segunda-feira, 25 de novembro de 2013

TRIBUNA LIVRE


― “O seguinte é este:...” O homem rico prezava toda a confiança no vaqueiro, deu a ele a melhor maior fazenda, pra tomar conta. O vaqueiro podia comportar lá o que por si entendesse, mas tinha de zelar cuidados com a Cumbuquinha, uma vaca que o homem rico amava com muita consideração. Foi quanto foi para a Destemida exigir do marido, a sentido rogo: que queria comer carne da Cumbuquinha, que precisava, porque era um desejo e ela estava grávida de criança, mesmo precisava. Até os meninos choravam: ― “Nha mãe, não mata a Cumbuquinha...” Mas a Destemida tinha o relógio de não ter nenhuma piedade. Não atendia, por mais prazer. O vaqueiro pobre matou a Cumbuquinha...

Não, não foi o velho Camilo quem tossiu. Foi o papagaio, o Cravo. Dormitando em sua placa, no umbral da porta, toscanejou de resmungar e cochichar as contracoisas. Aquela hora, podia-se pôr nele a mão, coçar-lhe o cocoruto, ele se alongava, seempre em surdina refalando. Bobéias e parlendas. Que o el-rei foi à caça, real, real, por Portugal, e os cães correndo o veado: ...”Au, au, au: pé! ...― Matou, compadre?” O couro era dele, Cravo, para fazer carapuça p’ra o sandeu, e depois remedar o gruziado de um peru e o choro de meninos, e o racho da Leonísia batendo nos meninos, e cantar o Sererê-Sererá, parlendas dele mesmo, outras canções:

“Menina, segura
seu papagaio!
Senão ele foge
me dá trabalho...”

Ele sabia sisudo até o imoral. Era um papagaio-verdadeiro dos Gerais, e macho: com muitos amarelos na cabeça.

Manuelzão não se ria, de espírito afastado. Mas carecia de se ajudar imaginando todos os outros rindo, rindo, com barulho. Se o velho Camilo não entrava para a cozinha, tivesse ou não vontade, decerto tinha, não entrava era porque falhava ao jeito, se vexava sendo de amor. Joana Xaviel sabia mil estórias. Seduzia ― a mãe de Manuelzão achou que ela tivesse a boca abençoada. Mel, mas mel de marimbondo! Essa se fingia em todo passo, muito mentia, tramava, adulava. Nem era capaz de ter chegado simples para a festa, como os outros, mas postiços manifestava: ― “Vim soprar arroz p’ra sa dona Leonísia...” Por que havia de ser que logo as pessoas tão cordatas, tão quietas, como a mãe de Manuelzão ou como o velho Camilo, é que davam de engraçar com gente solta assim, que nem Joana Xaviel?


João Guimarães Rosa
Uma Estória de Amor
(Festa de Manuelzão)
Corpo de Baile I. José Olympio.
Rio de Janeiro, RJ. 1ª edição.

1956.