sábado, 31 de agosto de 2013

O QUE JESUS ENSINOU E OS CRISTÃOS REPUDIAM


Aconteceu que, estando à mesa, em casa de Levi, muitos publicanos e pecadores também estavam, com Jesus e os seus discípulos ― pois eram muitos os que o seguiam. Os escribas dos fariseus, vendo-o comer com os pecadores e os publicanos, diziam aos discípulos dele: “Quê? Ele come com os publicanos e pecadores? Ouvindo isso, Jesus lhes disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar justos, mas pecadores”.



Mc 2, 15-17

CAPAS


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

CANÁRIOS


PERGUNTAS E PROPOSTAS


ONDE ESTÁ AMARILDO?

PELA EXTINÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES.

PELA COLOCAÇÃO RÁPIDA DE ALGEMAS EM DIRCEU, EM DELÚBIO E EM GENOÍNO.

AINDA HÁ ALGUM TRABALHADOR NO PETÊ?

PELA DESMITIFICAÇÃO DO MAIOR ENGANADOR DA ESQUERDA E DOS TRABALHADORES BRASILEIROS (“EU NUNCA DISSE QUE ERA DE ESQUERDA, SEMPRE FUI TORNEIRO-MECÂNICO”), O MAIOR ENGANADOR DA HISTÓRIA DO BRASIL.

PELO VOTO NULO EM TODOS OS NÍVEIS DAS ELEIÇÕES DE 2014.

PELA EXPULSÃO DA VIDA PÚBLICA DOS PETRALHAS QUE FALTARAM À VOTAÇÃO DO DONADON, PARA FACILITAR A VIDA DOS MENSALEIROS.

PELO FECHAMENTO TEMPORÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, ATÉ QUE A NOBREZA QUE A CONSTITUI PASSE POR UM CURSO DE REEDUCAÇÃO POLÍTICA E ÉTICA.

POR UMA NOVA ESQUERDA, ÉTICA E DEMOCRÁTICA, REPRESENTANTE AUTÊNTICA DOS TRABALHADORES BRASILEIROS.


E, PARA QUE NÃO PAIRE NENHUMA DÚVIDA SOBRE O SENTIDO DO QUE VAI ACIMA, DITADURA ECLESIÁSTICO-EMPRESARIAL-MILITAR  NUNCA MAIS. LUGAR DE PADRE E DE BISPO É NA IGREJA, E ASSIM POR DIANTE.

CABO FRIO II


UMA CASA DE DEUS E DO DIABO


Martin BUBER
Do Diálogo e do Dialógico
Régis JOLIVET
Vocabulário de Filosofia
Rubem ALVES
Pai Nosso meditações
Baron D'HOLBACH
La Morale Universelle
R. M. CHISHOLM
Teoria do Conhecimento
Alícia CASTILLA
Santo Daime 
G. KURSÁNOV
Problemas Fund. del Mat. Dialéctico
Mircea ELIADE
História das Crenças e das Idéias Religiosas
Mircea ELIADE
História das Crenças e das Idéias Religiosas 
Mircea ELIADE
História das Crenças e das Idéias Religiosas  
Eduardo GIANNETTI
O Livro das Citações
Michel MESLIN
A Experiência Humana do Divino 
Samir EL-HAYEK
Compreenda o Islã e os Muçulmanos
Mircea ELIADE
O Sagrado e o Profano
Raymond A. MOODY 
Vida depois da Vida
François CHÂTELET 
A Filosofia Pagã
Gershom G. SCHOLEM
A Cabala e seu Simbolismo
Renato ORTIZ
A Morte Branca do Feiticeiro Negro
Erich FROMM
Conceito Marxista do Homem
Edgar Roberto KIRCHOF
As Verdades da Criação 
B. MALINOWSKI
Magia, Ciência e Religião
Rubem ALVES
O Enigma da Religião
L. WITTGENSTEIN
Tractatus Logico-Philosophicus
J. B. LIBÂNIO
Crer e Crescer 
Fernando SAVATER
Ética para meu Filho
José G. MERQUIOR
O Marxismo Ocidental
Gaston BACHELARD
O Racionalismo Aplicado
Paula MONTERO
Da Doença à Desordem  
Alberto ANTONIAZZI 
Nem Anjos nem Demônios   
Jean BAUDRILLARD
Da Sedução
Augusto COMTE
O Espírito Positivo
José A. GIANNOTTI
Filosofia Miúda 
Rubem ALVES
O Suspiro dos Oprimidos
Rubem ALVES
Creio na Ressurreição do Corpo
Jostein GAARDER
O Mundo de Sofia 
Will DURANT
Filosofia da Vida
HESÍODO
Teogonia  a origem dos deuses
Mário FERRO
A INTRODUÇÃO À H. DA FILOS. de Hegel
Carlo GINZBURG
O Fio e os Rastros  verdadeiro falso fictício
Roger GARAUDY
Marxismo do Século XX
Olivo CESCA
Igreja e Encarnação
Georges POLITZER 
Princípios Fundamentais de Filosofia
Benedetto CROCE
Breviário de Estética
G. della MIRANDOLA
Discurso sobre a Dignidade do Homem
Michel ONFRAY
Tratado de Ateologia
Luiz Eduardo SOARES
A Invenção do Sujeito Universal
Cassiano NUNES
Estética e Poética
Yukio MISHIMA
O Hagakure 
Riolando AZZI
A Igreja Católica na Form. da Soc. Brasileira
Frei BETTO
Fidel e a Religião 

