sexta-feira, 29 de novembro de 2013

ENTRE RIOS DE MINAS (AQUI, SÃO JOÃO DEL REI)


FRASES DO GRANDE SERTÃO

O sertão está em toda a parte.

ÉDER - TAÍSSA - ANA CAROLINA


PROLETÁRIOS DO MUNDO INTEIRO


É uma delícia superior a leitura de um grande humorista. É o que acontece quando temos sob os olhos um texto de Luís Fernando Veríssimo, uma flor de pessoa. Essa delícia superior, pudemos saboreá-la há dias nas páginas de “O Globo”, quando o grande gaúcho, como um novo Capitão Rodrigo, puxou a faca  da suposição de que se poderia, para resolver o problema de que teríamos dois sistemas judicantes, um que só vale para o PT e outro para os outros (não se pode esquecer que, para quem sabe ler, um pingo é letra), se criasse um conselho arbitral formado por representantes dos dois sistemas. “Desde que não fosse presidido pelo Barbosa, claro.”

Isto nos leva a crer que o ilustre e querido gaúcho amarrou a sua égua na previsão do Delúbio de que tudo acabaria por ser uma piada de salão...


Ou o ponto principal do humorismo do grande humorista seria o preconceito de raça? Afinal, ele é petista e lulista fanático... 

ÉDER


MARCEL


Ficávamos todos suspensos das notícias que minha avó iria trazer-nos do inimigo, como se se pudesse hesitar entre um grande número possível de assaltantes, e logo em seguida meu avô dizia: “Reconheço a voz de Swann.” Com efeito, só pela voz podia a gente reconhecê-lo, não se distinguia bem seu rosto de nariz recurvo e olhos verdes, a alta fronte circundada de cabelos de um loiro-avermelhado, penteados à Bressant, pois conservávamos o menos possível de luz no jardim, para não atrair os mosquitos, e eu, disfarçadamente, como o queria minha avó, ia dizer que trouxessem
refrescos, pois ela considerava mais amável que os refrescos fossem servidos como por costume, e não excepcionalmente, só para os visitantes. Embora muito mais jovem do que ele, o s. Swann era muito afeiçoado a meu avô, que fora um dos melhores amigos de seu pai, homem excelente, mas singular, a quem bastava uma ninharia, às vezes, para interromper os impulsos afetivos ou desviar-lhe o curso do pensamento. Várias vezes por ano, ouvia eu meu avô contar, à mesa, sempre as mesmas anedotas a respeito da atitude que tivera o velho Swann por ocasião da morte de sua esposa, de quem cuidava dia e noite. Meu avô, que de há muito não o via, acorrera para junto dele, na propriedade que possuíam os Swann nos arredores de Combray, e conseguira fazê-lo deixar por um momento, todo em pranto, a câmara mortuária, para que não estivesse presente quando pusessem o corpo no caixão. Deram alguns passos pelo parque, onde havia um pouco de sol. Deram alguns passos pelo parque, onde havia um pouco de sol. De repente, o sr. Swann, pegando pelo braço a meu avô, exclamara: “Ah, meu velho amigo, que felicidade passearmos juntos por um tempo tão lindo como este! Não acha isso bonito, todas as árvores, esses pilriteiros e meu tanque? Você nunca me felicitou por meu tanque! Mas que cara mais murcha é essa?! Não está sentindo este ventinho agora? Ah!, por mais que se diga ainda existem coisas boas nesta vida, meu caro Amadeu!”. Nisto, voltou-lhe a lembrança da morta e, achando decerto muito complicado explicar como se deixava arrastar em tal momento a um impulso de alegria, contentou-se em passar a mão pela testa e esfregar os olhos e os vidros do lornhão, em um gesto que lhe era habitual, sempre que se lhe apresentava ao espírito uma questão delicada.


Marcel Proust
Em Busca do Tempo Perdido
volume I. No Caminho de Swann.
Tradução de Mário Quintana.
Globo. São Paulo, SP.
5ª reimpressão da 3ª edição.
2009.

SÃO JOÃO DEL REI


TRIBUNA LIVRE


SE SE MORRE DE AMOR!

