Em
outra ocasião também, andando a passear ele, testemunha, pela varanda que tem a
mesma Estalagem, se achavam a um lado dela a conversar dois pardos do Serro, um
por nome Crispiniano, outro Raimundo Corrêa, Sargento-Mor dos Pardos do Tejuco;
e percebendo ele, testemunha, que era sobre a matéria da sublevação, aplicando
disfarçadamente o ouvido, percebeu a palavra “levante” e que já se tinha
escrito para São Paulo para lá se não pagarem os dízimos; cujas palavras
proferiu o dito Crispiniano para o mencionado Raimundo.
Além
do que fica referido, também ele, testemunha, ouviu em casa do Tenente-Coronel
José Pereira Marques dizer repetidas vezes ao Coronel Inácio José de Alvarenga,
quando se conversava na decadência em que se achavam as Minas, que estava
propínquo a correr nelas rios de sangue; ouvindo também dize, em outra ocasião,
ao Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro do Contratador João Rodrigues de
Macedo, que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se
queriam ver livres, e que ele era amigo do Cônego Luís Vieira, mas que lhe
ouvia falar umas tais coisas que, se fosse Rei, lhe mandava cortar a cabeça.
Sabe
mais ele, testemunha, que as palestras sobre o levante que concitava aquele
Alferes se faziam, umas em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, outras na do
Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; e a razão é porque ele, testemunha,
prevenido já desta desordem, como dito fica, curiosamente pesquisava ele a
outros, e viu algumas vezes o próprio Alferes Joaquim José na casa do dito
Desembargador; e muitas e muitas vezes viu juntarem-se o dito o dito Alvarenga
e Gonzaga na casa do Doutor Cláudio, e estes na do Gonzaga, ora em uma, ora em
outra; e sabendo ele, testemunha, de tudo o que se tem declarado, bem se
persuadia que aqueles conventículos, em que também se achava o Vigário de São
José do Rio das Mortes quando esteve nesta Vila; eram sem dúvida com o fim de
tratar o sistema do levante; e para melhor indagação desta matéria, procurara
uma vez, disfarçadamente àquele Doutor Cláudio Manuel da Costa e,
perguntando-lhe este pelos seus particulares, ele testemunha, simuladamente e
para o fim de lhe rastrear os seus desígnios, se queixou algum tanto do
Excelentíssimo Senhor Visconde General, ao que saiu imediatamente aquele Doutor
dizendo estas formais palavras: “Nas Minas não há gente; os americanos ingleses
foram bem sucedidos porque acharam três homens capazes para a campanha; e nas
Minas não há nenhum; só o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, anda
feito corta-vento; mas ainda lhe hão de cortar a cabeça a ele”; não lhe podendo
tirar mais coisa alguma do que o referido, e falando posteriormente ao Cônego
Luís Vieira, este, não podendo encobrir ou disfarçar a paixão que tem por ver o
Brasil feito uma república independente, principiou a abonar o dito Alferes
Tiradentes por um homem animoso, e que se houvesse muitos como ele, que o
Brasil era uma república florente; acrescentando que um príncipe europeu não
podia ter nada com a América, que era um país livre; que o Rei de Portugal nada
gastou nesta conquista; que os nacionais já a tinham tirado aos holandeses,
fazendo a guerra à sua custa sem El-Rei contribuir com dinheiro algum para ela;
que os franceses tomaram o Rio de Janeiro, e que os habitadores da cidade a
tornaram a comprar com o seu dinheiro; concluindo ultimamente que esta terra
não podia estar muito tempo sujeita ao Rei de Portugal, porque os nacionais
dela também queriam fazer corpo de república; proferindo estas e outras
solturas sediciosas, encaminhadas todas ao fim da liberdade.
Depois
disto, encontrando-se ele testemunha, nesta Vila, com um bacharel (Lucas
Antônio Monteiro de Barros), filho do Guarda-Mor das Congonhas do Campo, Manoel
José Monteiro, e conversando com ele já maliciosamente, por ver a íntima
amizade que conservava com o Coronel Alvarenga, veio a cair na mesma
conversação sobre a matéria em que então se falava, e por este motivo lhe disse
a ele, testemunha, que um fulano Claro de tal, sobrinho do Vigário de São José
do Rio das Mortes, fora em certa ocasião encontrar o dito Coronel Alvarenga, o
Cônego Luís Vieira, o Doutor Cláudio, o Desembargador Gonzaga, o Alferes
Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, e outros, a falarem todos em um levante
que estava para se fazer nas Minas; depois do que, se retirou aquele Claro para
Taubaté, da Capitania de São Paulo, onde reside, e pensa ele, testemunha, que
mandado pelos tais do congresso para ele não falar alguma coisa do que ouviu.
Autos
de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara
dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais
Brasília
/ Belo Horizonte. 1976.