CABO FRIO I


CABO FRIO / ARRAIAL DO CABO


NÃO É MOTOR DE TUDO E NOSSA ÚNICA / FONTE DE LUZ, NA LUZ DE SUA TÚNICA?


ÚLTIMA CANÇÃO DO BECO

Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa,
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas,
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa ― Lapa do Desterro ― ,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
― Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.

Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!


25 de março de 1942.


Manuel Bandeira

Lira dos Cinqüent’Anos           

CABO FRIO 2009 II


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

CABO FRIO 2009 1


TRIBUNA LIVRE


CONSOADA

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
― Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.


Manuel Bandeira

Opus 10

terça-feira, 27 de agosto de 2013

BIBLIOTECA


UM APRENDIZ DE FEITICEIRO


CAVALO LÍRICO

O cavalo feiticeiro,
noivo das noites gerais,
era nas eras de paz,
escarvando escuridão.

Ao longe potros vermelhos,
ágeis e finos comparsas,
agitam crinas selvagens
pelas bodas do corcel.

Dois holofotes na noite,
as baionetas acesas
da testa semilunada
cravadas em solidão.

Os rastros brancos no encalço,
este cavalo é Saturno,
violentador dos carvões
da noite-mar violeta.

De negrura se tecia
a fazenda de seu manto
e no porte era a magia
da tristeza deste canto.


suplemento cultural de “o diário”/ bh

15/7/60

BH MAIO 2010


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

BELO HORIZONTE, JUIZ DE FORA, PETRÓPOLIS


OTELO E SANT'IAGO


PRIMA JUSTINA

Na varanda achei prima Justina, passeando de um lado para outro. Veio ao patamar e perguntou-me onde estivera.

― Estive aqui ao pé, conversando com dona Fortunata, e distraí-me. É tarde, não é? Mamãe perguntou por mim?

― Perguntou, mas eu disse que você já tinha vindo.

A mentira espantou-me, não menos que a franqueza da notícia. Não é que prima Justina fosse de biocos; dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava de Pedro; mas, confessar que mentira é que me pareceu novidade. Era quadragenária, magra e pálida, boca fina e olhos curiosos. Vivia conosco por favor de minha mãe, e também por interesse; minha mãe queria ter uma senhora íntima ao pé de si, e antes parenta que estranha.

Passeamos alguns minutos na varanda, alumiada por um lampião. Quis saber se eu não esquecera os projetos eclesiásticos de minha mãe, e dizendo-lhe eu que não, inquiriu-me sobre o gosto que eu tinha à vida de padre. Respondi esquivo:

― Vida de padre é muito bonita.

― Sim, é bonita; mas o que pergunto é se você gostaria de ser padre, explicou rindo.

― Eu gosto do que mamãe quiser.

― Prima Glória deseja muito que você se ordene, mas ainda que não desejasse, há cá em casa quem lhe meta isso na cabeça.

― Quem é?

― Ora, quem! Quem é que há de ser? Primo Cosme não é, que não se importa com isso; eu também não.

