Após
o jantar, ai de mim, via-me obrigado a deixar mamãe, que ficava a conversar com
os outros no jardim, se fazia bom tempo, ou na saleta, para onde todos se
retiravam quando o tempo era mau. Todos, menos minha avó, que achava “uma
lástima ficar-se encerrado, no campo” e que tinha incessantes discussões com meu
pai, nos dias de chuva muito forte, porque ele me mandava ler no quarto em vez
de ficar fora. “Não é assim que o tornarão robusto e enérgico”, dizia ela,
“ainda mais esse menino que tanto precisa adquirir forças e vontade.” Meu pai
dava de ombros e examinava o barômetro, pois gostava de meteorologia, enquanto
minha mãe, evitando fazer ruído para não perturbá-lo, olhava –o com enternecido
respeito, mas não muito fixamente, como para não parecer que tentava devassar o
mistério de sua superioridade. Mas minha avó, essa, por qualquer tempo, mesmo
quando chovia forte e Françoise recolhia as preciosas cadeiras de vime para que
não se molhassem, viam-na no jardim deserto e fustigado pelo aguaceiro erguendo
as mechas desordenadas e grisalhas para que sua fronte melhor se impregnasse da
salubridade do vento e da chuva. “Enfim, respira-se!”, dizia ela, e percorria
os caminhos encharcados do jardim ― alinhados muito simetricamente para seu
gosto pelo novo jardineiro desprovido de sentimento da natureza e a quem meu
pai perguntara desde manhã cedo se o tempo se comporia ―, com aquele seu passo
entusiástico e brusco, regulado pelos diversos impulsos que lhe suscitavam na
alma a embriaguez da tempestade, o poder da higiene, a estupidez de minha
educação e a simetria dos jardins, antes que pelo desejo, que lhe era
desconhecido, de evitar os salpicos de lama na saia cor de ameixa e que a
cobriam até uma altura que era sempre um desespero e um problema para sua
criada.
Marcel
Proust
Em
Busca do Tempo Perdido
volume
I -
No Caminho de Swann
tradução
de Mário Quintana
Globo.
São Paulo, SP. 2009.