Ao
passo sacudido de seu cavalo, Golo, movido por atroz desígnio, saía da pequena
floresta triangular que aveludava de um verde sombrio a vertente de uma colina
e avançava aos solavancos para o castelo da pobre Geneviève de Brabant. Esse
castelo se recortava em uma linha curva que não era senão o limite de uma das
ovais de vidro insertas no caixilho que se introduzia na lanterna. Não eera
mais que um muro de castelo e tinha a sua frente um descampado onde cismava
Geneviève, que usava um cinto azul. O castelo e o terreno eram amarelos e eu
não esperava o momento de vê-los para ficar sabendo que cor tinham, pois, antes
dos vidros do caixilho, a sonoridade aurirrubra do nome de Brabant mo havia
mostrado com toda a evidência. Golo parava um instante para ouvir com tristeza
a arenga lida em voz alta por minha tia-avó e que ele parecia compreender muito
bem, ajustando sua atitude às indicações do texto, com uma brandura que não
excluía certa majestade; depois se afastava na mesma andadura sacudida. E coisa
alguma podia deter sua lenta cavalgada. Se se movia a lanterna, eu distinguia o
cavalo de Golo, que continuava a avançar por sobre as cortinas da janela,
enfunando-se em suas dobras, afundando em suas fendas. O próprio corpo de Golo,
de uma essência tão sobrenatural como a de sua montaria, aproveitava-se de
qualquer obstáculo material, de qualquer objeto incômodo que encontrasse no
caminho, tomando-o como ossatura e tornando-o interior, ainda que fosse a
maçaneta da porta, à qual logo se adaptava e onde sobrenadava invencivelmente
sua veste vermelha, e seu rosto sempre tão pálido e tão melancólico, mas que
não deixava transparecer nenhuma inquietude proveniente daquela
transvertebração.
Marcel
Proust
Em
Busca do Tempo Perdido
vol.
I No Caminho de Swann
tradução
de Mário Quintana