Se se morre de amor! ― Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D’amor igual ninguém sucumbe à perda.

Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração ― abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d’ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Se tal paixão enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas ― em puro céu d’êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;

Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações, porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, ― se os separam, morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda vegetam,
Se aparência de vida, em mal, conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito
Que busca achar no berço a sepultura!

Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, ― às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que a dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!


Gonçalves Dias
Novos Cantos

CORREIAS


OS NOVOS INCONFIDENTES


DEMISSÃO

Adalberto Cavalcanti de Souza
Adalberto Lima Teixeira
Adão da Silva Vieira
Adão Ferreira de Freitas
Adauto Bezerra Delgado
Addo Vânio de Aquino Faraco
Adelaide Andrade Teixeira
Adelgício Saraiva
Adelino Cassis
Adelmo Cordeiro
Adelmo Costa
Adélson Cubas
Ademar Corrêa
Ademar Costa
Ademar Dias de Azevedo
Ademar Nicácio da Silva
Adhemar Augusto de Oliveira
Adhemar Scaffa de Azevedo Falcão
Adílson dos Santos
Adíston Soares Dias
Adolfo Pacheco E Colli
Adriano Magalhães Freire
Aécio Lacerda Sarmento
Affonso Cascon
Afonso Augusto Ribeiro Costa
Afonso Fernandes
Afrânio Mavinier Magalhães de Noronha
Agansis de Amorim e Almeida
Agassiz Guerra
Agenor Ambrósio de Albuquerque
Agenor Bernardo Martins
Agenor Tenório de Paula
Agnaldo Moreira
Agnelo Robs dos Santos
Agostinho Marciano Sant’Ana
Ailton Gomes
Aimoré Zoch Cavalheiro
Airton Barros Bandeira
Airton Coelho Teixeira
Ajadil Ruiz de Lemos
Alaor Francisco Caldas
Albérico de Castro Moraes Barbosa
Alberto Benvindo e Silva
Alberto Bussons Filho
Alberto Moreira
Alberto Ramires da Costa
Alberto Rocha Benevenuto
Alcides Chagas Brandão Sobrinho
Alcídia Lemos de Melo Afonso
Alcindo Alonso Gonçalves
Alcindo Guimarães Sousa
Alcino Frederico Nicoll
Alcione Santana Ribas
Alcione Vieira Pinto Barreto


Publicação da Câmara dos Deputados
em homenagem às vítimas do golpe
ianque-eclesiástico-udeno-empresarial-militar
de 1º de abril de l964.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

CORDISBURGO (AQUI SETE LAGOAS)


OS NOVOS INCONFIDENTES


CASSAÇÕES DE MANDATO

Sílvio Pessoa de Carvalho
Simão Mansur
Simão Viana da Cunha Pereira
Sinval Martins de Araújo
Terezinha Gisela Chaise
Togo Póvoa de Barros
Ulisses Câmara Villar
Unírio Carrera Machado
Vicente Martins Real
Victor Kurt Schuck
Waldemar Alberto Borges Rodrigues Filho
Waldemar Luiz Alves
Waldemar Sales
Waldir Rangrab Taborda
Waldyr de Mello Simões
Wálter Alexandre de Almeida
Wálter Bertolucci
William Salem
Wilmar Correia Taborda
Wílson Barbosa Martins
Wílson da Silva Mendes
Wílson de Queiroz Campos
Wílson Fadul
Wílson Modesto Ribeiro
Wílson Peçanha Frederici
Wílson Vargas da Silveira
Wílton Valença da Silva
Yara Lopes Vargas
Yukischigue Tamura
Zacarias Roquee
Zaire Nunes Pereira

CONFISCO DE BENS

José João Abdalla

DEMISSÃO

Abdalla Chammus Achcar
Abdulino Francisco Locoselli
Abel de Barros
Abel Faleiro
Abelardo de Alvarenga Mafra
Abelardo de Araújo Jurema
Abelardo José de Santana
Abelardo Santos Horta
Abner de Souza Pereira
Abner Gomes Brelaz
Abraão Brockman
Abraão Paulo Araújo Neto
Adail Rodrigues de Lima


Publicação da Câmara dos Deputados
em homenagem às vítimas da ditadura
ianque-eclesiástico-udeno-empresarial-militar  

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ÁLBUM CORDIGITAL (AQUI SETE LAGOAS)


FRASES DO GRANDE SERTÃO

Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães...

