A demanda dos judas está clara na consciência de
Riobaldo: “Eu ia numa caçada, com o grande gosto, até. Pois não era? Mas tempo
se gastou, esbarrados em casas de fazenda ou em povoados. Melhor ─ por lá,
também, havia de aprender a referir meu
nome. De em desde, bem que já cumpriam de me recompensar e me favorecer, pela
vantagem: porque eu ia livrar o mundo do Hermógenes”..
O combate a cavalo, no Tamanduá-tão, é uma verdadeira
batalha campal, com o Fafafa “indo em frente, mais os dele, gritando alardes”. Ali,
ele próprio se benze. Era o enviado de Deus, não era pactário.
Terminada
a luta, volta às Veredas Mortas, ponto inicial da demanda, da vigília em que se
sagrara chefe. Também as Veredas Mortas se haviam acabado, pois esse nome só
existira no seu pensamento. No real era Veredas-Altas, pois Riobaldo não se
transformara em pedra como Adamastor, embora ali quisesse “se abraçar com uma
serrania”.
O resto é prolongamento para poder conservá-lo em vida
a fim de contar a história ao autor do romance. Servidão da técnica.
Vez por outra, conscientemente ou não, o romancista
deixa entrever em certas expressões as raízes
antigas de sua efabulação: Joca Ramiro é “um imperador em três alturas,
um chefe valente é par-de-França, Riobaldo lê o Senclér das Ilhas e se compara a Guy de Bourgogne.
De Diadorim digamos logo que é também figura de romance-velho, a filha de D. Martinho —
“tens olhos de mulher: / eu olharei para o chão; / tens peito de mulher: /
mando fazer um peitilho / que me aperte o coração”. Por isso “o capitão dos
soldados / um grande amor lhe tomou”. (O “romance-velho” em uma de suas
variantes é do conhecimento do autor que lhee transcreve uma quadra em “Uma
Estória de Amor”, no primeiro volume de Corpo
de Baile:
“Os olhos de Dom Varão
é de mulher, de homem não.”
Também Diadorim cortou os cabelos com tesoura de prata
“cabelos que, no só ser, haviam de dar para baixo da cintura...” É claro que,
no fim, a moça casa com o capitão, enredo que o autor não poderia adotar,
obrigado pelo convencionalismo que proscreve, hoje, o happy-end de romance para mocinhas.
Aliás, a paixão do jagunço Riobaldo pelo moço
Diadorim, não se parece, no seu primitivismo, com o refinamento de romancistas
europeus lavrando no lusco-fusco do homossexualismo. Antes nos recorda processo
muito ao gosto do povo ─ o de dar aparência de imoralidade a fatos comuns ─
explorado, principalmente, nas adivinhas como a da agulha, do macarrão, dos
olhos, ou de João e Maria.
M. Cavalcanti Proença
Trilhas no Grande Sertão.
Os Cadernos de Cultura 114.
Ministério da Educação e Cultura.
Serviço de Documentação. Rio de Janeiro.
1958.