domingo, 31 de agosto de 2014

VIAGENS I


VIAGENS I


ÁLBUM 1


ÁLBUM 1


BUKOWSKI


A primeira coisa de que me lembro é de estar debaixo de alguma coisa. era uma mesa, eu via uma das pernas de madeira, via as pernas das pessoas e um tanto da toalha que pendia no ar. Era escuro lá em baixo, eu gostava de ficar por ali. Isso deve ter sido na Alemanha . Eu devia ter um ou dois anos de idade. Era 1922. Eu me sentia bem debaixo da mesa. Ninguém parecia saber onde eu estava. A luz do sol escorria sobre o tapete, sobre as pernas das pessoas A luz do sol me agradava. As pernas das pessoas eram desinteressantes , diferentemente da toalha que pendia da mesa, diferentemente da perna da mesa, da luz do sol.

Então não havia nada... depois uma árvore de Natal. Velas. Pássaros ornamentais: pássaros com pequenos ramos apinhados de frutinhas em seus bicos. Uma estrela. Duas pessoas enormes lutando, gritando. Pessoas comendo, pessoas sempre comendo. Eu também comia. Minha colher era curva, assim,  se eu precisava comer, precisava pegá-la com a mão direita. Se eu pegasse com a esquerda, o alimento se afastava da minha boca. Eu queria pegar a colher com minha mão esquerda.

Duas pessoas: uma maior com cabelo crespo, um narigão, uma boca grande sobrancelhas cerradas; a pessoa maior sempre parecia estar furiosa, quando não aos berros; a pessoa menor era quieta, mais pálida, um rosto redondo com olhos graúdos. Eu tinha medo dos dois. Às vezes, havia uma terceira pessoa, que era gorda e usava vestidos com laço no pescoço. Usava também um broche descomunal e tinha muitas verrugas na face, com pequenos pelos que delas brotavam. "Emily!, eles a chamavam. Essas pessoas não pareciam felizes em estar juntas. Emily era a avó, a mãe de meu pai. O nome do meu pai era "Henry'. O nome da minha mãe era "Katherine". Nunca lhes chamava pelo nome. Eu era "Henry Jr.". Essas pessoas falavam em alemão a maior parte do tempo, assim como eu, no começo.

A primeira coisa que lembro de ouvir minha avó diz : 

- Enterrarei todos vocês!

Ela disse pela primeira vez logo antes da refeição e voltaria a repeti-la por diversas vezes ainda, sempre antes de começarmos a comer. Comer parecia muito importante. Comíamos purê com molho de carne, especialmente aos domingos. Também comíamos rosbife, "knockwurst" (salsicha alemã curta e grossa, fortemente temperada) e chucrute, ervilhas, ruibarbo, cenouras, espinafre, feijão-fradinho, galinha, almôndega e espaguete, algumas vezes misturados com ravióli; havia sopas de cebola e de aspargo; e todos os domingos, torta de morango com sorvete de baunilha. No café da manhã, tínhamos torradas e salsichas, ou então bolinhos ou waffles servidos com bacon e ovos mexidos. E sempre havia café. Mas a lembrança mais forte que tenh é dos purês com molho de carne e de minha avó Emily dizendo: 

- Enterrarei todos vocês!

Ela nos visitava com bastante freqüência depois que nos mudamos para a América, pegando o bonde vermelho que ia de Pasadena a Los Angeles. Só íamos visitá-la muito raramente, a bordo do Ford Modelo T.

Eu gostava da casa da minha avó. Era uma casinha rodeada de pimenteiras. Emily mantinha todos os seus canários em gaiolas diferentes. Lembro bem de uma das visitas. Naquela noite ela cobriu as gaiolas com uns panos brancos para que os passarinhos pudemos dormir. As pessoas estavam sentadas e conversavam. Havia um piano, e fui me sentar junto a ele, tocando as teclas e escutando o som que elas produziam enquanto as pessoas seguiam falando. Eu gostava dos sons das teclas, principalmente os das mais agudas, que quase não tinham som nenhum - pareciam cubos de gelo se chocando uns contra os outros.

- Quer parar com isso? - gritou meu pai. 

- Deixe o garoto tocar o piano - disse minha avó.

Minha mãe sorriu.

- Esse garoto - disse minha avó -, quanto tentei tirá-lo do berço para lhe dar um beijo, ele se levantou e me acertou o nariz!

Falaram mais um pouco, e eu voltei a tocar o piano.

