OS
VERMES
“Ele
fere e cura!” Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também
curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma
dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos,
livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do
oráculo pagão e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos livros,
para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.
―
Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem
escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos.
Não
lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como se houvessem passado palavra,
repetiam a mesma cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos
roídos fosse ainda um modo de roer o roído.
Machado
de Assis
Dom
Casmurro