quinta-feira, 22 de agosto de 2013

OS INCONFIDENTES


Testemunha 3ª

Basílio de Brito Malheiro do Lago, Tenente-Coronel do Primeiro Regimento de Cavalaria de Paracatu, natural da Vila de Ponte de Lima, Comarca de Viana, Arcebispado de Braga, morador nas suas lavras do Palmital, Comarca do Serro do Frio, que vive das suas fazendas, de idade de quarenta e seis anos, testemunha a quem o dito Ministro deferiu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, em que pôs sua mão direita, subcargo do qual lhe encarregou jurasse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado, o que assim prometeu fazer como lhe estava encarregado.

E perguntado pelo conteúdo no Auto desta Devassa, disse que, achando-se nesta Vila Rica há mais de sete meses, onde veio a dependências de sua casa, logo passado um mês que nela residia, chegou à mesma Manuel Antônio de Morais, morador nas Congonhas de Cima, na Comarca do Serro do Frio, que estava arranchado em casa do Sargento-Mor José Joaquim da Rocha, onde ele testemunha foi bastantes vezes visitá-lo; e em algumas encontrou na mesma casa o Alferes do Regimento de Cavalaria Paga Joaquim José da Silva Xavier, o qual, queixando-se algumas vezes do governo do Excelentíssimo Senhor Visconde General, dando entre outros motivos o do mesmo Senhor lhe mandar entregar uma precatória que tinha vindo do Rio das Mortes contra ele, a qual tinha detido em si sem a querer entregar ao oficial que lha apresentara, assim como de prestar licença para o dito ser citado, e outras coisas desta qualidade; e vendo que nem ele, testemunha, nem os mais que o escutavam, lhe davam razão ou aprovavam as suas imposturas, começou a dizer que o mesmo Excelentíssimo Senhor Visconde trazia instrução particular do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Melo e Castro, para não deixar que os homens destas Minas medrassem seus cabedais; e que, pelo considerar a quase todos abastados e poderosos, vinha de acordo a não consentir que tivessem de seu mais de dez mil cruzados, e que sucedendo não poder reduzir a algum a estes precisos termos, quando se não oferecesse outro pretexto, sempre o arruinasse argüindo-o de inconfidente, remetendo-o preso para o Reino; cujas imposturas davam bem a conhecer, como ele, testemunha, se persuadiu que a intenção do dito Alferes tinha unicamente por objeto o odiar o referido Senhor Visconde General com os povos desta Capitania para os premeditados fins que se propunha; e respondendo-lhe ele, testemunha, que falasse mais cautelosamente a respeito dos Governadores, e que sem eles se não podiam reger estas terras, lhe tornara o sobredito Alferes por formais palavras: “Ah, que se todos fossem do meu ânimo! Mas lá está a mão de Deus.”

E passando ele, testemunha, daí a poucos dias, pela porta do dito Rocha onde se hospedara aquele Morais, vindo este a sair, chamou a ele, testemunha, e depois de conversarem algumas coisas insignificantes, lhe disse então: “Você sabe que o Alferes Joaquim José anda morto por fazer um levante para o qual anda convidando a todos?”Ao que ele, testemunha, respondeu que em tais coisas se não devia falar; e logo se despediu e retirou, porque já estava com alguma desconfiança pelas desenvolturas que tinha ouvido ao dito Alferes. Daí a poucos dias, topando ele, testemunha, com o Doutor João de Araújo, morador no Rio das Mortes, com quem tem alguma amizade, também este em parte se queixou do Excelentíssimo Senhor Visconde por lhe mandar ajustar; e dizendo-lhe ele, testemunha, o mesmo que já tinha repetido àquele Alferes, que se não devia falar dos Governadores, lhe tornou aquele, por duas ou três vezes, que este havia de ser o Governador mais infeliz que tinha cá vindo; e perguntando-lhe por que, o não satisfez com razão alguma; e lhe parece a ele, testemunha, que quando isto assim sucedeu, estava também presente o Doutor José Soares de Castro; cujo sucesso confirmou mais a ele, testemunha, que a intenção do Alferes Joaquim José estava já bem conhecida, vulgarizando-se até às pessoas da última plebe que estava para haver um levante nas Minas; de tal sorte que, entrando ele testemunha em uma noite pela estalagem das Cabeças, de José Fernandes, onde reside, logo na sala em que se achavam mais pessoas, lhe disse um José Joaquim de Oliveira, que viera do Rio das Mortes assentar praça nesta Capital, onde ainda se acha: “Sabe que mais, Senhor Tenente-Coronel? Aqui disseram hoje que estava para haver um levante nas Minas.” E como ele, testemunha, conheceu a singeleza com que o dito moço lhe contava em público semelhante novidade, lhe respondeu unicamente: “Só se for de prostitutas.” E logo foi andando e recolhendo-se para o seu quarto.


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais.

Brasília / Belo Horizonte. 1976.