CONHECENDO PETRÓPOLIS


MARCEL


Quando subia para me deitar, meu único consolo era que mamãe viria beijar-me na cama. Mas tão pouco durava aquilo, tão depressa descia ela, que o momento em que a ouvia subir a escada e quando passava pelo corredor de porta dupla o leve frêmito de seu vestido de jardim, de musselina branca, com pequenos festões de palha trançada, era para mim um momento doloroso. Anunciava aquele que viria depois, em que ela me deixaria, voltando para baixo. Assim, aquela despedida de que tanto gostava chegava eu a desejar que viesse o mais tarde possível, para que se prolongasse o tempo de espera em que mamãe ainda não aparecia . Às vezes, quando depois de me haver beijado, abria a porta para partir, desejava dizer-lhe “beija-me ainda outra vez”, mas sabia que logo seu rosto assumiria um ar de zanga, pois a concessão que fazia a minha tristeza e inquietude, subindo para levar-me aquele beijo de paz, irritava a meu pai, que achava esses ritos absurdos, e ela, que tanto desejaria fazer-me perder a necessidade e o hábito daquilo, longe estava de deixar-me adquirir o novo costume de pedir-lhe, quando já se achava com o pé no limiar da porta, um beijo a mais. E vê-la incomodada destruía toda a calma que me trouxera um momento antes, quando havia inclinado sobre meu leito sua face amorável, oferecendo-a como uma hóstia para uma comunhão de paz, em que meus lábios saboreariam sua presença real e ganhariam a possibilidade de dormir. Mas essas noites em que mamãe ficava tão pouco tempo em meu quarto ainda eram muito boas em comparação com outras, quando havia convidados para jantar e em que, por causa disso, não subia para se despedir de mim. Em geral, o visitante era o sr. Swann, o qual, além de alguns forasteiros de passagem, era quase a única pessoa que vinha a nossa casa em Combray, algumas vezes para jantar como vizinho (mais raramente depois que fizera aquele mau casamento, pois meus pais não desejavam receber sua mulher), outras vezes após o jantar, de surpresa. Nas noites em que estávamos sentados à frente de casa, em redor da mesa de ferro, sob o grande castanheiro, e ouvíamos na entrada do jardim, não a sineta estridente e profusa que borrifava, que aturdia, na passagem, com seu ruído ferruginoso, inextinguível e gélido, a qualquer pessoa de casa que a disparasse ao entrar “sem chamar”, mas o duplo tinido tímido, redondo e dourado da campainha para os de fora, todos indagavam consigo: “Uma visita, quem poderá ser?”, mas bem se sabia que não poderia ser outro senão o sr. Swann; minha tia-avó, falando em voz alta, para pregar com o exemplo, em um tom que se esforçava por tornar natural, dizia que não cochichassem daquela maneira, que nada é mais descortês para quem chega e que, com isso, poderá supor que se está falando em coisas que ele não deve ouvir; e mandava-se à frente, como batedor, minha avó, sempre feliz de ter um pretexto para dar mais uma volta no jardim e que aproveitava para arrancar sub-repticiamente, de passagem, algumas estacas de roseira, a fim de dar às rosas um ar mais natural, como uma mãe que afofa com os dedos os cabelos do filho, porque o barbeiro os deixava muito lisos.


Marcel Proust
Em Busca do Tempo Perdido
volume I. No Caminho de Swann.
Tradução de Mário Quintana.
Globo. São Paulo, SP.
5ª reimpressão da 3ª edição. 2009.

CONGONHAS MG


TRIBUNA LIVRE


O MAR

O mar é triste como um cemitério;
Cada rocha é uma eterna sepultura
Banhada pela imácula brancura
De ondas chorando num alvor etéreo.

