do
mundo, porque tinha em si ouro e
diamantes, acrescentando que bem podia ser uma república livre e florente; ao
que lhe respondeu ele, testemunha: ― Pois que? Assim como sucedeu com a América
Inglesa?” Ao que lhe tornou o dito Alferes: ― “Justamente. E ainda melhor,
pelas maiores comodidades que tem.” E, respondendo-lhe ele, testemunha: ― “Ora,
não seja doido! Isto é uma loucura”, ― acrescentou o mesmo Alferes: ― “E se com
efeio assim suceder? Vossa Mercê que partido tomaria?” Ao que lhe respondeu
ele, testemunham, já algum tanto azedo daquela tentativa: ― “Ora, você que
motivos tem, ou que acha em mim, que sirva para isto ou para me convocar a
semelhante despropósito?” E ele lhe respondeu que o achava homem nervudo. E
virando ele, testemunha, lhe disse: ― “Você anda fazenda alguma que lhe há de
ainda disparar em algumas dores de cabeça”. Ao que ele tornou dizendo: ― “É
porque eu não acho homens, e os filhos destas Minas são todos uns vis. Porém,
se eu os não achar, hei de armar uma meada que, em cem anos, se não há de
desembaraçar”, cujas palavras proferiu o Alferes já como um homem perigoso. E
perguntando ao mesmo tempo a ele, testemunha, pelo seu patrão, João Rodrigues
de Macedo, e que o queria ir sondar neste negócio, lhe respondeu ele,
testemunha, também já fora de si, nas formais palavras: ― “Não seja insolente
em ir com semelhantes destemperos ao Sr. João Rodrigues de Macedo; e, se for
atrevido e insistir, hei de cravar-lhe uma faca pelo coração”, e, assim
impetuosamente, o despediu. Daí a poucos dias, uma noite, tornou o mesmo
Alferes a ir como costumava à casa dele, testemunha, achando-se ele com o
Ten.-Cel. Basílio de Brito Malheiro. E, entrando pelo quarto a dentro (e,
segundo sua lemrança, tinha saído do Piquete), principiou dando muito alegre as
boas noites; e depois, voltando-se para o tenente-coronel, abriu a conversação
outra vez sobre as vantagens deste país de Minas Gerais fazendo as mesmas já
referidas exagerações, acrescentando que no mesmo se podiam levantar grandes e
utilíssimas fábricas, escusados na maior parte os gêneros que se introduzem de
fora, ao que tudo lhe respondia o tenente-coronel sorrindo-se unicamente e como
quem mofava daquelas reflexões.
Autos
de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara
dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais.
Volume
l.
Brasília
/ Belo Horizonte. 1976.