E
chegava também o Lói, um Lói, que não era mais vaqueiro, da Vereda do Liroliro,
uns tempos tinha vivido de caçar onças, tinha estado pago para matar onça té na
beira do Rio Barra da Égua, Córrego Curral de Fogo, que são do Paracatu; mas no
atualmente ele negociava em mulas e burros. Esse Lói, vestido com a baeta ― um capote feito de baeta,
vermelho de dando chama, de espantar boi até. O Promitivo era que espiava para
aquilo, com maior atenção de inveja, o Promitivo cada vez realçava mais sua
exata vocação para vagaz, o vagável sem remédio; mas, pelo menos, ele era
auxiliador nas pequenas coisas, gostava de ser agradável à gente, e demonstrava
todo sentimento para o acontecer da festa, agora era o que se queria. E a gente
ia rezar com o povo. Que rezavam a continuação do terço, cantado: as mulheres
entoavam, os homens no cantarol baixinho, uns desferindo falsete, a vozeada
junta semelhava linguagem de baiano, do Bom-Jesus. Esses que podiam, como o
senhor do Vilamão, o Lói, é que tinham capotes, capas, agora que estava
chegando o meio-do-ano, o vento mudando pra vir quase só dos nascentes, soão e
suão, mais de cima ou mais de baixo ― banda de Corinto, de Buenópolis ou de
Montes-Claros ― e forte com frieza, um vento que zune nos altos das chapadas do
Gerais, e judia com a gente nas estradas, e corta: viajor, dá até vontade de
chorar. Manuelzão mesmo pensava, carecia de se desfazer da dele, já velha, de
baeta azul-clara, comprar uma capona gaúcha, honrosa. Mas ― imaginava ― aqueles
já estavam chegados ali, não tinham precisão de ficar com os balandraus nas
costas. Não eram o padre. Até ofendia aos pobres, que nem não tinham direito
com o que se cobrir, com bom pano. Bom, mas que não se usava mais, era o cavu,
como o do senhor do Vilamão: jeitoso para se montar a cavalo, porque se abria
bem; e tinha o mantelete por cima, a capeta de abrigo, que se enrolava nos
braços. Desde menino, Manuelzão sempre curtira vontade de ter um cavu daqueles,
mas que não era vestimenta para gente pobrezinha, nem o pai dele Manuelzão
nunca tinha conseguido possuir um. Agora, que ele para isso conseguira dinheiro
arranjável, não adiantava nada, porque o cavu não existia mais, de nenhum
jeito, para se comprar, nem costureira não fazia, nem alfaiate em cidades. Só o
senhor do Vilamão era quem ainda alcançava competência de usar um, seu dele,
resguardado em tão rica velhice, o derradeiro cavour que nesse mundo sobrara. E Manuelzão se extremava, achava
nobre gentileza em insistir com eles para se porem à vontade,
tirarem os agasalhos, que lá dentro tinha guardado onde se dependurar
sobretudos. Davam demais na vista.
João
Guimarães Rosa
Uma
Estória de Amor
(Festa
de Manuelzão)
Corpo
de Baile.1º volume.
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.