Por
que os trouxera? Talvez na ocasião tivesse imaginado que a Samarra ia ser seu
esteio de pouso, termo de destino. E ele mesmo, nas entradas, se louvou de ter
conseguido reunir para si aquela família de tardezinha. Estivesse, naquela
hora, denunciando cabeceira de velhice? Não pensava. Nem agora chegava a mudar
de parecer. do que tinha feito não se arrependia. Essas coisas ocorrem nuns
escuros, é custoso se saber se a gente deve se aprovar ou confessar um
arrependimento: nos caroços daquele angu, tudo tão misturado, o ruim e o bom.
Mas ele não punha em pé o pesar. Estavam de bem, só que , em qualquer novidade,
nesta vida, se carece de esperar o costume, para o homem e para o boi.
Manuelzão era o das forças, não se queixava. Os meninos, bem-criadinhos,
bonitos, uma cisma achar que dele não gostavam, pois que sempre estava no
estatuto de ser o avô. A mal que não sabia os gestos, nem tinha habituação para
a pequenez deles, o rebuliço; mas adiava vagos intentos: aqueles netinhos ainda
iam crescer, dar-lhe distintas alegrias. Já o Adelço, esse, se encobria de não
se conhecer sua propensão, criatura de guardadas palavras e olhares baixos. Mas
não enganava a Manuelzão: era mesquinho e fornecido maldoso, um homem esperando
para ser ruim. Só punha toda estima em sua mulher e nos filhinhos, das outras
pessoas tinha uma raiva surdada. Sempre aquela miúda dureza, sem teta de
piedade nenhuma. Por ora, obedecia a Manuelzão — de que outro jeito ia poder
proceder? as obedecia soturno. Um dia
ele chegasse a mandar, e ai do mundo. Tinha a maldade dum cão mau? Manuelzão se
aborrecia, por fora do assunto. Não queria detestar o filho. Seria, porém,
aquele, um saído de seu sangue? Se assustava quase, de ter gerado e estar
apurando um sujeito assim, desamigo de todos. Sua culpa. Se então, mais
valesse o rejeitar outra vez e enxotar
para os passados — feito a gente está pescando e dá na peneira uma serepente:
um cospe um nojo e desiste logo aquilo no movimento das águas, ligeiro, no rio,
de donde veio! A vida cobra tudo. Mas a mulher do Adelço, Leonísia, era boa,
uma sinhá de exata, só senhora. Aquela tinha sial de um sabido anjo-da-guarda —
pelo convívio que ela encorajava, gerência de companhia. Ela e seu irmão dela,
de uns dezoito anos, vindo também, o Promitivo. Só que esse Promitivo era
declarado em vagabundo. A ser, os desiguais: que o Adelço era mouro
trabalhador, de aferro; era, isso. E, Leonísia, Manuelzão mesmo respeitava. Ela
ficara sendo a dona-da-casa. Da Casa — de verdade, que ali formava seu conchego
firme sertanejo.
João
Guimarães Rosa
Uma
Estória de Amor
(Festa
de Manuelzão)
em
Corpo de Baile. 1º
volume. José Olympio.
Rio
de Janeiro, RJ. 1ª
edição. 1956.