segunda-feira, 29 de abril de 2013

DE DIANTE PRA TRÁS



Deixado João Curiol no meu lugar, e esse tinha muita valia. Rastejei, tomei saída, conforme tinha de ir: pelos quintais das casas. Ainda virei, relanceando. Sempre queria ver Diadorim. O querer-bem da gente se despedindo feito um riso e soluço, nesse meio de vida.

Avancei, furando os terreiros e as hortas das casas, eu debaixo de armas, nos arreios. Toda a parte ali tinha gente nossa, que com brados me saudavam: conforme vale, quando um chefe mostra mor valentia. Gente como o Jõe Bexiguento, sobrechamado o “Alpercatas”. E estava lá o João Nonato ― que dava boa-sorte, com o bom ar. Avancei, rompi uma cerquinha de taquara, contornei um pano de muro, onde o Paspe tinha furado os adobes, cavando torneiras. E dei fé: que o Jiribibe vinha me acompanhando. O menino bom. Os olhinhos dele a gente só via era porque eram inventados de pretos. ― “Será, da banda de lá, estão bem governando, os clavinoteiros?” ― ele me disse. Aí, por que me dizia? Soubesse não que o brinquedo agora era mortal? Sobre o que, se riu, me apresentando: o que era, no fofo da terra, debaixo duma roseira, um gatinho preto-e-branco, dormindo seu completo sossego, fosse surdo, refestelado: ele estava até de mãos postas... Mas, perto de mim, veio grão d’aço ― que varou cheiamente um pé de mamoeiro. ― “Vigia, te abaixa!” ― eu ralhei com o Jiribibe. A gente ouvia a narração, ou cita seja, destemperada, dos inimigos, e um desentoar de cantiga, que toda pessoa era filho-da, segundo a qual. Aos canalhas! Mas mais xingava o Jiribibe, ripostando. Daí, depressa, ganhamos trincheiras, atrás dum forno de assar biscoitos: e berraram punhadão de disparos, para nosso lado, chega semelhava rajada de chuva-e-pedra. Lugar danoso! Aguardamos, deitados ― “Te foge, Jibibe, que figuro eles têm gente atirando de cima de árvores...” ― eu total aconselhei. Assim rastejávamos. E pouco faltava para o quintal do sobrado: só uma cerca miúda, com um xuxuzeiro dependurado com xuxus grandes; eram uns xuxus enormes. ― “Vam” bora, Chefe!” ― que o Jiribibe  gritou. E caiu morto, para pra cá ― acertado na testa. Não gritei, e rastejei. Ao quando dar o derradeiro lance, na porta da cozinha do sobrado, derrubei uma bacia grande, que lá em-pé encostada estava. Aí entrei. Aquela bacia atrás de mim levou uma carga de tirázios, com a qual retiniu toda, lata velha... No eu entrar, os que ali vi me saudaram: ― “Epa, Chefe!” Respondi: ― “Eh, epa!” E, naquele instante, pensei: aquela guerra já estava ficando adoidada. E medo não tive. Subi a escada.


João Guimarães Rosa
Grande Sertão: Veredas
José Olympio. Rio de Janeiro.
1ª edição. 1956.