― José Dias?, concluí.

― Naturalmente.

Enruguei a testa interrogativamente, como se não soubesse nada. Prima Justina completou a notícia dizendo que ainda naquela tarde José Dias lembrara a minha mãe a promessa antiga.

― Prima Glória pode ser que, em passando os dias, vá esquecendo a promessa; mas como há de esquecer se uma pessoa estiver sempre, nos ouvidos, zás que darás, falando do seminário? E os discursos que ele faz, os elogios da Igreja, e a vida de padre é isto e aquilo, tudo com aquelas palavras que só ele conhece, e aquela afetação... Note que é só para fazer mal, porque ele é tão religioso como este lampião. Pois é verdade, ainda hoje. Você não se dê por achado... Hoje de tarde falou como você não imagina...

― Mas falou à toa?, perguntei, a ver se ela contava a denúncia do meu namoro com a vizinha.

Não contou; fez apenas um gesto indicando que havia outra cousa que não podia dizer. Novamente me recomendou que não me desse por achado, e recapitulou todo o mal que pensava de José Dias, e não era pouco, um intrigante, um bajulador, um especulador, e, apesar da casca de polidez, um grosseirão. Eu, passados alguns instantes, disse:

― Prima Justina, a senhora era capaz de uma cousa?

― De  quê?

― Era capaz de... Suponha que eu não gostasse de ser padre... a senhora podia pedir a mamãe...

― Isso não, atalhou prontamente; prima Glória tem este negócio firme na cabeça, e não há nada no mundo que a faça mudar de resolução; só o tempo. Você ainda era pequenino, já ela contava isto a todas as pessoas da nossa amizade, ou só conhecidas. Lá avivar-lhe a memória, não, que eu não trabalho para a desgraça dos outros; mas também ,pedir outra cousa, não peço. Se ela me consultasse, bem; se ela me dissesse: “Prima Justina, você que acha?”, a minha resposta era: “Prima Glória, eu penso que, se ele gosta de ser padre, pode ir; mas, se não gosta, o melhor é ficar”. É o que eu diria e direi se ela me consultar algum dia. Agora, ir falar-lhe sem ser chamada, não faço.


Machado de Assis

Dom Casmurro

BELO HORIZONTE MG 2010


BELO HORIZONTE III


PANEM NOSTRUM


SONHADOR

Por sóis, por belos sóis alvissareiros,
Nos troféus do teu Sonho irás cantando,
As púrpuras romanas arrastando,
Engrinaldado de imortais loureiros.

Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
Das Idéias as lanças sopesando,
Verás, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros...

Imaculado, sobre o lodo imundo,
Há de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glórias o clarão profundo.

Há de subir, além de eternidades,
Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!


Cruz e Sousa

Broquéis

sábado, 24 de agosto de 2013

BELO HORIZONTE I


G. RAMOS


Voltando-me, percebi ao meu lado o capitão Mata, expansivo, amável, a dizer-me coisas que não entendi bem. Formei sobre elas um juízo confuso, alterei-o e corrigi-me depois, mas a princípio, desatento e mudo, com certeza dei ao rapaz uma impressão lastimosa. Confessou-me que estava inocente e era vítima de enredos e maroteiras dos colegas; necessitava repisar isto, como se eu fosse julgá-lo: estava inocente. Oficial de polícia rebelde a entusiasmos, poeta por vocação. Como profissional, ficara alguns meses no Rio, em estágio lembrado com júbilo, mas fora como diletante que aí se notabilizara; num jantar, entre camaradas, recitara versos da sua lavra, e isto lhe dera largo prestígio. Essas informações misturavam-se a trechos de paisagem, diluíam-se, recompunham-se. Algumas sílabas que eu entremeava no solilóquio poderiam dar-lhe aparência de conversa ― e assim abrandávamos parte da viagem.

