sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

EMANUEL E FEDERICO



Mas desde o começo Manuelzão conheceu que, para fundar lugar, lhe faltava o necessário de alguma espécie. Sentiu-o, vagarosamente. Só, solteirão, que ele era. Antes, nunca tinha pensado nisso com motivos. Pensou. Seus homens, mais ou menos velhos conhecidos, com eles vindos do Maquiné, para apego de companhia não bastavam? Ele calculou que não. /e resolveu um recurso. A mãe, idosa, e que nunca aceitara de sair do lugarejo do Mim, na Mata do Andrés, no Pium-í, no Alto Oeste, não era pessoa para vir agüentar as ruindades dum princípio tão sertanejo assim. Mas Manuelzão se lembrou de um filho, que também tinha.

Esse, filho natural, nascido de um curto acaso, no Porto Andorinhas, e ali deixado, Manuelzão não o vira, ao todo, mais de umas três vezes. E ele estava agora com perto de trinta anos, se chamava Adelço de Tal, e era um rapagão cabeludo, escurado, às vezes feio até, quando meio zarolho remirava; com Manuelzão nada se parecia. A mão morrera pontual, Manuelzão não se lembrava do nome dela. Mas esse Adelço se casara, tinha sete meninos pequenos, a mais velha com sete anos e trabalhava para toda lavoura e gado, numa fazenda pompeana, beiras do Córrego Boi Morto, depois noutra, entre o Córrego Queima-Fogo e o Córrego da Novilha Brava, depois noutra no Córrego Primavera ou dos Porcos, lugar chamado o Barra-à-Barra; depois noutra, final, no Buriti-do-Açude. Pois Manuelzão foi buscá-lo. E ele veio, com todos. Os tempos estavam ruins em toda a parte, e não era fácil alguém resistir a um convite assim de Manuelzão, tão forte a ação dele prometia à gente lucro de progresso, seu ânimo arrastava empós seguintes e comparsas — era um condão, ele mesmo sabia disso.


João Guimarães Rosa
Uma Estória de Amo
(Festa de Manuelzão)
Corpo de Baile. 1º volume.
José Olympio. Rio de Janeiro.
1ª edição. 1956.