Ah! dessas vagas no bramir funéreo
Jamais vibrou a sinfonia pura
Do Amor; lá, só descanta, dentre a escura
Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cândida espuma dessas vagas,
Banhando a fria solidão das fragas,
Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma,

Reflete a luz do sol que já não arde,
Treme na treva a púrpura da tarde,
Chora a Saudade envolta nesta espuma!


1902

Augusto dos Anjos
Toda a Poesia
Paz e Terra. Rio de Janeiro, RJ.
2ª edição. 1978.

CASA E CIDADE DE PETRÓPOLIS


OS INCONFIDENTES


Testemunha 5ª

O Sargento-Mor Raimundo Correia Lobo, homem pardo, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Vila do Príncipe e morador no Arraial do Tejuco, Comarca do Serro do Frio, que vive de suas lavras, de idade de trinta e sete anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometera fazer como lhe estava encarregado.

E perguntado ele, testemunha, pelo conteúdo no Auto desta Devassa, que todo lhe foi lido, disse que, achando-se ele em casas do Doutor Antônio José Soares de Castro, com quem assistia junto com um Salvador de Carvalho do Amaral Gurgel, vindo este de fora em certa ocasião ouviu que o mesmo, em particular, estava contando àquele Doutor, que também é tenente-coronel dos Pardos da Vila do Príncipe, que o Alferes Joaquim José da Silva, por alcunha o Tiradentes, lhe referira que estava para se fazer um novo Parlamento nestas Minas; a cuja notícia, virou logo o dito Doutor dizendo: “Não se fale aqui nisso; e quem for o motor de semelhante coisa, verá o que lhe sucede, pois é um crime da primeira cabeça”. E foi isto unicamente o que ele, testemunha, tem ouvido a este respeito.

E perguntado ele, testemunha, pelo referimento que nele fez a testemunha Tenente-Coronel Basílio de Brito Malheiro, que todo lhe foi lido, disse que passava na verdade ter ele falado, na ocasião apontada no referimento e na mencionada Estalagem, com o pardo Crispiniano da Luz Soares, e dizer-lhe este: ― “Que lhe parece a Vossa Mercê o que vai de novo: o levante que querem fazer?” Ao que lhe respondeu ele, testemunha: ― “Nem falar nisso é bom; já o Salvador falou no mesmo em casa do Tenente-Coronel Antônio José Soares de Castro, e este ralhou infinito”.

Não está porém certo ele, testemunha, se o mesmo Crispiniano lhe disse o mais que acusa o referimento, relativamente a ter-se escrito para São Paulo para se não pagarem os dízimos, do que não tem lembrança. E mais não disse nem aos costumes; e sendo lido o seu juramento o assinou com o dito Ministro; e eu, José Caetano César Manitti, Escrivão nomeado.


Saldanha   ―   Raimundo Correia Lobo


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara dos Deputados ― Governo do Estado de Minas Gerais
volume 1. Brasília ― Belo Horizonte. 1976.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

CAPITÃO-DA-SALA


FRASES DO GRANDE SERTÃO

Mas, melhor de todos — conforme o Reinaldo disse — o que é o passarim mais bonito e engraçadinho de rio-abaixo e rio-acima: o que se chama o manuelzinho-da-croa.