Logo nas primeiras estações três conhecidos surgiram, patentearam-se, ofereceram-me as últimas imagens que levo daquela terra. Se o meu companheiro não falasse demais, sempre a explicar-se, a justificar-se, sem dificuldade nos tomariam como passageiros comuns: o investigador, discreto, de nenhum modo nos comprometia. Mas as explicações e as justificações nos marcaram, chamaram a atenção de Benon Maia Gomes, diretor do Serviço de Algodão depois da bagunça de 1930; nesse tempo me aparecia às vezes na Imprensa Oficial, onde eu bocejava a olhar, sob um telheiro próximo, um homem que enchia dornas e uma mulher que lavava garrafas. Durante uns minutos de parada, Benon Maia Gomes censurou-me acrimonioso a desordem. Estava convencido de que o meu trabalho era uma desgraça. Murmurou e remurmurou, carrancudo, sombrio:

― Desordem, desorganização.

Mordi os beiços, contive-me, preguei os olhos num ponto afastado, imobilizei-me até que o trem se pôs em marcha. Outro conhecido, também visto de relance numa estação, foi o deputado José da Rocha. Ao ter conhecimento da infeliz notícia, recuou, temendo manchar-se, exclamou arregalado:

― Comunista!

Espanto, imenso desprezo, a convicção de achar-se na presença de um traidor. Absurdo: eu não podia considerar-me comunista, pois não pertencia ai Partido; nem era razoável agregar-me à classe em que o bacharel José da Rocha, usineiro, prosperava. Habituara-me cedo a odiar essa classe, e não escondia o ódio. Embora isto não lhe causasse nenhum prejuízo, era natural que, em hora de paixões acirradas, ela quisesse eliminar-me. O assombro do usineiro me pasmava ― e éramos duas surpresas. Nascido na propriedade e agüentando-se lá, sempre a serrar de cima, conquistando posições, bacharel, deputado, etc., não via razão para descontentamentos.
Com um sobressalto doloroso notava que eles existiam. Então os cérebros alheios funcionavam, e funcionavam contra os seus interesses, as moendas, os vácuos, os dínamos e os canaviais. Uma palavra apenas, e nela indignação, asco, uma raiva fria manifesta em rugas ligeiras:

― Comunista!

Este resumo aniquilava-me. Ingrato. E qualquer acréscimo, gesto ou vocábulo, era redundância. O terceiro encontro foi com Miguel Baptista, com quem me correspondera quando trabalhava na Prefeitura de Palmeira-dos-Índios e ele, diretor da Instrução Pública, fazia o recenseamento da população escolar. Agora, juiz de direito no interior, viajava para a sua comarca. Entrou no carro, abraçou-me em silêncio e foi sentar-se a pequena distância, de costas para mim. Não me olhou uma vez. No ponto de desembarque, entregues os pacotes ao carregador, veio abraçar-me de novo:

― Adeus, Fulano. Até a volta.

Confundi-me, gaguejei:

― Não, Baptista, eu não volto.

― Volta, sim. Isso é um equívoco, não tem importância. Dentro de uma semana tudo se esclarece. Adeus, seja feliz.

Foi pouco mais ou menos o que ele me disse ― e isto dissipou negrumes, hoje me dá uma recordação amável daquele dia. Na ausência de Baptista, indaguei-me. Se os nossos papéis estivessem trocados, haveria eu procedido como ele, acharia a maneira conveniente de expressar um voto generoso? Talvez não. Acanhar-me-ia, atirar-lhe-ia de longe uma saudação oblíqua, fingir-me-ia desatento. Essas descobertas de caracteres estranhos me levam a comparações muito penosas: analiso-me e sofro.