- Por que você não afina essa coisa? - perguntou meu pai.


Charles Bukowski
Textos Autobiográficos
editado por John Martin
tradução de Pedro Gonzaga
L&PM Pocket. Porto Alegre, RS. 2013. 

OS INCONFIDENTES


Testemunha 22ª

O Reverendo Padre Manuel Rodrigues da Costa (que passaria também, em 1791, de testemunha a réu. Nascido em 1744, faleceu em sua Fazenda do Registro Velho (estação de Sá Cortes), tendo sido sepultado na capela do Santíssimo, na matriz da Piedade de Barbacena, em 20 de janeiro de 1844. Durante seu exílio em Portugal, viveu quatro anos na fortaleza de São Julião da Barra. Daí passou a recluso (1796), no convento de São Francisco da Cidade, histórico edifício onde funcionou até recentemente a Biblioteca Nacional de Lisboa. Em 1804 foi relaxada a reclusão e libertado. Autorizado a voltar ao Brasil, fixou-se de novo em sua fazenda. Teve atuação destacada no processo da Independência, tendo sido eleito Deputado às Cortes Gerais de Lisboa, em 1821; solidário com os companheiros da representação mineira, recusou-se a partir para Portugal. Anfitrião imperial e amigo pessoal de D. Pedro I. Obteve expressivas votações para membro da Junta Governativa Provisional de Minas, em 1822, e para Senador do Império, em 1826. Fez parte da Assembléia Constituinte, onde se ocupou da liberdade de culto e da catequese e colonização. Escreveu, ainda recluso no convento de S. Francisco da cidade de Lisboa: 1 – “Tratado da Cultura dos Pessegueiros – nova edição revista, corrigida e augmentada. Traduzida da língua francesa por Manuel Rodrigues da Costa, presbítero do hábito de São Pedro e natural de Minas Gerais. Lisboa. Na Tipografia Calcográfica e Literária do Arco do Cego. MDCCCI. Por ordem superior”. No Brasil: 2 – “A Sua Alteza Real o Príncipe Regente Constitucional, Defensor Perpétuo do Brasil. Pelo Padre Manuel Rodrigues da Costa, morador na Vila de Barbacena, Comarca do Rio das Mortes, Província de Minas Gerais. Rio de Janeiro, 1822. Na Oficina de Silva Porto & Cia. (Sermão).” 3 – “Memória sobre a Catequese dos Índios, composta e dirigida ao Ilmo. e Revmo. Sr. Cônego Januário da Cunha Barbosa, Primeiro Secretário do Instituto Histórico e Geográfico, pelo Sócio Honorário o Pe. Manuel Rodrigues da Costa. Em Agosto de 1840.” Cf. Alexandre Miranda Delgado, “O Padre Manuel Rodrigues  - Inconfidente – Edição do Autor, 1962, págs. 69 a 77. Cf. Rubem Borba de Moraes, “Bibliografia Brasileira do Período Colonial” – Instituto de Estudos Brasileiros da USP, 1969.), natural da Freguesia de Carijós, Comarca do Rio das Mortes, residente na Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campo, que vive de suas fazendas, de idade de trinta e cinco anos, testemunha a quem ele, dito Ministro, deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, sob cargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu cumprir como lhe estava encarregado.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa que todo lhe foi lido, disse que pouco mais ou menos pelo tempo em que tinha chegado a esta Capitania o Excelentíssimo Senhor General, lhe falara em certa ocasião o Alferes do Regimento Pago Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, queixando-se-lhe amargamente dos Governadores destas Minas: que se achavam assoladas e que já se faziam intoleráveis os seus despotismos, referindo mais particularmente as suas queixas ao Excelentíssimo Senhor Luís da Cunha Meneses; acrescentando que vinham aqui enriquecer e aos seus criados; e que este país podia ser um Império; e que se achasse quem o ajudasse, havia de pô-lo livre da sujeição da Europa, encarecendo as suas produções, maiormente de ouro e diamantes. Ao que lhe respondeu ele, testemunha, observando a soltura com que o dito Alferes falava, que semelhantes coisas nem pensar se deviam. E que por este motivo, conhecendo a amizade que tinha o dito Tiradentes com o coronel José Aires  (coronel José Aires Gomes, dono das fazendas da Borda do Campo e da Mantiqueira), ele testemunha o procurou e lhe perguntou se já havia conversado com aquele Tiradentes, e ouvido as suas liberdades; e respondendo-lhe o dito Coronel que já sabia disto, e que o Senhor Visconde também o sabia porque lho tinha contado, ele Aires, se admirou ele testemunha dizendo: “E o Senhor Visconde não providencia isso?” Ao que lhe tornou o mesmo Coronel, acenando com a cabeça: “A seu tempo”.

