sexta-feira, 12 de abril de 2013

MINHA TERRA TEM PALMEIRAS



A importância do clima vai sendo reduzida à proporção que dele se desassociam elementos de algum modo sensíveis ao domínio ou à influência modificadora do homem. Parece demonstrado, por experiências recentes que nos é possível modificar pela drenagem a natureza de certos solos, influenciando assim as fontes de umidade para a atmosfera; alterar a temperatura pela irrigação de terras secas; quebrar a força dos ventos ou mudar-lhes a direção por meio de grandes massas de arvoredos convenientemente plantadas. Isso sem falar nas sucessivas vitórias que vêm sendo obtidas sobre as doenças tropicais, amansadas quando não subjugadas pela higiene ou pela engenharia sanitária.

De modo que o homem já não é o antigo mané-gostoso de carne abrindo os braços ou deixando-os cair, ao aperto do calor ou do frio. Sua capacidade de trabalho, sua eficiência econômica, seu metabolismo alteram-se menos onde a higiene e a engenharia sanitária, a dieta, a adaptação do vestuário e da habitação às novas circunstâncias criam-lhe condições de vida de acordo com o físico e a temperatura da região. Os próprios sistemas de comunicação moderna ― fáceis, rápidos e higiênicos ― fazem mudar de ãosolo e de clima: o da qualidade e até certo ponto o da quantidade de recursos de alimentação ao dispor de cada povo. Ward salienta a importância do desenvolvimento da navegação a vapor, mais rápida e regular que a navegação à vela: veio beneficiar grandemente as populações tropicais. O mesmo pode dizer-se com relação aos processos de preservação e refrigeração dos alimentos. Por meio desses processos e da moderna técnica de transporte, o homem vem triunfando sobre a dependência absoluta das fontes de nutrição regionais a que estavam outrora sujeitas as populações coloniais dos trópicos.

Neste ensaio, entretanto, o clima a considerar é o cru e quase que todo-poderoso aqui encontrado pelo português em 1500: clima irregular, palustre, perturbador do sistema digestivo; clima na sua relação com o solo desfavorável ao homem agrícola e particularmente ao europeu, por não permitir nem a prática de sua lavoura tradicional regulada pelas quatro estações do ano nem a cultura vantajosa daquelas plantas alimentares a que ele estava desde há muitos séculos habituado.

O português no Brasil teve de mudar quase radicalmente o seu sistema de alimentação, cuja base se deslocou, com sensível déficit, do trigo para a mandioca; e o seu sistema de lavoura, que as condições físicas e químicas de solo, tanto quanto as de temperatura ou de clima, não permitiram fosse o mesmo doce trabalho das terras portuguesas. A esse respeito o colonizador inglês dos Estados Unidos levou sobre o português do Brasil decidida vantagem, ali encontrando condições de vida física  e fontes de nutrição semelhantes às da mãe-pátria. No Brasil verificaram-se necessariamente no povoador europeu desequilíbrios de morfologia tanto quanto de eficiência pela falta em que se encontrou de súbito dos mesmos recursos químicos de alimentação do seu país de origem. A falta desses recursos como a diferença nas condições meteorológicas e geológicas em que teve de processar-se o trabalho agrícola realizado pelo negro mas dirigido pelo europeu dá à obra de colonização dos portugueses um caráter de obra criadora, original, a que não pode aspirar nem a dos ingleses na América do Norte nem a dos espanhóis na Argentina.

Embora mais aproximado o português que qualquer colonizador europeu da América do clima e das condições tropicais, foi, ainda assim, uma rude mudança a que ele sofreu transportando-se ao Brasil. Dentro das novas circunstâncias de vida física, comprometeu-se a sua vida econômica e social.


Gilberto Freyre
Casa-Grande & Senzala