CAPAS


MARCEL


Se essas voltas de minha avó pelo jardim se efetuavam após o jantar, uma coisa havia que tinha o poder de fazê-la entrar em casa: era ― em um dos momentos em que a revolução de seu passeio a trazia periodicamente, como um inseto, para diante das luzes da saleta, one eram servidos os licores na mesinha de jogo ― quando minha tia-avó lhe gritava: “Bathilde! Vem ver se impedes teu marido de beber conhaque!” Para arreliá-la, com efeito (trouxera para a família de meu pai um espírito tão diferente que todos zombavam dela e atormentavam-na), como a meu avô estavam proibidos os licores, costumava minha tia-avó fazê-lo beber algumas gotas. Minha pobre avó entrava, rogava ardentemente ao marido que não provasse do conhaque; ele irritava-se, tomava apesar de tudo seu gole, e ela tornava a partir, triste, desanimada, mas sorridente, pois era tão humilde de coração e tão bondosa que sua ternura pelos outros e a pouca importância que dava à própria pessoa e a seus sofrimentos se conciliavam, em seu olhar, em um sorriso no qual, contrariamente ao que se lê no rosto de muitos humanos, não havia ironia senão para consigo mesma, e, para nós todos, como que um beijo de seus olhos, que não podia ver aqueles a quem queria sem os acariciar apaixonadamente com o olhar. Esse suplício que lhe infligia minha tia-avó, o espetáculo das inúteis súplicas de minha avó e de sua fraqueza, de antemão vencida, tentando embalde tirar o cálice a meu avô, era dessas coisas a cuja vista a gente se habitua mais tarde a considerar sorrindo e a tomar resoluta e alegremente o partido do perseguidor, para nos persuadirmos de que não se trata de perseguição; causavam-me então tamanho horror que me vinha a vontade de bater em minha tia-avó. Mas logo que ouvia: “Bathilde! Vem ver se impedes teu marido de beber conhaque!”, já homem pela covardia, eu fazia o que todos nós fazemos, uma vez que somos grandes, quando há diante de nós sofrimentos e injustiças: não queria vê-los; ia soluçar lá no alto da casa, ao lado da sala de estudos, sob os telhados, em uma pequena peça que cheirava a íris, também perfumada por uma groselheira silvestre que crescera fora entre as pedras da muralha e passava um ramo florido pela janela entreaberta. Destinada a um uso mais especial e mais vulgar, aquela peça, de onde se tinha vista, de dia, até o torreão de Roussainvile-le-Pin, serviu-me por muito tempo de refúgio, sem dúvida por ser a única que me era permitido fechar à chave, para todas as minhas ocupações que demandavam uma inviolável solidão: a leitura, a cisma, as lágrimas e a voluptuosidade. Ah!, eu então não sabia que, muito mais tristemente que as pequenas infrações ao regime do marido, era minha falta de vontade, minha saúde delicada, a incerteza que ambas as coisas projetavam em meu futuro, o que preocupava minha avó durante suas incessantes perambulações da tarde e da noite, quando se via passar e repassar, obliquamente erguido para o céu, seu belo rosto de faces morenas e sulcadas, que, no declínio da vida, haviam-se tornado quase cor de malva como as lavras pelo outono, e que ela cobria, ao sair, com um véu curto e nas quais, trazida ali pelo frio ou por algum triste pensamento, estava sempre a secar uma lágrima involuntária.


Marcel Proust
Em Busca do Tempo Perdido
volume I  -  No Caminho de Swann
tradução de Mário Quintana

Globo. São Paulo, SP. 2009.

CANÁRIOS


TRIBUNA LIVRE


OTELO E SANT’IAGO
NO PASSEIO PÚBLICO

Entramos no Passeio Publico. Algumas caras velhas, outras doentes ou só vadias espalhavam-se melancolicamente no caminho que vai da porta ao terraço. Seguimos para o terraço. Andando, para me dar animo, falei do jardim:

― Ha muito tempo que não venho aqui, talvez um anno.

― Perdôe-me, atalhou elle, não ha tres mezes que esteve aqui com o nosso visinho Padua; não se lembra?

― É verdade, mas foi tão de passagem...

― Elle pediu a sua mãe que o deixasse trazer comsigo, e ella, que é boa como a mãe de Deus, consentiu; mas ouça-me, já que falamos nisto, não é bonito que você ande com o Padua na rua.

― Mas eu andei algumas vezes...

― Quando era mais jovem; em creança, era natural, elle podia passar por creado. Mas você está ficando moço, e elle vae tomando confiança. D. Gloria, afinal, não póde gostar disto. A gente Padua não é de todo má. Capitú, apesar daquelles olhos que o diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos della? São assim de cigana obliqua e dissimulada. Pois, apesar delles, poderia passar, se não fosse a vaidade e a adulação. Oh! a adulação! D. Fortunata merece estima, e elle não nego que seja honesto, tem um bom emprego, possue a casa em que móra, mas honestidade e estima não bastam, e as outras qualidades perdem muito de valor com as más companhias em que elle anda. Padua tem uma tendencia para gente réles. Em lje cheirando a homem chulo é com elle. Não digo isto por odio, nem por que elle fale mal de mim e se ria, como se riu, ha dias, dos meus sapatos acalcanhados...

