AINDA
UMA VEZ ― ADEUS! ―
I
Enfim
te vejo! ― enfim posso,
Curvado
a teus pés, dizer-te,
Que
não cessei de querer-te.
Pesar
de quanto sofri.
Muito
penei! Cruas ânsias,
Dos
teus olhos afastado,
Houveram-me
acabrunhado
A
não lembrar-me de ti!
II
Dum
mundo a outro impelido,
Derramei
os meus lamentos
Nas
surdas asas dos ventos,
Do
mar na crespa cerviz!
Baldão,
ludíbrio da sorte
Em
terra estranha, entre gente,
Que
alheios males não sente,
Nem
se condói do infeliz!
III
Louco,
aflito, a saciar-me
D’agravar
minha ferida,
Tomou-me
tédio da vida,
Passos
da morte senti;
Mas
quase no passo extremo,
No
último arcar da esp’rança,
Tu
me vieste à lembrança:
Quis
viver mais e vivi!
IV
Vivi;
pois Deus me guardava
Para
este lugar e hora!
Depois
de tanto, senhora,
Ver-te
e falar-te outra vez;
Rever-me
em teu rosto amigo,
Pensar
em quanto hei perdido,
E
este pranto dolorido
Deixar
correr a teus pés.
V
Mas
que tens? Não me conheces?
De
mim afastas teu rosto?
Pois
tanto pôde o desgosto
Transformar
o rosto meu?
Sei
a aflição quanto pode,
Sei
quanto ela desfigura,
E
eu não vivi na ventura...
Olha-me
bem, que sou eu!
VI
Nenhuma
voz me diriges!...
Julgas-te
acaso ofendida?
Deste-me
amor, e a vida
Que
ma darias ― bem sei;
Mas
lembrem-te aqueles feros
Corações,
que se meteram
Entre
nós; e se venceram,
Mal
sabes quanto lutei!
VII
Oh!
se lutei!... mas devera
Expor-te
em pública praça,
Como
um alvo à populaça,
Um
alvo aos dictérios seus!
Devera,
podia acaso
Tal
sacrifício aceitar-te
Para
no cabo pagar-te,
Meus
dias unindo aos teus?
VIII
Devera,
sim; mas pensava,
Que
de mim t’esquecerias,
Que,
sem mim, alegres dias
T’esperavam;
e em favor
De
minhas preces, contava
Que
o bom Deus me aceitaria
O
meu quinhão de alegria
Pelo
teu quinhão de dor!
IX
Que
me enganei, ora o vejo;
Nadam-te
os olhos em pranto,
Arfa-te
o peito, e no entanto
Nem
me podes encarar;
Erro
foi, mas não foi crime,
Não
te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei
meu futuro,
Vida
e glória por te amar!
X
Tudo,
tudo; e na miséria
Dum
martírio prolongado,
Lento,
cruel, disfarçado,
Que
eu nem a ti confiei;
“Ela
é feliz (me dizia)
“Seu
descanso é obra minha.”
Negou-me
a sorte mesquinha...
Perdoa,
que me enganei!
XI
Tantos
encantos me tinham,
Tanta
ilusão me afagava
De
noite, quando acordava,
De
dia em sonhos talvez!
Tudo
isso agora onde pára?
Onde
a ilusão dos meus sonhos?
Tantos
projetos risonhos,
Tudo
esse engano desfez!
XII
Enganei-me!...
― Horrendo caos
Nessas
palavras se encerra,
Quando
do engano, quem erra,
Não
pode voltar atrás!
Amarga
irrisão! reflete:
Quando
eu gozar-te pudera,
Mártir
quis ser, cuidei qu’era...
E
um louco fui, nada mais!
XIII
Louco,
julguei adornar-me
Com
palmas d’alta virtude!
Que
tinha eu bronco e rude
Co’o
que se chama ideal?
O
meu eras tu, não outro;
Stava
em deixar minha vida
Correr
por ti conduzida,
Pura,
na ausência do mal.
XIV
Pensar
eu que o teu destino
Ligado
ao meu, outro fora,
Pensar
que te vejo agora,
Por
culpa minha, infeliz;
Pensar
que a tua ventura
Deus
ab eterno a fizera,
No
meu caminho a pusera...
E
eu! eu fui que a não quis!
XV
És
doutro agora, e p’ra sempre!
Eu
a mísero desterro
Volto,
chorando o meu erro,
Quase
descrendo dos céus!
Dói-te
de mim, pois me encontras
Em
tanta miséria posto,
Que
a expressão deste desgosto
Será
um crime ante Deus!
XVI
Dói-te
de mim, que t’imploro
Perdão,
a teus pés curvado;
Perdão!...
de não ter ousado
Viver
contente e feliz!
Perdão
da minha miséria,
Da
dor que me rala o peito,
E
se do mal que te hei feito,
Também
do mal que me fiz!
XVII
Adeus
qu’eu parto, senhora;
Negou-me
o fado inimigo
Passar
a vida contigo,
Ter
sepultura entre os meus;
Negou-me
nesta hora extrema,
Por
extrema despedida,
Ouvir-te
a voz comovida,
Soluçar
um breve Adeus!
XVIII
Lerás
porém algum dia
Meus
versos, d’alma arrancados,
D’amargo
pranto banhados,
Com
sangue escritos; ― e então
Confio
que te comovas,
Que
a minha dor te apiade,
Que
chores, não de saudade,
Nem
de amor, ― de compaixão.
Antônio Gonçalves Dias