domingo, 14 de abril de 2013

IMPERADOR DA LÍNGUA PORTUGUESA



Agora torna a minha pergunta. E que faria n’este caso, ou que devia fazer o semeador evangélico vendo tão mal logrados seus primeiros trabalhos? Deixaria a lavoura? Desistiria da sementeira? Ficar-se-ia ocioso no campo, só porque  tinha lá ido? Parece que não. Mas se tornasse muito depressa a casa a buscar alguns instrumentos com que alimpar a terra das pedras e dos espinhos, seria isto desistir? Seria isto tornar atrás Não por certo. No mesmo texto de Ezequiel, com que argüístes, temos a prova. Já vimos como dizia o texto que aqueles animais da carroça de Deus, quando iam não tornavam: Nec revertebantur , cum ambularent. Lede agora dois versos mais abaixo, e vereis que diz, o mesmo texto, que aqueles animais tornavam, à semelhança de um raio ou corisco: Ibant, et revertebantur in similitudinem fulguris coruscantis. Pois se os animais iam e tornavam, à semelhança de um raio, como diz o texto, que quando iam não tornavam? Porque quem vai, e volta  como um raio, não torna. Ir, e voltar como raio, não é tornar, é ir por diante. Assim fez o semeador do nosso Evangelho. Não o desanimou, nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira perda: continuou por diante no semear, e foi com tanta felicidade, que n’esta e última parte do trigo se restauraram com vantagem as perdas do demais: nasceu, cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se, achou-se que por um grão multiplicara cento: Et fecit fructum centuplum.


Padre Antônio Vieira
Sermão da Sexagésima