Depois, porém, que se fizeram as prisões do dito Tiradentes, Joaquim Silvério, Desembargador Gonzaga, e os mais, é que ele testemunha tem ouvido geralmente falar de um levante que se premeditava; e lhe ocorre que, passando o Coronel Joaquim Silvério por casa dele testemunha em certa ocasião, lhe contara que esteve para se lançar a derrama; porém que ele, conversando com Sua Excelência neste ponto, ponderando-lhe o estado da terra e outras circunstâncias que lhe não declarou, fez com que o mesmo Senhor mudasse de parecer e sobrestasse naquele procedimento. Depois do que, passando o mesmo Silvério por casa também dele testemunha, lhe contou que se dirigia para o Rio de Janeiro a buscar uma carta de proteção do Excelentíssimo Senhor Vice-Rei para o Doutor Intendente e Procurador da Real Fazenda, e que isso mesmo lhe mencionara o Senhor Visconde, o que ele testemunha não acreditou; antes, juntando as notícias e passagens referidas, assentou consigo que a ida daquele Joaquim Silvério ao Rio tinha muitos diferentes fins; cuja ideia comunicou ele testemunha ao Padre José Lopes de Oliveira, a quem o mesmo Silvério tinha também comunicado todo o referido, e ambos convieram no mesmo juízo.

Declara mais ele, testemunha, que quando foi a última vez que o dito Alferes passou para o Rio de Janeiro, transitando por sua casa, lhe referiu incidentemente que ia para o Rio de Janeiro a certa dependência de umas águas, sobre que lhe mostrou uns despachos, e que ao mesmo tempo ia também cuidar naquele negócio em que lhe tinha tocado quando viera para cima, relativo à liberdade da América; ao que lhe respondeu ele, testemunha, que o demônio o andava tentando a fazer algumas desordens que lhe haviam custar a cabeça. Também está certo que, ainda antes das prisões, ouviu dizer, sem se lembrar de quem, que o Coronel Alvarenga sabia daquela desordem. E mais não disse, nem dos costumes; e sendo lido o seu juramento, o assinou com o dito Ministro; e eu, o Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado, o escrevi.


Saldanha – Manuel Roiz da Costa.      

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

VIAGENS I


VIAGENS I


MINAS GERAIS

OURO PRETO

Ouro branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada
Ribeirão trepidante e de cada recosto
De montanha o metal rolou na cascalhada
Para o fausto del-Rei, para a glória do imposto.

Que resta do esplendor de outrora? Quase nada:
Pedras... templos que são fantasmas ao sol-posto.
Esta agência postal era a Casa de Entrada...
Este escombro foi um solar... Cinza e desgosto!

O bandeirante decaiu – é funcionário.
Último sabedor da crônica estupenda,
Chico Diogo escarnece o último visionário.

E avulta apenas, quando a noite de mansinho
Vem, na pedra-sabão, lavrada como renda,
- Sombra descomunal, a mão do Aleijadinho!


Manuel Bandeira

em Lira dos Cinqüent’anos.       

ÁLBUM 1


ÁLBUM 1


MINAS GERAIS


OURO PRETO

Recordados de termos lido nos annaes de medicina do ano de 1848 a discripção topographica da cidade, feita por um de seus illustres filhos, desistimos de confeccionar um novo trabalho.

É o o Sr. Dr. Eugenio Celso Nogueira quem escreveu o seguinte: - “A capital da província de Minas está situada na Serra do Ouro Preto a 24 gráos24’6” de latitude, e a l6’ e a 51” segundos de longitude ocidental do Pão de Assucar, sobre quatro morros derivados da mesma serra: é bem difícil dar-se uma idéa exacta da cidade, pela irregularidade de sua fundação; porque dos quatro morros, sobre que está situada, uns avanção outros recuão, deixando entre si valles ou gargantas assás profundas; outros muito apique para que nelles se podesse edificar casas, não apresentão, senão uma acanhada vegetação e muitas escavações, quer devidas ao trabalho quer ao tempo: as casas achão-se dispostas em grupos desiguaes, e quase que cada uma em planos differentes, donde resulta a irregularidade, que se nota até no nivelamento das ruas, de ordinário são de um só sobrado; a excepção dos bairros e arrebaldes onde na maior parte são térreas, quase todas de madeira, e mais ou menos regularmente: no centro da cidade são quase todas envidraçadas, e muitas forradas com esteiras de taquara; nos subúrbios algumas até não tem assoalho; são baixas e acanhadas.

