quarta-feira, 21 de agosto de 2013

EMANUEL E FEDERICO


Mas, sob um súbito, Manuelzão não queria, não podia entrar no estreito da Capela: ele estava afrontado na boca dos peitos, aquelas ânsias. Arquejava, da subida? Tomou fôlego. Não, nada não, de ser. As más idéias passavam. Só ― quem sabe ― não seria mesmo melhor ele renunciar de sair com aquela boiada grande, que iam pôr na estrada, logo uns três dias depois da festa ― para a Santa-Lua. Aconselhável era deixar de lado a opinião do orgulho,e voltar atrás no arrazoado com o Adelço, mandar o Adelço ir em seu lugar. Enquanto isso, ele ficava ali em Casa, em certo repouso, até a saúde de tudo se desameaçar. Podia? Ah, mas nisso, consigo mesmo não concordava. Saúde boa, de sempre; só que, nos derradeiros dias, ele tinha dormido pouco, pensar em todas as minúcias da festa deixava a gente numa nervosia. Sabor disso, de rogar ajuda e  voltar atrás num trato, ele ao Adelço não dava. Onde era que o Adelço se amoitava, naquela hora? Não devia de estar dentro da Capela, com o padre, o sacristão, Leonísia, o senhor do Vilamão, seo Vevelho e os filhos, as outras pessoas de primeira vantagem. O Adelço era o contrário da festa. Mas a festa se merecia. Por ora, hoje, ainda era a véspera. Mas, amanhã, com a missa, a festa em verdade começava. Para respirar mais a solto, e descansar o pé, Manuelzão se afastava um espaço do resto do povo. Enternecia um pouco, assistir às chamas saltantes, que agüentavam a aragem, nos paus da cerca do cemiteriozinho. Manuelzão não o procurara ver: mas, à luz, redondã, de uma daquelas velas, a cara do velho Camilo se descobria, dobrada sua palidez, diferido. Sem ser forte, mas com voz conhecível, ele também cantava.


João Guimarães Rosa
Uma Estória de Amor
(Festa de Manuelzão)
Corpo de Baile, vol. 1.  
 José Olympio. Rio de Janeiro.

1ª edição. 1956.