OTELO
E SANT’IAGO
SENSAÇÕES
ALHEIAS
Não
alcancei mais nada, e para o fim arrependi-me do pedido: devia ter seguido o
conselho de Capitu. Então, como eu quisesse ir para dentro, prima Justina
reteve-me alguns minutos, falando do calor e da próxima festa da Conceição, dos
meus velhos oratórios e finalmente de Capitu. Não disse mal dela, ao contrário,
insinuou-me que podia vir a ser uma moça bonita. Eu, que já a achava
lindíssima, bradaria que era a mais bela criatura do mundo, se o receio me não
fizesse discreto. Entretanto, como prima Justina se metesse a elogiar-lhe os
modos, a gravidade, os costumes, o trabalho para os seus, o amor que tinha a
minha mãe, tudo isto me acendeu a ponto de elogiá-la também. . Quando não era com
palavras, era com gesto de aprovação que dava a cada uma das asserções da
outra, e certamente com a felicidade que devia iluminar-me a cara. Não adverti
que assim confirmava a denúncia de José Dias, ouvida por ela, à tarde, na sala
de visitas, se é que também ela não desconfiava já. Só pensei nisso na cama. Só
então senti que os olhos de prima Justina, quando eu falava, pareciam
apalpar-me, ouvir-me, cheirar-me, gostar-me, fazer o ofício de todos os
sentidos. Ciúmes não podiam ser; entre um pirralho da minha idade e uma viúva
quarentona não havia lugar para ciúmes. É certo que, após algum tempo,
modificou os elogios a Capitu, e até lhe fez algumas críticas, disse-me que era
um pouco trêfega e olhava por baixo; mas ainda assim, não creio que fossem
ciúmes. Creio antes... sim... sim, creio isto. Creio que prima Justina achou no
espetáculo das sensações alheias uma ressurreição vaga das próprias. Também se
goza por influição dos lábios que narram.
Machado
de Assis
Dom
Casmurro