O
PORTO DE MINHA INFÂNCIA
Minha
cidade, Cachoeiro de Itapemirim, tem uma origem fluvial. Os colonizadores que
subiam o rio em canoas, lutando com os índios, encontraram ali, a umas sete
léguas do mar, um outro embaraço ao seu avanço: um “encachoeirado” ou
“cachoeiro” que impedia a navegação. Para continuar, era preciso carregar as
embarcações por terra até em cima. E mesmo isso não valia muito a pena, porque,
dali para a frente, volta e meia iriam encontrar outras pedras e corredeiras
para atrapalhar.
Há
outra cidade no Espírito Santo que também se chamou Cachoeiro, pelo mesmo
motivo: ali terminava a navegação do rio Santa Maria. Assim nasceu Porto do Cachoeiro,
depois Porto do Cachoeiro de Santa Leopoldina em homenagem a uma das princesas;
hoje é apenas Santa Leopoldina.
Mas
voltemos a Itapemirim; junto à barra do rio, do lado direito, ainda se ergue o
belo sobradão do porto. Não promete durar muito: se não for logo restaurado e
receber um destino diferente ― escola, centro de artesanato, turismo, clube,
colônia de férias, albergue, qualquer coisa ― não demora a desabar. Foi nesse
porto que pensei quando uma pediram uma crônica sobre um porto qualquer. Mas
não como porto marítimo entre o Rio e Vitória; o que me interessa, como me
interessava na infância, era a navegação entre a Barra e Cachoeiro de
Itapemirim.
Houve
um capitão Deslandes, que hoje é nome de rua importante de Cachoeiro. Nascido
em Paranaguá, lutou na guerra do Paraguai e depois se mudou para o Espírito
Santo; para Vitória, a princípio, depois para Itapemirim; ali exerceu suas
profissões, que eram duas: fotógrafo e dentista. Esse homem habilidoso requereu
e conseguiu, em 1872, concessão para explorar a navegação a vapor do rio
Itapemirim. A 3 de abril de 1876 inaugurou-se a linha. O barco levava umas oito
horas para descer o rio, e dez a doze para subir. Chegou a haver seis vapores
nesse serviço, além de uma barca de passageiros. As informações que tenho, de
cronistas locais, nem sempre combinam muito bem, a não ser numa coisa: navegar
no Itapemirim sempre foi trabalho complicado e inseguro, principalmente na
época da seca, quando havia encalhes aborrecidos.
Rubem
Braga
As
Boas Coisas da Vida