No calor e na poeira, o capitão Mata parolava distraindo-se e distraindo-me. Recitou um soneto, de que não percebi logo o intuito satírico. Caprichava na sintaxe, metrificava ironias à segurança pública : e em 1936 esse desrespeito podia considerar-se uma espécie de comunismo. No princípio da tarde o investigador Tavares acompanhou-me ao restaurante, mas o cheiro da comida me nauseava. Pedi cigarros e conhaque. Fumava sem descontinuar, a provisão do tabaco sumia-se rapidamente na valise . E necessitava beber. Isto não me abria o apetite. As picadas no estômago haviam desaparecido, e um entorpecimento se alargava, dava-me a impressão de que o órgão se extinguiria e eu viveria bem sem comer. A tontura da noite se sumira também: achava-me lúcido, a memória funcionava regularmente, e se Tavares não fosse da polícia, agradar-me-ia conversar com ele, recordar as sobrinhas do padre Raul, Portal-da-Barra, casos da mocidade. O que fiz foi confiar-lhe um bilhete para minha mulher. Na atrapalhação da partida, esquecera-me de um aviso importante. De fato não havia importância, mas ali, ausentando-me do mundo, começava a dar às coisas valores novos. Sucedia um desmoronamento. Indispensável retirar dele migalhas de vida, cultivá-las e ampliá-las. De outro modo, seria o desastre completo, o mergulho definitivo. Assim, lembrei-me de uma carta recebida poucos dias antes da Argentina. Benjamin Garay andava a traduzir-me um livro, a dizer que o traduzia, e forçava-me a gastar papel e tempo numa correspondência longa. Ultimamente me exigira colaboração para não sei que revista de Buenos-Aires. Pensei num conto deixado na gaveta, sapecado, cheio de abundantes minúcias exasperadoras, e, a lápis, em pedacinhos de papel arrancados da carteira, sugeri a minha mulher que tirasse duas cópias dele e mandasse uma a Garay. Bebendo conhaque, vendo em colinas e planícies desdobrarem-se canaviais, parecia-me haver escrito a alguém que se tivesse desligado quase completamente de mim. Na verdade a separação não era completa. Os desgostos diários e a serenidade lacrimosa da manhã fundiam-se naquele torpor que principiava no estômago, se alargava, mergulhava todo o corpo em sombria indiferença. Mas havia os filhos: precisava cuidar deles. Como? Ali a rodar nos trilhos da Great Western, os versos de Bandeira ecoando no ganzá da locomotiva: “Passa boi, passa boiada”, usinas sucedendo-se no campo verde, a do dr. José da Rocha e as de outros doutores, achava-me inútil, preguiçoso e estúpido.


Graciliano Ramos
Memórias do Cárcere
1º volume. Viagens.
(obra póstuma)
José Olympio. Rio de Janeiro.

1953.

BELO HORIZONTE 2010


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

BALAIO DE GATOS


OS NOVOS INCONFIDENTES

CASSAÇÃO DE MANDATO (Cont.)

Abdalla Isaac Sahado
Abel Murta Gouvêa
Abelardo de Araújo Jurema
Abrahão Fidélis de Moura
Adahil Barreto Cavalcanti
Adalgisa Nery
Adão Conceição Dornelles Faraco
Adão Pereira Nunes
Addo Vânio de Aquino Faraco
Adelmar Costa Carvalho
Aécio Nancy
Aerton Menezes Silva
Agenor Brasilino Costa
Agnaldo Moreira
Alberto Bessa Luiz
Alberto Marcelo Gato
Alberto Nunes
Alberto Rajão Reis
Alberto Schoroctter
Alcides Flores Soares Júnior
Aldo Aury Schlicting
Alfredo Alberto Leal Nunes
Alfredo Tranjan
Almani Sampaio
Almino Monteiro Álvares Afonso
Almir Moreira Passos
Almir Turisco de Araújo
Aloysio Geminiano Caldas
Aloysio Ubaldo da Silva Nonô
Aluízio Alves
Álvaro Calilo Kzan
Álvaro de Souza Fontes
Álvaro Fernandes da Silva Netto
Álvaro Petraco da Cunha
Amando da Fonseca
Amaury de Oliveira Silva
Amaury Müller
Américo Porphírio Nassif
Américo Silva
Amílcar Benassuly Moreira
Anacleto Campanella
Anfremon D’Amazonas Monteiro
Aníbal Khury
Aníbal Miranda Ferreira da Silva
Aníbal Teixeira de Souza
Anselmo Farambulini Júnior
Antônio Adib Chamas
Antônio Apoitia Neto
Antônio Batista Vieira
Antônio Carlos Pereira Pinto
Antônio de Andrade Lima Filho
Antônio de Oliveira Godinho
Antônio Dias
Antônio Ferreira de Oliveira Brito

