SERMÃO
DA SEXAGÉSIMA
Oh
que grandes esperanças me dá esta sementeira! Oh que grande exemplo me dá este
semeador! Dá-me grandes esperanças a sementeira, porque ainda que se perderam
os primeiros trabalhos, lograr-se-ão os últimos. Dá-me grande exemplo o
semeador, porque depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do
trigo, aproveitou a quarta e última, e colheu d’ela muito fruto. Já que se
perderam as três partes da vida, já que uma parte da idade a levaram os
espinhos, já que outra a levaram as pedras, já que outra parte a levaram os
caminhos, e tantos caminhos, esta quarta e última parte, este último quartel da
vida, por que se perderá também? Por que não dará fruto? Por que não terão
também os anos o que tem o ano? O ano tem tempo para as flores, e tempo para os
frutos. Por que não terá também o seu outono a vida? As flores, umas caem,
outras secam, outras murcham, outras leva-as o vento; aquelas poucas que se
pegam ao tronco, só essas são as discretas, só essas são as que duram, só essas
são as que aproveitam, só essas são as que sustentam o mundo. Será bem que o
mundo morra à fome? Será bem que os últimos dias se passem em flores? Não será
bem, nem Deus quer que seja, nem há-de ser. Eis aqui porque eu dizia ao princípio que vindes enganados com o
pregador. Mas para que possais ir desenganados com o sermão, tratarei nele uma
matéria de grande peso e importância. Servirá como de prólogo aos sermões que
vos hei-de pregar, e aos mais que ouvirdes esta Quaresma.
Padre
Antônio Vieira
Sermões