CARTA-DENÚNCIA
DO TEN.-CEL. FRANCISCO DE PAULA FREIRE DE ANDRADA; VILA RICA, 17-05-1789.
Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor.
Foi
Vossa Excelência servido ordenar escrevesse eu o mesmo que tive a honra
comunicar-lhe no dia treze deste mês; e como seja incontestável a cega
obediência que devo às determinações de Vossa Excelência, farei todo o possível
para as executar com toda a fidelidade e pureza. Meu Senhor, em dias do mês de
janeiro vieram à minha casa o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Alferes
Joaquim José da Silva Xavier e o Vigário Carlos Carreia de Toledo; e depois de
me haverem cumprimentado, passaram a tratar do estado atual deste país, das
suas produções e dos motivos da total decadência em que se acha, e do quanto
poderia ser feliz se fosse habitado por outra Deusqualquer nação que não fora a
portuguesa, porém como a matéria não estimulasse a minha curiosidade a indagar
o fim a que se dirigia, retiraram-se.
Passados
alguns dias tornaram, e pouco depois o Reverendo Padre José da Silva Rolim; e à
matéria que se tinha anteriormente jogado, ligaram as seguintes reflexões: que
os povos se acham aflitos e consternados com a notícia da nova derrama, e por
este motivo dispostos para qualquer ação que se encaminhasse a favorecê-los; e
que até se lembrariam de formar uma sublevação, se não temessem a oposição da
Tropa.
Bem
que me parecesse isto mais tresvario que reflexões sérias, contudo quis
certificar-me ponderando-lhes algumas cousas que me pareceram mais próprias
para conhecer os seus ânimos. Não me enganei, porque logo que tornaram a si,
ridicularizaram a matéria de tal forma que em poucos instantes a caracterizaram
por uma verdadeira cena de teatro. Mas como a delicadeza da matéria não pedia
um total desprezo, não a deixei jamais perder de vista, fazendo com alguma
dissimulação as precisas observações. Acontecendo ir depois a casa do
Tenente-Coronel Domingos Abreu a despedir-me, e do Reverendo Padre José da Silva
Rolim que se achava seu hóspede, encontrei na mesma o Alferes Joaquim José da
Silva Xavier; e pude alcançar que ao referido Tenente-Coronel não era estranha
a matéria que se tinha tratado. Foi este o estado, Excelentíssimo Senhor, que
deixei, quando desta Capital saí com licença de Vossa Excelência para a minha
fazenda, onde se passaram dois meses, com pouca diferença, sem ter a mais leve
notícia da estado deste negócio.
Contudo,
não me pareceu justo deixar de adiantar a carta de dois de abril, que tive a
honra de pôr na respeitável presença de Vossa Excelência, até que pudesse
diligenciar notícias que me parecessem suficientes para dar uma circunstanciada
parte cheia de fundamentos mais sólidos. Passando depois o Coronel Alvarenga,
quando se retirava desta Capital, pela minha fazenda, usei com ele de alguns
meios que julguei mais a propósito para instruir-me do estado destas coisas;
deu-me a entender que não só se não tratava de semelhante matéria, mas que a
suspensão da derrama sepultara até a mesma lembrança. Porém, passados tempos,
me veio a mão uma carta sem nome, que me não dava a menor idéia de quem fosse
pela disformidade dos seus caracteres, e constava, segundo a minha lembrança,
das palavras seguintes:
“O
Sargento-Mor foi para a Cachoeira, onde se trata de dar-lhe um grande tombo;
assim, recolha-se; e quando ouvir grita “viva o povo”, saia prontamente, quando
não a vida lhe há de custar e a sua casa será arrasada.”
Bem
que esta carta concorresse pouco para se fazer um discurso sério e fundamentar
a minha parte, pois é certo que não tinha delito que obrigasse a Vossa
Excelência a um procedimento tão forte, nem conhecimento de que este negócio
pudesse ter adquirido um adiantamento tão rápido em tão pouco tempo, contudo,
como haviam as antecedências já expostas, poderia algum da parcialidade tomar a
indiscreta resolução de querer fazer algum rompimento sem atender às
conseqüências . Estas foram as razões que me moveram a pôr na presença de Vossa
Excelência esta parte, logo que a minha enfermidade me permitiu, para que Vossa
Excelência pudesse tomar aquelas medidas que lhe parecessem mais acertadas, e
viesse no conhecimento da lembrança que conservo das obrigações que me impõem o
nome de fiel vassalo e igualmente as do meu nascimento. É o que me oferece a
pôr na respeitável presença de Vossa Excelência de quem tenho a honra e a
felicidade de ser, como o mais profundo respeito,
Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena,
De
Vossa Excelência
Súdito
mais humilde
Francisco
de Paula Freire de Andrada
Vila
Rica, 17 de maio de 1789.
Reconheço
a letra e firma da carta retro ser feita pelo próprio punho do Tenente-Coronel
Francisco de Paula Freira de Andrada, por outras semelhantes letras e firmas
que lhe tenho visto, em fé do que passo a presente.
Vila
Rica, 15 de junho de 1789.
José
Caetano César Manitti