Mas
desde o começo Manuelzão conheceu que, para fundar lugar, lhe faltava o
necessário de alguma espécie. Sentiu-o, vagarosamente. Só, solteirão, que ele
era. Antes, nunca tinha pensado nisso com motivos. Pensou. Seus homens, mais ou
menos velhos conhecidos, com eles vindos do Maquiné, para apego de companhia
não bastavam? Ele calculou que não. /e resolveu um recurso. A mãe, idosa, e que
nunca aceitara de sair do lugarejo do Mim, na Mata do Andrés, no Pium-í, no
Alto Oeste, não era pessoa para vir agüentar as ruindades dum princípio tão sertanejo
assim. Mas Manuelzão se lembrou de um filho, que também tinha.
Esse,
filho natural, nascido de um curto acaso, no Porto Andorinhas, e ali deixado,
Manuelzão não o vira, ao todo, mais de umas três vezes. E ele estava agora com
perto de trinta anos, se chamava Adelço de Tal, e era um rapagão cabeludo,
escurado, às vezes feio até, quando meio zarolho remirava; com Manuelzão nada
se parecia. A mão morrera pontual, Manuelzão não se lembrava do nome dela. Mas
esse Adelço se casara, tinha sete meninos pequenos, a mais velha com sete anos
e trabalhava para toda lavoura e gado, numa fazenda pompeana, beiras do Córrego
Boi Morto, depois noutra, entre o Córrego Queima-Fogo e o Córrego da Novilha
Brava, depois noutra no Córrego Primavera ou dos Porcos, lugar chamado o
Barra-à-Barra; depois noutra, final, no Buriti-do-Açude. Pois Manuelzão foi
buscá-lo. E ele veio, com todos. Os tempos estavam ruins em toda a parte, e não
era fácil alguém resistir a um convite assim de Manuelzão, tão forte a ação
dele prometia à gente lucro de progresso, seu ânimo arrastava empós seguintes e
comparsas — era um condão, ele mesmo sabia disso.
João
Guimarães Rosa
Uma
Estória de Amo
(Festa
de Manuelzão)
Corpo
de Baile. 1º volume.
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.