― Perdão, interrompi suspendendo o passo, nunca ouvi que falasse mal do senhor; pelo contrario, um dia, não ha muito tempo, disse elle a um sujeito, em minha presença, que o senhor era “um homem de capacidade e sabia falar como um deputado nas camaras.”

José Dias sorriu deliciosamente, mas fez um esforço grande e fechou outra vez o rosto; depois replicou:

― Não lhe agradeço nada. Outros, de melhor sangue, me tem feito o favor de juizos altos. E nada disto impede que elle seja o que lhe digo.

Tinhamos outra vez andado, subimos ao terraço, e olhamos para o mar.

― Vejo que o senhor não quer senão o meu beneficio, disse eu depois de alguns instantes.

― Pois que outra cousa, Bentinho?

― Neste caso, peço-lhe um favor.

― Um favor? Mande, ordene, que é?

― Mamãe...

Durante algum tempo não pude dizer o resto, que era pouco, e vinha de cór. José Dias tornou a perguntar o que era, sacudia-me com brandura, levantava-me o queixo e espetava os olhos em mim, ancioso tambem, como a prima Justina na vespera.

― Mamãe quê? Que é que tem mamãe?

― Mamãe quer que eu seja padre, mas eu não posso ser padre, disse finalmente.

― Jose Dias endireitou-se pasmado.

― Não posso, continuei eu, não menos pasmado que elle, não tenho geito, não gósto da vida de padre. Estou por tudo o que ella quizer; mamãe sabe que eu faço tudo o que ella manda; estou prompto a ser o que fôr do seu agrado, até cocheiro de omnibus. Padre, não; não posso ser padre. A carreira é bonita, mas não é para mim.

Todo esse discurso não me saiu assim, de vez, enfiado naturalmente, peremptorio, como póde parecer do texto, mas aos pedaços, mastigado, em voz um pouco surda e timida. Não obstante, José Dias ouvira-o espantado. Não contava certamente com a resistencia, por mais acanhada que fosse; mas o que ainda mais o assombrou foi esta conclusão:

― Conto com o senhor para salvar-me.

Os olhos do agregado escancararam-se, as sobrancelhas arquearam-se, e o prazer que eu contava dar-lhe com a escolha da protecção não se mostrou em nenhum dos musculos. Toda a cara delle era pouca para a estupefacção. Realmente, a materia do discurso revelara em mim uma alma nova; eu proprio não me conhecia. Mas a palavra final é que trouxe um vigor unico. José Dias ficou aturdido. Quando os olhos tornaram às dimensões ordinarias:

― Mas que posso eu fazer? perguntou.

― Póde muito. O senhor sabe que, em nossa casa, todos o apreciam. Mamãe pede muita vez os seus conselhos, não é? Tio Cosme diz que o senhor é pessoa de talento...

― São bondades, retorquiu lisonjeado. São favores de pessoas dignas, que merecem tudo... Ahi está! nunca ninguém me ha de ouvir dizer nada de pessoas taes; porque? porque são ilustres e virtuosas. Sua mãe é uma santa, seu tio é um cavalheiro perfeitissimo. Tenho conhecido familias distinctas; nenhuma poderá vencer a sua em nobreza de sentimentos. O talento que seu tio acha em mim confesso que o tenho, mas é só um, ― é o talento de saber o que é bom e digno de admiração e de apreço.

― Ha de ter tambem o de proteger os amigos, como eu.

― Em que lhe posso valer, anjo do ceu? Não hei de dissuadir sua mãe de um projecto que é, além de promessa, a ambição e o sonho de longos annos. Quando pudesse, é tarde. Ainda hontem fez-me o favor de dizer: “José Dias, preciso metter Bentinho no seminario.”