ANIVERSÁRIO 2012


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

ÁLBUM XI


OS INCONFIDENTES


Testemunha 3ª

Basílio de Brito Malheiro do Lago, Tenente-Coronel do Primeiro Regimento de Cavalaria de Paracatu, natural da Vila de Ponte de Lima, Comarca de Viana, Arcebispado de Braga, morador nas suas lavras do Palmital, Comarca do Serro do Frio, que vive das suas fazendas, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa, disse que, achando-se nesta Vila Rica há mais de sete meses, onde veio a dependências de sua casa, logo passado um mês que nela residia, chegou à mesma Manuel Antônio de Morais, morador nas Congonhas de Cima, na Comarca do Serro do Frio, que estava arranchado em casa do Sargento-Mor José Joaquim da Rocha, onde ele testemunha foi bastantes vezes visitá-lo; e em algumas encontrou na mesma casa o Alferes do Regimento de Cavalaria Paga Joaquim José da Silva Xavier, o qual, queixando-se algumas vezes do governo do Excelentíssimo Senhor Visconde General, dando entre outros motivos o do mesmo Senhor lhe mandar entregar uma precatória que tinha vindo do Rio das Mortes contra ele, a qual tinha detido em si sem a querer entregar ao oficial que lha apresentara, assim como de prestar licença para o dito ser citado, e outras coisas desta qualidade; e vendo que nem ele, testemunha, nem os mais que o escutavam, lhe davam razão ou aprovavam as suas imposturas, começou a dizer que o mesmo Excelentíssimo Senhor Visconde trazia instrução particular do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro, para não deixar que os homens destas Minas medrassem seus cabedais; e que, pelo considerar a quase todos abastados e poderosos, vinha de acordo a não consentir que tivessem de seu mais de dez mil cruzados, e que sucedendo não poder reduzir a algum a estes precisos termos, quando se não oferecesse outro pretexto, sempre o arruinasse argüindo-o de inconfidente, remetendo-o preso para o Reino; cujas imposturas davam bem a conhecer, como ele, testemunha, se persuadiu que a intenção do dito Alferes tinha unicamente por objeto o odiar o referido Senhor Visconde General com os povos desta Capitania para os premeditados fins que se propunha; e respondendo-lhe ele, testemunha, que falasse mais cautelosamente a respeito dos Governadores, e que sem eles se não podiam reger estas terras, lhe tornara o sobredito Alferes por formais palavras: “Ah, que se todos fossem do meu ânimo! Mas lá está a mão de Deus.”

E passando ele, testemunha, daí a poucos dias, pela porta do dito Rocha onde se hospedara aquele Morais, vindo este a sair, chamou a ele, testemunha, e depois de conversarem algumas coisas insignificantes, lhe disse então: “Você sabe que o Alferes Joaquim José anda morto por fazer um levante para o qual anda convidando a todos?”Ao que ele, testemunha, respondeu que em tais coisas se não devia falar; e logo se despediu e retirou, porque já estava com alguma desconfiança pelas desenvolturas que tinha ouvido ao dito Alferes. Daí a poucos dias, topando ele, testemunha, com o Doutor João de Araújo, morador no Rio das Mortes, com quem tem alguma amizade, também este em parte se queixou do Excelentíssimo Senhor Visconde por lhe mandar ajustar; e dizendo-lhe ele, testemunha, o mesmo que já tinha repetido àquele Alferes, que se não devia falar dos Governadores, lhe tornou aquele, por duas ou três vezes, que este havia de ser o Governador mais infeliz que tinha cá vindo; e perguntando-lhe por que, o não satisfez com razão alguma; e lhe parece a ele, testemunha, que quando isto assim sucedeu, estava também presente o Doutor José Soares de Castro; cujo sucesso confirmou mais a ele, testemunha, que a intenção do Alferes Joaquim José estava já bem conhecida, vulgarizando-se até às pessoas da última plebe que estava para haver um levante nas Minas; de tal sorte que, entrando ele testemunha em uma noite pela estalagem das Cabeças, de José Fernandes, onde reside, logo na sala em que se achavam mais pessoas, lhe disse um José Joaquim de Oliveira, que viera do Rio das Mortes assentar praça nesta Capital, onde ainda se acha: “Sabe que mais, Senhor Tenente-Coronel? Aqui disseram hoje que estava para haver um levante nas Minas.” E como ele, testemunha, conheceu a singeleza com que o dito moço lhe contava em público semelhante novidade, lhe respondeu unicamente: “Só se for de prostitutas.” E logo foi andando e recolhendo-se para o seu quarto.


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais.

Brasília / Belo Horizonte. 1976.