Aquela
mão indistinta, lá em baixo, entre as duas colunas, era provavelmente um
portão. Seriam colunas? Na verdade a iluminação de Recife, vacilante,
deixava-me na ignorância. Conservei-me longamente arrimado ao peitoril,
interrogando as trevas, aguçando o ouvido à procura de seus informadores:
pedaços de conversas, pancadas de relógio. Nenhum sinal me orientava; a noite
preguiçosa a arrastar-se; impossível saber se me achava no princípio ou no fim
dela. Na verdade o tempo não era o que havia sido: tornara-se confuso e lento,
cheio de soluções de continuidade, e nesses hiatos vertiginosos perdia-me,
escorregava, os olhos turvos, numa sensação de queda ou vôo. Náuseas, aperto no
diafragma. Evidentemente se tudo em redor me parecia vago e incompreensível, se
até a noção de tempo se modificava, cá dentro deviam as coisas passar-se de
maneira lastimosa, esta velha máquina emperrava. Sem dúvida. Inquietava-me
perceber que me havia tornado, naquela pausa singular, estúpido em demasia. A
atenção embotada, saltava freqüentemente de um assunto para outro, sem
conseguir estabelecer a mais simples relação entre eles, e às vezes ficava a
doidejar, a rodear pormenores, como peru, tentando decifrar insignificâncias.
Graciliano
Ramos
Memórias
do Cárcere
1º
vol. Viagens.
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1953.