Espalham-se
por todo o livro as deixas para que se descubra o sexo de Diadorim; colhemos
apenas as mais características, pois coleta mais copiosa destoaria da importância
do pormenor em relação ao romance.
Os
traços físicos delineiam-se em pinceladas dispersas pelo livro, num puzzle cujas peças se vão ordenando na
memória do leitor e atenuam, até certo ponto, o choque da revelação final. São
as mãos que seguram as rédeas “tão brancamente”, os braços bem feitos que
mostrava ao lavar a roupa, a cintura fina, o passo curto, as “pestanas
compridas, oss moços olhos”, “a boca melhor bem feita, o nariz fino,
afiladinho”. Numa vereda, ele se vira para Riobaldo “com um ar quase de
meninozinho em suas miúdas feições”; e quando ambos conhecem Otacília, Riobaldo
se admira de que ela não se tenha encantado por Diadorim “sendo tão galante
moço, as feições caprichadas”.
Diadorim
guarda tesoura de prata e navalha em “capanga com lavores (...) toda
historienta”. Corta os cabelos de Riobaldo e empresta-lhe a navalha para que se
barbeie; ele próprio, apenas apara os cabelos diante do espelhinho dependurado
num galho de árvore.
E
há o segredo que ele fazia do próprio corpo que “era um escondido”. Segredo
entremostrado em vários trechos do livro: o banho de madrugada ― sozinho no
escuro das matas ― que Riobaldo atribui a superstição de caborjudo; a fuga de
Reinaldo, ferido; os desaparecimentos inexplicáveis que tanto intrigavam o
companheiro; o jaleco que ele não tirava nunca, escondendo as formas, como a
filha de D. Martinho.
O
pudor feminil já está naquela ordem do Menino, na beira do rio: ―”Longe de mim
isso faz! ―. Moços, manda Riobaldo tomar banho e o deixa sozinho na beira do
rio. E quando desmaia, ao saber da morte de Joca Ramiro e os companheiros
tentam desapertar-lhe o colete, a vigilância do subconsciente o faz tornar em
si, “em mais vermelho o rosto, numa fúria de pancada”.
M.
Cavalcanti Proença
Trilhas
no Grande Sertão
Os
Cadernos de Cultura ― 114.
Ministério
da Educação e Cultura.
Departamento
de Imprensa Nacional.
Rio
de Janeiro. 1958.