Dos quatro morros, sobre que está edificada a cidade o mais notável pela sua população é o da praça, que está a 1,620 toezas sobre o nível do mar, ficando o bairro do Ouro Preto, lugar mais baixo da cidade a 2,579 toezas e o cume do Itacohemy, a uma légua de distancia, a 1,960 toezas 6 decimas: cercada ao sul pelo Itacolumy, ao norte pela serra do Ouro Preto que ambas se prolongão na direção do Oeste para Este, e de Sul a Norte, em iguaes alturas conserva a cidade quase sempre um ceo nebuloso em qualquer estação do anno, porém mais especialmente na estação chuvosa (Cumpre notar que de 1843, época em que foi isto escripto, para cá tem feito tão notável diferença o clima da cidade, que podemos dizer que raros são os dias nebulosos, e que o luar no Ouro Preto é tão bello e tão puro que convida ao passeio), na qual parece as nuvens terem feito sua morada no cume de taes montanhas: raros são pois aqui os dias claros e serenos.”

É certo que ao seu primeiro encontro a cidade não agrada; mas pousando sobre montes elevados, rodeada de altaneiras serras; defilando a morrer nas faldas desses montes, aqui occultando-se pelas encostas de um, acolá pilhada como por sorpreza na quebrada de outra, o Ouro-Preto offerece á vistas desprevenidas, e amantes do romântico, pensamentos para escaldar uma imaginação de poeta.

E, se não tivéssemos tanto terreno, se não fossemos tão volúveis e inimigos do trabalho, se apreciassemos o tempo e considerássemos que o bem geral é ao mesmo tempo o bem estar particular; se ainda comprehendessemos que sem grandes fadigas torna-se impossível a felicidade e riqueza, o Ouro-Preto podia ser mesmo agora a mais rica população de Minas.

Porém sem outra industria além do commercio a retalho, e ordenados dos cofres públicos, ella vive ainda por ser a capital da província.


Almanack Mineiro
Século XIX
editado Ouro Preto
em 1864
(respeitada a ortografia da época)  

sábado, 23 de agosto de 2014

FRASES DO GRANDE SERTÃO


O sertão está em toda a parte.

OS NOVOS INCONFIDENTES


José Gricolato Sobrinho
José Guedes
José Guedes de Andrade
José Hélio Leite Barbosa
José Henrique Green
José Jerônimo César
José Lauro Moreira
José Leandro Santiago Filho
José Leite da Costa Filho
José Leocádio Filho
José Leôncio Drumond
José Lopes de Albuquerque
José Lopes Pereira
José Lopes Simplício
José Lucas Costa Pinheiro
José Luiz Eboli
José Luiz Martins de Menezes
José Luiz Pereira de Oliveira
José Luiz Rodrigues Calazans
José Luiz Sobrinho
José Maciel Filho
José Mafort de Oliveira
José Manoel
José Manoel de Mello
José Maria Beato
José Maria Carvalho Oliveira
José Maria da Silva
José Maria Gonçalves
José Maria Platilha
José Maria Tibúrcio Barroso
José Mariano Pinto Costa
José Marques Gomes
José Martins Costa Lubeh
José Matias Freire da Gama
José Medeiros Dantas
José Medeiros de Oliveira
José Meimberg da Cunha Filho
José Morais de Oliveira
José Moreira
José Muniz de Faria
José Narciso Legentil
José Nartaide dos Santos
José Nélson Mota Sá
José Niepce da Silva Filho
José Palmeira Guimarães
José Paulino Soares
José Paulo Costa
José Paulo da Silva
José Paulo Mendes dos Santos
José Pereira Santiago Neto
José Raimundo Barata
José Raymundo da Silva
José Ribamar Borges
José Ribamar de Souza
José Ribamar Lopes
José Ribamar Pereira Torreão da Costa
José Ribeiro da Conceição
José Ribeiro Lopes
José Roberto Silva

Homenagem às vítimas do golpe ianque-eclésio-udeno-empresarial-militar de 1º de abril de 1964. Publicação da Câmara dos Deputados.

VIAGEM I


VIAGEM I