domingo, 12 de agosto de 2012

GR



SÃO MARCOS

A análise de “São Marcos” da qual nos ocuparemos a seguir deriva, em sua essência, da análise feita por Roncari em O Brasil de Rosa, mas com algumas diferenças significativas decorrentes da própria abertura da obra, de sua complexidade e da amplitude de temas abordados.

“São Marcos” apresenta alguns aspectos que o distinguem dos demais contos de Sagarana”: é a mais apurada abordagem da religião brasileira; é a melhor exposição sobre o poder transformador da palavra; é o melhor discurso sobre o amor, a que Roncari deu o nome de “teoria dos três amores”; é o mais completo discurso sobre as conexões entre cultura universal e cultura popular, discurso que inclui, além da religião, a posição de Guimarães Rosa e dos modernistas sobre tais conexões; além disso, enseja reflexões sobre vários temas filosóficos, como contemplação, razão, intuição, instinto. Essa interpenetração de temas em “São Marcos” levanta de imediato a suspeita de que eles têm algum parentesco entre si e de que, no conjunto, devem dar sentido à obra em sua totalidade. A existência de tal sentido geral é sugerida pelo fato de Guimarães Rosa ter agrupado em um único conto temas aparentemente tão diversos que poderiam ser expostos separadamente e acomodados de maneira mais justa nos outros contos de Sagarana. Assim, por exemplo, pareceria mais razoável expor uma teoria sobre o amor em contos como “Sarapalha” e “Minha Gente” ou um discurso sobre o sincretismo brasileiro em “Corpo Fechado” ou em “A Hora e Vez de Augusto Matraga”. É nosso propósito demonstrar que esses temas de “São Marcos” estão intimamente inter-relacionados e vinculados à questão que apaixonou a intelectualidade brasileira na época da elaboração de Sezão e do lançamento de Sagarana: a discussão em torno do espírito nacional.

Para maior clareza de exposição desta análise, esses aspectos serão tratados separadamente, com alguns vaivéns inevitáveis, decorrentes do próprio caráter imbricado com que eles se apresentam na narrativa.


Nildo Máximo Benedetti
Sagarana
o brasil de guimarães rosa
Hedra. São Paulo, SP. 2010.