A
importância do clima vai sendo reduzida à proporção que dele se desassociam
elementos de algum modo sensíveis ao domínio ou à influência modificadora do
homem. Parece demonstrado, por experiências recentes que nos é possível
modificar pela drenagem a natureza de certos solos, influenciando assim as
fontes de umidade para a atmosfera; alterar a temperatura pela irrigação de
terras secas; quebrar a força dos ventos ou mudar-lhes a direção por meio de
grandes massas de arvoredos convenientemente plantadas. Isso sem falar nas
sucessivas vitórias que vêm sendo obtidas sobre as doenças tropicais, amansadas
quando não subjugadas pela higiene ou pela engenharia sanitária.
De
modo que o homem já não é o antigo mané-gostoso de carne abrindo os braços ou
deixando-os cair, ao aperto do calor ou do frio. Sua capacidade de trabalho,
sua eficiência econômica, seu metabolismo alteram-se menos onde a higiene e a
engenharia sanitária, a dieta, a adaptação do vestuário e da habitação às novas
circunstâncias criam-lhe condições de vida de acordo com o físico e a
temperatura da região. Os próprios sistemas de comunicação moderna ― fáceis,
rápidos e higiênicos ― fazem mudar de ãosolo e de clima: o da qualidade e até
certo ponto o da quantidade de recursos de alimentação ao dispor de cada povo.
Ward salienta a importância do desenvolvimento da navegação a vapor, mais
rápida e regular que a navegação à vela: veio beneficiar grandemente as
populações tropicais. O mesmo pode dizer-se com relação aos processos de
preservação e refrigeração dos alimentos. Por meio desses processos e da
moderna técnica de transporte, o homem vem triunfando sobre a dependência
absoluta das fontes de nutrição regionais a que estavam outrora sujeitas as
populações coloniais dos trópicos.
Neste
ensaio, entretanto, o clima a considerar é o cru e quase que todo-poderoso aqui
encontrado pelo português em 1500: clima irregular, palustre, perturbador do
sistema digestivo; clima na sua relação com o solo desfavorável ao homem
agrícola e particularmente ao europeu, por não permitir nem a prática de sua
lavoura tradicional regulada pelas quatro estações do ano nem a cultura
vantajosa daquelas plantas alimentares a que ele estava desde há muitos séculos
habituado.
O
português no Brasil teve de mudar quase radicalmente o seu sistema de
alimentação, cuja base se deslocou, com sensível déficit, do trigo para a
mandioca; e o seu sistema de lavoura, que as condições físicas e químicas de
solo, tanto quanto as de temperatura ou de clima, não permitiram fosse o mesmo
doce trabalho das terras portuguesas. A esse respeito o colonizador inglês dos
Estados Unidos levou sobre o português do Brasil decidida vantagem, ali
encontrando condições de vida física e
fontes de nutrição semelhantes às da mãe-pátria. No Brasil verificaram-se
necessariamente no povoador europeu desequilíbrios de morfologia tanto quanto
de eficiência pela falta em que se encontrou de súbito dos mesmos recursos
químicos de alimentação do seu país de origem. A falta desses recursos como a
diferença nas condições meteorológicas e geológicas em que teve de processar-se
o trabalho agrícola realizado pelo negro mas dirigido pelo europeu dá à obra de
colonização dos portugueses um caráter de obra criadora, original, a que não
pode aspirar nem a dos ingleses na América do Norte nem a dos espanhóis na
Argentina.
Embora
mais aproximado o português que qualquer colonizador europeu da América do
clima e das condições tropicais, foi, ainda assim, uma rude mudança a que ele
sofreu transportando-se ao Brasil. Dentro das novas circunstâncias de vida
física, comprometeu-se a sua vida econômica e social.
Gilberto
Freyre
Casa-Grande
& Senzala