Foi
dentro de condições físicas assim adversas que se exerceu o esforço civilizador
dos portugueses nos trópicos. Tivessem sido aquelas condições as fáceis e doces
de que falam os panegiristas da nossa natureza e teriam razão os sociólogos e
economistas que, contrastando o difícil triunfo lusitano no Brasil com o rápido
e sensacional dos ingleses naquela parte da América de clima estimulante, flora
equilibrada, fauna antes auxiliar que inimiga do homem, condições agrológicas e
geológicas favoráveis, onde hoje esplende a formidável civilização dos Estados
Unidos, concluem pela superioridade do colonizador louro sobre o moreno.
Antes
de vitoriosa a colonização portuguesa do Brasil, não se compreendia outro tipo
de domínio europeu nas regiões tropicais que não fosse o da exploração
comercial através de feitorias ou da pura extração de riqueza mineral. Em
nenhum dos casos se considerara a sério o prolongamento da vida européia ou a
adaptação dos seus valores morais e materiais a meios e climas tão diversos;
tão mórbidos e dissolventes.
O
colonizador português do Brasil foi o primeiro dentre os colonizadores modernos
a deslocar a base da colonização tropical da pura extração de riqueza mineral,
vegetal ou animal ― o ouro, a prata, a madeira, o âmbar, o marfim ― para a de
criação local de riqueza. Ainda que riqueza ― a criada por eles sob a pressão
das circunstâncias americanas ― à custa
do trabalho escravo: tocada, portanto, daquela perversão de instinto econômico
que cedo desviou o português da atividade de produzir valores para a de
explorá-los, transportá-los ou adquiri-los.
Semelhante
deslocamento, embora imperfeitamente realizado, importou numa nova fase e num
novo tipo de colonização: a “colônia de plantação”, caracterizada pela base
agrícola e pela permanência do colono na terra, em vez do seu fortuito contato
com o meio e com a gente nativa. No Brasil iniciaram os portugueses a
colonização em larga escala dos trópicos por uma técnica econômica e por uma
política social inteiramente novas: apenas esboçadas nas ilhas subtropicais do
Atlântico. A primeira: a utilização e o desenvolvimento de riqueza vegetal pelo
capital e pelo esforço do particular; a agricultura; a sesmaria; a grande
lavoura escravocrata. A segunda: o aproveitamento da gente nativa,
principalmente da mulher, não só como instrumento de trabalho mas como elemento
de formação da família. Semelhante política foi bem diversa da de extermínio ou
segregação seguida por largo tempo no México e no Peru pelos espanhóis,
exploradores de minas, e sempre e desbragadamente na América do Norte pelos
ingleses.
A
sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da
Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes
plantações de açúcar, não em grupos a esmo e instáveis; em casas-grandes de
taipa ou de pedra e cal, não em palhoças de aventureiros. Observa Oliveira Martins
que a população colonial no Brasil, “especialmente ao norte, constituiu-se
aristocraticamente, isto é, as casas de Portugal enviaram ramos para o ultramar, desde todo o
princípio a colônia apresentou um aspecto diverso das turbulentas imigrações
dos castelhanos na América Central e ocidental. E antes dele já escrevera
Southey que nas casas de engenho de Pernambuco encontravam-se, nos primeiros
séculos de colonização, as decências e o conforto que debalde se procurariam
entre as populações do Paraguai e do Prata.
Gilberto
Freyre
Casa-Grande
& Senzala