segunda-feira, 15 de abril de 2013

ONDE CANTA O SABIÁ



O PORTO DE MINHA INFÂNCIA

Minha cidade, Cachoeiro de Itapemirim, tem uma origem fluvial. Os colonizadores que subiam o rio em canoas, lutando com os índios, encontraram ali, a umas sete léguas do mar, um outro embaraço ao seu avanço: um “encachoeirado” ou “cachoeiro” que impedia a navegação. Para continuar, era preciso carregar as embarcações por terra até em cima. E mesmo isso não valia muito a pena, porque, dali para a frente, volta e meia iriam encontrar outras pedras e corredeiras para atrapalhar.

Há outra cidade no Espírito Santo que também se chamou Cachoeiro, pelo mesmo motivo: ali terminava a navegação do rio Santa Maria. Assim nasceu Porto do Cachoeiro, depois Porto do Cachoeiro de Santa Leopoldina em homenagem a uma das princesas; hoje é apenas Santa Leopoldina.

Mas voltemos a Itapemirim; junto à barra do rio, do lado direito, ainda se ergue o belo sobradão do porto. Não promete durar muito: se não for logo restaurado e receber um destino diferente ― escola, centro de artesanato, turismo, clube, colônia de férias, albergue, qualquer coisa ― não demora a desabar. Foi nesse porto que pensei quando uma pediram uma crônica sobre um porto qualquer. Mas não como porto marítimo entre o Rio e Vitória; o que me interessa, como me interessava na infância, era a navegação entre a Barra e Cachoeiro de Itapemirim.

Houve um capitão Deslandes, que hoje é nome de rua importante de Cachoeiro. Nascido em Paranaguá, lutou na guerra do Paraguai e depois se mudou para o Espírito Santo; para Vitória, a princípio, depois para Itapemirim; ali exerceu suas profissões, que eram duas: fotógrafo e dentista. Esse homem habilidoso requereu e conseguiu, em 1872, concessão para explorar a navegação a vapor do rio Itapemirim. A 3 de abril de 1876 inaugurou-se a linha. O barco levava umas oito horas para descer o rio, e dez a doze para subir. Chegou a haver seis vapores nesse serviço, além de uma barca de passageiros. As informações que tenho, de cronistas locais, nem sempre combinam muito bem, a não ser numa coisa: navegar no Itapemirim sempre foi trabalho complicado e inseguro, principalmente na época da seca, quando havia encalhes aborrecidos.


Rubem Braga
As Boas Coisas da Vida