segunda-feira, 6 de agosto de 2012

EMANUEL E FEDERICO



Mas Manuelzão menos entendia o mover-se das mulheres, surgidas quase de repente de toda parte, muitas ele nem conhecia. Mau o acordo com que elas se juntavam, semelhavam batalhão de mutirão. À sonsa, queriam afastá-lo? Enquanto fora obra de roçar a marca, torar madeira e carrear o materiame, fincar os esteios, levantar os oitões, e terminar —ele mestreara. Mas entre homens, seus homens. Agora, as mulheres tomavam conta. E ele ia ter algum jeito? A que fugiam de o encarar, sonseavam. — “Falta uma pia de água benta...” — ele reparava, de supetão, na voz de comandar mil bois. E elas se arredando, saias astúcias, que nem um excomungado ele fosse. Fechava então o silêncio, para ser como uma zanga. Depois, tomava cuidado de dirigir-se a Leonísia, ou a alguma das dos vaqueiros. Ainda essas, sem perder-lhe o respeito, em curto respondiam, meio sem paciência, pareciam só pertencentes ao bando de todas. Não, ninguém lhe faltaria com o respeito, ali na Samarra ele era o chefe. Só que não percebia os espíritos do mulherio reunido; e aquele arremate para a festa tinha de ser de muitas mãos. Assim como não achava senso nas prendas que o povo aportava, para oferecerem a sua Nossa-Senhora da capela. Eles eram espantantes.


João Guimarães Rosa
Uma Estória de Amor
(Festa de Manuelzão)
em Corpo de Baile
(Sete Novelas) – 1º volume
José Olympio. Rio de Janeiro.
1ª edição. 1956.