SÃO
MARCOS
A
análise de “São Marcos” da qual nos ocuparemos a seguir deriva, em sua
essência, da análise feita por Roncari em O Brasil de Rosa, mas com algumas diferenças
significativas decorrentes da própria abertura da obra, de sua complexidade e
da amplitude de temas abordados.
“São
Marcos” apresenta alguns aspectos que o distinguem dos demais contos de Sagarana”: é a mais apurada abordagem da
religião brasileira; é a melhor exposição sobre o poder transformador da
palavra; é o melhor discurso sobre o amor, a que Roncari deu o nome de “teoria
dos três amores”; é o mais completo discurso sobre as conexões entre cultura
universal e cultura popular, discurso que inclui, além da religião, a posição
de Guimarães Rosa e dos modernistas sobre tais conexões; além disso, enseja
reflexões sobre vários temas filosóficos, como contemplação, razão, intuição,
instinto. Essa interpenetração de temas em “São Marcos” levanta de imediato a
suspeita de que eles têm algum parentesco entre si e de que, no conjunto, devem
dar sentido à obra em sua totalidade. A existência de tal sentido geral é
sugerida pelo fato de Guimarães Rosa ter agrupado em um único conto temas
aparentemente tão diversos que poderiam ser expostos separadamente e acomodados
de maneira mais justa nos outros contos de Sagarana.
Assim, por exemplo, pareceria mais razoável expor uma teoria sobre o amor
em contos como “Sarapalha” e “Minha Gente” ou um discurso sobre o sincretismo
brasileiro em “Corpo Fechado” ou em “A Hora e Vez de Augusto Matraga”. É nosso
propósito demonstrar que esses temas de “São Marcos” estão intimamente
inter-relacionados e vinculados à questão que apaixonou a intelectualidade
brasileira na época da elaboração de Sezão
e do lançamento de Sagarana: a
discussão em torno do espírito nacional.
Para
maior clareza de exposição desta análise, esses aspectos serão tratados
separadamente, com alguns vaivéns inevitáveis, decorrentes do próprio caráter
imbricado com que eles se apresentam na narrativa.
Nildo
Máximo Benedetti
Sagarana
o
brasil de guimarães rosa
Hedra.
São Paulo, SP. 2010.