Timidez não é tão ruim moeda, como parece. Se eu fosse destemido, é provavel que, com a indignação que experimentei, rompesse a chamar-lhe mentiroso, mas então seria preciso confessar-lhe que estivera á escuta, atraz da porta, e uma acção valia outra. Contentei-me de responder que não era tarde.

― Não é tarde, ainda é tempo, se o senhor quizer.

― Se eu quizer? Mas que outra cousa quero eu, senão servil-o? Que desejo, senão que seja feliz, como merece?

― Pois ainda é tempo. Olhe, não é por vadiação. Estou prompto para tudo; se ella quiser que eu estude leis, vou para São Paulo...


Machado de Assis
Dom Casmurro
H. Garnier. Rio / Pariz.

1ª edição.

CABO FRIO II


O QUE JESUS ENSINOU E OS CRISTÃOS REPUDIAM


Ao retomar o seu caminho, alguém correu e ajoelhou-se diante dele, perguntando: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Jesus respondeu: “Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus. Tu conheces os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe”. Então ele replicou: “Mestre, tudo isso eu tenho guardado desde minha juventude”. Fitando-o, Jesus o amou e disse: “Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”. Ele, porém, contristado com essa palavra saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.



Mc 10, 17-22

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

CABO FRIO I


FRASES DO GRANDE SERTÃO

E ela era bonita, sacudida. Mulher assim de ser: que nem braçada de cana — da bica para os cochos, dos cochos para os tachos. 

CABO FRIO / ARRAIAL DO CABO 2009



MARCEL


Após o jantar, ai de mim, via-me obrigado a deixar mamãe, que ficava a conversar com os outros no jardim, se fazia bom tempo, ou na saleta, para onde todos se retiravam quando o tempo era mau. Todos, menos minha avó, que achava “uma lástima ficar-se encerrado, no campo” e que tinha incessantes discussões com meu pai, nos dias de chuva muito forte, porque ele me mandava ler no quarto em vez de ficar fora. “Não é assim que o tornarão robusto e enérgico”, dizia ela, “ainda mais esse menino que tanto precisa adquirir forças e vontade.” Meu pai dava de ombros e examinava o barômetro, pois gostava de meteorologia, enquanto minha mãe, evitando fazer ruído para não perturbá-lo, olhava –o com enternecido respeito, mas não muito fixamente, como para não parecer que tentava devassar o mistério de sua superioridade. Mas minha avó, essa, por qualquer tempo, mesmo quando chovia forte e Françoise recolhia as preciosas cadeiras de vime para que não se molhassem, viam-na no jardim deserto e fustigado pelo aguaceiro erguendo as mechas desordenadas e grisalhas para que sua fronte melhor se impregnasse da salubridade do vento e da chuva. “Enfim, respira-se!”, dizia ela, e percorria os caminhos encharcados do jardim ― alinhados muito simetricamente para seu gosto pelo novo jardineiro desprovido de sentimento da natureza e a quem meu pai perguntara desde manhã cedo se o tempo se comporia ―, com aquele seu passo entusiástico e brusco, regulado pelos diversos impulsos que lhe suscitavam na alma a embriaguez da tempestade, o poder da higiene, a estupidez de minha educação e a simetria dos jardins, antes que pelo desejo, que lhe era desconhecido, de evitar os salpicos de lama na saia cor de ameixa e que a cobriam até uma altura que era sempre um desespero e um problema para sua criada.


Marcel Proust
Em Busca do Tempo Perdido
volume I  -  No Caminho de Swann
tradução de Mário Quintana

Globo. São Paulo, SP. 2009.

CABO FRIO 2009 II


TRIBUNA LIVRE


― “O seguinte é este:...” O homem rico prezava toda a confiança no vaqueiro, deu a ele a melhor maior fazenda, pra tomar conta. O vaqueiro podia comportar lá o que por si entendesse, mas tinha de zelar cuidados com a Cumbuquinha, uma vaca que o homem rico amava com muita consideração. Foi quanto foi para a Destemida exigir do marido, a sentido rogo: que queria comer carne da Cumbuquinha, que precisava, porque era um desejo e ela estava grávida de criança, mesmo precisava. Até os meninos choravam: ― “Nha mãe, não mata a Cumbuquinha...” Mas a Destemida tinha o relógio de não ter nenhuma piedade. Não atendia, por mais prazer. O vaqueiro pobre matou a Cumbuquinha...

