sábado, 25 de agosto de 2012

OS INCONFIDENTES



CARTA-DENÚNCIA DO TEN.-CEL. FRANCISCO DE PAULA FREIRE DE ANDRADA; VILA RICA, 17-05-1789.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

Foi Vossa Excelência servido ordenar escrevesse eu o mesmo que tive a honra comunicar-lhe no dia treze deste mês; e como seja incontestável a cega obediência que devo às determinações de Vossa Excelência, farei todo o possível para as executar com toda a fidelidade e pureza. Meu Senhor, em dias do mês de janeiro vieram à minha casa o Coronel Inácio José de Alvarenga, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier e o Vigário Carlos Carreia de Toledo; e depois de me haverem cumprimentado, passaram a tratar do estado atual deste país, das suas produções e dos motivos da total decadência em que se acha, e do quanto poderia ser feliz se fosse habitado por outra Deusqualquer nação que não fora a portuguesa, porém como a matéria não estimulasse a minha curiosidade a indagar o fim a que se dirigia, retiraram-se.

Passados alguns dias tornaram, e pouco depois o Reverendo Padre José da Silva Rolim; e à matéria que se tinha anteriormente jogado, ligaram as seguintes reflexões: que os povos se acham aflitos e consternados com a notícia da nova derrama, e por este motivo dispostos para qualquer ação que se encaminhasse a favorecê-los; e que até se lembrariam de formar uma sublevação, se não temessem a oposição da Tropa.

Bem que me parecesse isto mais tresvario que reflexões sérias, contudo quis certificar-me ponderando-lhes algumas cousas que me pareceram mais próprias para conhecer os seus ânimos. Não me enganei, porque logo que tornaram a si, ridicularizaram a matéria de tal forma que em poucos instantes a caracterizaram por uma verdadeira cena de teatro. Mas como a delicadeza da matéria não pedia um total desprezo, não a deixei jamais perder de vista, fazendo com alguma dissimulação as precisas observações. Acontecendo ir depois a casa do Tenente-Coronel Domingos Abreu a despedir-me, e do Reverendo Padre José da Silva Rolim que se achava seu hóspede, encontrei na mesma o Alferes Joaquim José da Silva Xavier; e pude alcançar que ao referido Tenente-Coronel não era estranha a matéria que se tinha tratado. Foi este o estado, Excelentíssimo Senhor, que deixei, quando desta Capital saí com licença de Vossa Excelência para a minha fazenda, onde se passaram dois meses, com pouca diferença, sem ter a mais leve notícia da estado deste negócio.

Contudo, não me pareceu justo deixar de adiantar a carta de dois de abril, que tive a honra de pôr na respeitável presença de Vossa Excelência, até que pudesse diligenciar notícias que me parecessem suficientes para dar uma circunstanciada parte cheia de fundamentos mais sólidos. Passando depois o Coronel Alvarenga, quando se retirava desta Capital, pela minha fazenda, usei com ele de alguns meios que julguei mais a propósito para instruir-me do estado destas coisas; deu-me a entender que não só se não tratava de semelhante matéria, mas que a suspensão da derrama sepultara até a mesma lembrança. Porém, passados tempos, me veio a mão uma carta sem nome, que me não dava a menor idéia de quem fosse pela disformidade dos seus caracteres, e constava, segundo a minha lembrança, das palavras seguintes:

“O Sargento-Mor foi para a Cachoeira, onde se trata de dar-lhe um grande tombo; assim, recolha-se; e quando ouvir grita “viva o povo”, saia prontamente, quando não a vida lhe há de custar e a sua casa será arrasada.”

Bem que esta carta concorresse pouco para se fazer um discurso sério e fundamentar a minha parte, pois é certo que não tinha delito que obrigasse a Vossa Excelência a um procedimento tão forte, nem conhecimento de que este negócio pudesse ter adquirido um adiantamento tão rápido em tão pouco tempo, contudo, como haviam as antecedências já expostas, poderia algum da parcialidade tomar a indiscreta resolução de querer fazer algum rompimento sem atender às conseqüências . Estas foram as razões que me moveram a pôr na presença de Vossa Excelência esta parte, logo que a minha enfermidade me permitiu, para que Vossa Excelência pudesse tomar aquelas medidas que lhe parecessem mais acertadas, e viesse no conhecimento da lembrança que conservo das obrigações que me impõem o nome de fiel vassalo e igualmente as do meu nascimento. É o que me oferece a pôr na respeitável presença de Vossa Excelência de quem tenho a honra e a felicidade de ser, como o mais profundo respeito,

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Barbacena,

De Vossa Excelência
Súdito mais humilde


Francisco de Paula Freire de Andrada

Vila Rica, 17 de maio de 1789.

Reconheço a letra e firma da carta retro ser feita pelo próprio punho do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freira de Andrada, por outras semelhantes letras e firmas que lhe tenho visto, em fé do que passo a presente.


Vila Rica, 15 de junho de 1789.


José Caetano César Manitti