No
começo de 1936, funcionário na instrução pública de Alagoas, tive a notícia de
que misteriosos telefonemas, com veladas ameaças, me procuravam o endereço. Desprezei
as ameaças: ordinariamente o indivíduo que tenciona ofender outro, não o avisa.
Mas os telefonemas continuaram. Mandei responder que me achava na repartição
diariamente, das nove horas ao meio-dia, das duas às cinco da tarde. Não era o
que pretendiam. Nada de requerimentos: queriam visitar-me em casa. Pedi que não
me transmitissem mais essas tolices, com certeza picuinhas de algum inimigo
débil, e esqueci-as; nem um minuto supus que tivessem cunho oficial. Algum
tempo depois um amigo me procurou com a delicada tarefa de anunciar-me,
gastando elogios e panos mornos, que a minha permanência na administração se
tornara impossível. Não me surpreendi. Pelo meu cargo haviam passado em dois
anos oito sujeitos. Eu conseguira agüentar-me ali mais de três anos, e isto era
espantoso. Ocasionara descontentamentos, decerto cometera numerosos erros, não
tivera a habilidade necessária de prestar serviços a figurões, havia suprimido
nas escolas o hino de Alagoas, uma estupidez com solecismos, e isto se
considerava impatriótico. O aviso que me traziam era, pois, razoável, e até
devia confessar-me grato por me haverem conservado tanto tempo.
Graciliano
Ramos
Memórias
do Cárcere
1º
volume – Viagens.
José
Olympio. Rio de Janeiro, RJ.
1ª
edição. 1953.