Quando
subia para me deitar, meu único consolo era que mamãe viria beijar-me na cama.
Mas tão pouco durava aquilo, tão depressa descia ela, que o momento em que a
ouvia subir a escada e quando passava pelo corredor de porta dupla o leve
frêmito de seu vestido de jardim, de musselina branca, com pequenos festões de
palha trançada, era para mim um momento doloroso. Anunciava aquele que viria
depois, em que ela me deixaria, voltando para baixo. Assim, aquela despedida de
que tanto gostava chegava eu a desejar que viesse o mais tarde possível, para
que se prolongasse o tempo de espera em que mamãe ainda não aparecia . Às
vezes, quando depois de me haver beijado, abria a porta para partir, desejava
dizer-lhe “beija-me ainda outra vez”, mas sabia que logo seu rosto assumiria um
ar de zanga, pois a concessão que fazia a minha tristeza e inquietude, subindo
para levar-me aquele beijo de paz, irritava a meu pai, que achava esses ritos
absurdos, e ela, que tanto desejaria fazer-me perder a necessidade e o hábito
daquilo, longe estava de deixar-me adquirir o novo costume de pedir-lhe, quando
já se achava com o pé no limiar da porta, um beijo a mais. E vê-la incomodada
destruía toda a calma que me trouxera um momento antes, quando havia inclinado
sobre meu leito sua face amorável, oferecendo-a como uma hóstia para uma
comunhão de paz, em que meus lábios saboreariam sua presença real e ganhariam a
possibilidade de dormir. Mas essas noites em que mamãe ficava tão pouco tempo
em meu quarto ainda eram muito boas em comparação com outras, quando havia
convidados para jantar e em que, por causa disso, não subia para se despedir de
mim. Em geral, o visitante era o sr. Swann, o qual, além de alguns forasteiros
de passagem, era quase a única pessoa que vinha a nossa casa em Combray,
algumas vezes para jantar como vizinho (mais raramente depois que fizera aquele
mau casamento, pois meus pais não desejavam receber sua mulher), outras vezes
após o jantar, de surpresa. Nas noites em que estávamos sentados à frente de
casa, em redor da mesa de ferro, sob o grande castanheiro, e ouvíamos na
entrada do jardim, não a sineta estridente e profusa que borrifava, que
aturdia, na passagem, com seu ruído ferruginoso, inextinguível e gélido, a
qualquer pessoa de casa que a disparasse ao entrar “sem chamar”, mas o duplo
tinido tímido, redondo e dourado da campainha para os de fora, todos indagavam
consigo: “Uma visita, quem poderá ser?”, mas bem se sabia que não poderia ser
outro senão o sr. Swann; minha tia-avó, falando em voz alta, para pregar com o
exemplo, em um tom que se esforçava por tornar natural, dizia que não
cochichassem daquela maneira, que nada é mais descortês para quem chega e que,
com isso, poderá supor que se está falando em coisas que ele não deve ouvir; e
mandava-se à frente, como batedor, minha avó, sempre feliz de ter um pretexto
para dar mais uma volta no jardim e que aproveitava para arrancar
sub-repticiamente, de passagem, algumas estacas de roseira, a fim de dar às
rosas um ar mais natural, como uma mãe que afofa com os dedos os cabelos do
filho, porque o barbeiro os deixava muito lisos.
Marcel
Proust
Em
Busca do Tempo Perdido
volume
I. No Caminho de Swann.
Tradução
de Mário Quintana.
Globo.
São Paulo, SP.
5ª
reimpressão da 3ª edição. 2009.