quarta-feira, 24 de abril de 2013

GR



Espalham-se por todo o livro as deixas para que se descubra o sexo de Diadorim; colhemos apenas as mais características, pois coleta mais copiosa destoaria da importância do pormenor em relação ao romance.

Os traços físicos delineiam-se em pinceladas dispersas pelo livro, num puzzle cujas peças se vão ordenando na memória do leitor e atenuam, até certo ponto, o choque da revelação final. São as mãos que seguram as rédeas “tão brancamente”, os braços bem feitos que mostrava ao lavar a roupa, a cintura fina, o passo curto, as “pestanas compridas, oss moços olhos”, “a boca melhor bem feita, o nariz fino, afiladinho”. Numa vereda, ele se vira para Riobaldo “com um ar quase de meninozinho em suas miúdas feições”; e quando ambos conhecem Otacília, Riobaldo se admira de que ela não se tenha encantado por Diadorim “sendo tão galante moço, as feições caprichadas”.

Diadorim guarda tesoura de prata e navalha em “capanga com lavores (...) toda historienta”. Corta os cabelos de Riobaldo e empresta-lhe a navalha para que se barbeie; ele próprio, apenas apara os cabelos diante do espelhinho dependurado num galho de árvore.

E há o segredo que ele fazia do próprio corpo que “era um escondido”. Segredo entremostrado em vários trechos do livro: o banho de madrugada ― sozinho no escuro das matas ― que Riobaldo atribui a superstição de caborjudo; a fuga de Reinaldo, ferido; os desaparecimentos inexplicáveis que tanto intrigavam o companheiro; o jaleco que ele não tirava nunca, escondendo as formas, como a filha de D. Martinho.

O pudor feminil já está naquela ordem do Menino, na beira do rio: ―”Longe de mim isso faz! ―. Moços, manda Riobaldo tomar banho e o deixa sozinho na beira do rio. E quando desmaia, ao saber da morte de Joca Ramiro e os companheiros tentam desapertar-lhe o colete, a vigilância do subconsciente o faz tornar em si, “em mais vermelho o rosto, numa fúria de pancada”.


M. Cavalcanti Proença
Trilhas no Grande Sertão
Os Cadernos de Cultura ― 114.
Ministério da Educação e Cultura. 
Departamento de Imprensa Nacional.
Rio de Janeiro. 1958.