domingo, 29 de setembro de 2013

TRIBUNA LIVRE


Ó Poeta, mira esse trigal ardido
em mágoa. Dos canteiros que tens feito
as hastes inclinadas sobre o peito
dão-te o aspecto de um deus encanecido.

Ao mesmo tempo heróico e triste hás sido
um anjo alegre e um diabo sem conceito.
O trigo que plantaste, contrafeito
é o pobre ázimo pão em que és cozido.

Resta-te olhar os pássaros que do ermo
voltam antes que o céu as sombras desça,
ensombrando-lhes o último agasalho.

Abre os olhos depois, ó deus enfermo:
Talvez a noite enfim os umedeça
ou lhes negue talvez o seu orvalho.


Jorge de Lima

Livro de Sonetos