Não, não foi o velho Camilo quem tossiu. Foi o papagaio, o Cravo. Dormitando em sua placa, no umbral da porta, toscanejou de resmungar e cochichar as contracoisas. Aquela hora, podia-se pôr nele a mão, coçar-lhe o cocoruto, ele se alongava, seempre em surdina refalando. Bobéias e parlendas. Que o el-rei foi à caça, real, real, por Portugal, e os cães correndo o veado: ...”Au, au, au: pé! ...― Matou, compadre?” O couro era dele, Cravo, para fazer carapuça p’ra o sandeu, e depois remedar o gruziado de um peru e o choro de meninos, e o racho da Leonísia batendo nos meninos, e cantar o Sererê-Sererá, parlendas dele mesmo, outras canções:

“Menina, segura
seu papagaio!
Senão ele foge
me dá trabalho...”

Ele sabia sisudo até o imoral. Era um papagaio-verdadeiro dos Gerais, e macho: com muitos amarelos na cabeça.

Manuelzão não se ria, de espírito afastado. Mas carecia de se ajudar imaginando todos os outros rindo, rindo, com barulho. Se o velho Camilo não entrava para a cozinha, tivesse ou não vontade, decerto tinha, não entrava era porque falhava ao jeito, se vexava sendo de amor. Joana Xaviel sabia mil estórias. Seduzia ― a mãe de Manuelzão achou que ela tivesse a boca abençoada. Mel, mas mel de marimbondo! Essa se fingia em todo passo, muito mentia, tramava, adulava. Nem era capaz de ter chegado simples para a festa, como os outros, mas postiços manifestava: ― “Vim soprar arroz p’ra sa dona Leonísia...” Por que havia de ser que logo as pessoas tão cordatas, tão quietas, como a mãe de Manuelzão ou como o velho Camilo, é que davam de engraçar com gente solta assim, que nem Joana Xaviel?


João Guimarães Rosa
Uma Estória de Amor
(Festa de Manuelzão)
Corpo de Baile I. José Olympio.
Rio de Janeiro, RJ. 1ª edição.

1956.

CABO FRIO 2009 I


UMA CASA DE DEUS E DO DIABO



F. Scott FITZGERALD
Suave é a Noite
Liev TOLSTÓI
Ressurreição
Flávio M. COSTA et alii
Contos de Amor e Desamor
Fiódor DOSTOIÉVSKI
Recordações da Casa dos Mortos
Eduardo FRIEIRO
O Diabo na Livraria do Cônego
Luiz Costa LIMA
A Ficção e o Poema
James CAMPBELL
À Margem Esquerda
Joseph SMITH
O Lobo
Émile ZOLA
Germinal
James JOYCE
Ulisses
Orhan PAMUK
Outras Cores
Henry JAMES
A Fera na Selva

Novo Testamento Trilíngue
Gabriel García MÁRQUEZ
Cem Anos de Solidão
Robert MUSIL
O Homem sem Qualidades
François RABELAIS
Gargântua e Pantagruel
Gustave FLAUBERT
Bouvard e Pécuchet
Alexandre DUMAS
Os Três Mosqueteiros
Lewis CARROLL
Alice no País das Maravilhas
Graciliano RAMOS
Memórias do Cárcere
Denis DIDEROT
A Religiosa
Carlos FUENTES
Terra Nostra
Johann W. von GOETHE
Os Anos de Aprendizado de W. Meister
Miguel Sousa  TAVARES
No teu Deserto
Aldous HUXLEY
Contraponto
José Lins do REGO
Gregos e Troianos
Gil VICENTE
Auto de Moralidade da Embarcação do Inferno
William FAULKNER
Luz em Agosto