O
VIGOR DA JUVENTUDE
Pouco
se sabe sobre a vida de Machado até os quinze anos de idade. Sua modesta
família não protagonizou proeza, tampouco acumulou patrimônio ou fez nome. Por
sua vez, o escritor obscureceu as origens de modo a criar de si a imagem que
convinha expor ao mundo.
Em
seus primeiros poemas, lamentou a morte da mãe e da irmã, mas nada deixou
transparecer sobre as condições em que vivia. Em depoimentos, evitou habilmente
assuntos delicados, como a irregularidade dos estudos. Pouco disse sobre o
aprendizado de idiomas estrangeiros.
A
partir de 1854, porém, podemos acompanhá-lo pelos jornais e revistas. Estreou
em poesia, gênero mais prestigioso daquele momento, quando a ficção apenas se
preparava para a fulgurante carreira que lhe caberia. O debutante não
demonstrou nenhuma aptidão especial, passível de passar por traço de gênio, mas
o importante era se lançar.
Igual
coragem demonstrou ao se imiscuir entre os maiores poetas e prosadores
brasileiros em atividade, que o acolheram bem. Admiradores do bom texto,
perceberam o potencial do neófito — a quem impulsionaram.
Em
1763, o Rio de Janeiro se tornou a capital da colônia. Em 1808, viveu um grande
salto civilizatório, ao receber a família real e uma comitiva de portugueses
com boa formação. Nada disso impediu, porém, que ao final da década de 1830 a sede do Império
brasileiro fosse suja, insalubre e mal iluminada.
Por
falta de saneamento, os dejetos eram transportados por carroças e escravos até
o mar. A tuberculose e outras moléstias assolavam. Freqüentes eram as epidemias
de doenças como cólera e sarampo. A pessoa que sobrevivesse a tantas ameaças e
chegasse aos cinqüenta anos de idade tinha motivo de sobra para comemorar.
Os
quase 300 mil habitantes se distribuíam irregularmente pelo perímetro urbano,
no qual se privilegiava a zona central. Os montes próximos ao porto eram
ocupados por instalações militares e religiosas, assim como por grandes
chácaras e quintas organizadas em torno de mansões.
Uma
dessas propriedades era o Morro do Livramento, pertencente a uma família portuguesa
servida por vários escravos e agregados. Entre os últimos vivia a branca
açoriana Maria Leopoldina Machado da Câmara, que desempenhava tarefas caseiras
como costura e bordado.
Em
certo momento, a colina passou a ser freqüentada pelo mulato forro Francisco
José de Assis, que provavelmente subira para
prestar serviços. Encantado por Maria Leopoldina, esse pintor de parede
e dourador foi correspondido: contraíram núpcias quando ela tinha 26 anos e
ele, 32.
No
dia 21 de junho de 1839, Maria Leopoldina deu à luz Joaquim Maria Machado de
Assis. O fato de terem transcorrido apenas dez meses e dois dias desde o
casamento parecia prenúncio de numerosa prole. No entanto, o casal teve apenas
mais uma filha, Maria, vinda ao mundo a 3 de maio de 1841.
Os
laços com os proprietários se reforçaram: Machado teve como madrinha a viúva
Maria José de Mendonça Barroso Pereira, então dona exclusiva do Livramento,
cuja filha batizou Maria Machado de Assis. Dava-se continuidade ao hábito de os
padrinhos serem pessoas de posses, por conseguinte em condições de assumir os
afilhados em caso de desgraça dos pais.
Podemos
imaginar o autor levando alguns anos de vida familiar normal, humilde mas
digna. Frágil de compleição, porém impulsionado pela energia da idade, corria
para cima e para baixo, percorria as construções, extasiava-se com a visão da
cidade maravilhosa. Também aprendia a ler e escrever, provavelmente com sua
mãe, que era alfabetizada, portanto, como afirmou o biógrafo Jean-Michel Massa
“podia transmitir a Joaquim Maria o seu conhecimento”.
Todavia
as tragédias surgiram repentina e sucessivamente, levando primeiro a irmã de
quatro anos, vítima de uma epidemia de sarampo. Quase quatro anos depois,
faleceu a mãe, tísica. Como a madrinha morrera antes, restou apenas o pai, com
quem Machado viveu sozinho por mais de cinco anos.
Aos
48 anos, Francisco José casou com a mulata Maria Inês da Silva, que não teve
filhos e, afetuosa, fez-se uma verdadeira mãe do enteado. O trio ocupava agora
um pequeno sobrado em
São Cristóvão , onde usufruía de uma convivência doméstica
harmoniosa.
A
despeito de sua importância histórica, porém, o bairro jamais ofereceria tantas
oportunidades quanto o centro da cidade, a apenas alguns quilômetros dali. À
época, o transporte até o Cais Pharoux, na Praça XV, era feito de barca, na
qual um rapazola passava todo o trajeto lendo, alheio a pessoas, belezas
naturais e edificações. Era Machado, a compensar a falta de estudos regulares
embebendo-se de literatura.
Dau
Bastos
Machado
de Assis
num
recanto, um mundo inteiro
Garamond.
Rio de Janeiro. 2008.