segunda-feira, 16 de setembro de 2013

OS INCONFIDENTES


Em outra ocasião também, andando a passear ele, testemunha, pela varanda que tem a mesma Estalagem, se achavam a um lado dela a conversar dois pardos do Serro, um por nome Crispiniano, outro Raimundo Corrêa, Sargento-Mor dos Pardos do Tejuco; e percebendo ele, testemunha, que era sobre a matéria da sublevação, aplicando disfarçadamente o ouvido, percebeu a palavra “levante” e que já se tinha escrito para São Paulo para lá se não pagarem os dízimos; cujas palavras proferiu o dito Crispiniano para o mencionado Raimundo.

Além do que fica referido, também ele, testemunha, ouviu em casa do Tenente-Coronel José Pereira Marques dizer repetidas vezes ao Coronel Inácio José de Alvarenga, quando se conversava na decadência em que se achavam as Minas, que estava propínquo a correr nelas rios de sangue; ouvindo também dize, em outra ocasião, ao Capitão Vicente Vieira da Mota, caixeiro do Contratador João Rodrigues de Macedo, que via as Minas em muita desordem, e que todos os nacionais delas se queriam ver livres, e que ele era amigo do Cônego Luís Vieira, mas que lhe ouvia falar umas tais coisas que, se fosse Rei, lhe mandava cortar a cabeça.

Sabe mais ele, testemunha, que as palestras sobre o levante que concitava aquele Alferes se faziam, umas em casa do Doutor Cláudio Manuel da Costa, outras na do Desembargador Tomás Antônio Gonzaga; e a razão é porque ele, testemunha, prevenido já desta desordem, como dito fica, curiosamente pesquisava ele a outros, e viu algumas vezes o próprio Alferes Joaquim José na casa do dito Desembargador; e muitas e muitas vezes viu juntarem-se o dito o dito Alvarenga e Gonzaga na casa do Doutor Cláudio, e estes na do Gonzaga, ora em uma, ora em outra; e sabendo ele, testemunha, de tudo o que se tem declarado, bem se persuadia que aqueles conventículos, em que também se achava o Vigário de São José do Rio das Mortes quando esteve nesta Vila; eram sem dúvida com o fim de tratar o sistema do levante; e para melhor indagação desta matéria, procurara uma vez, disfarçadamente àquele Doutor Cláudio Manuel da Costa e, perguntando-lhe este pelos seus particulares, ele testemunha, simuladamente e para o fim de lhe rastrear os seus desígnios, se queixou algum tanto do Excelentíssimo Senhor Visconde General, ao que saiu imediatamente aquele Doutor dizendo estas formais palavras: “Nas Minas não há gente; os americanos ingleses foram bem sucedidos porque acharam três homens capazes para a campanha; e nas Minas não há nenhum; só o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, anda feito corta-vento; mas ainda lhe hão de cortar a cabeça a ele”; não lhe podendo tirar mais coisa alguma do que o referido, e falando posteriormente ao Cônego Luís Vieira, este, não podendo encobrir ou disfarçar a paixão que tem por ver o Brasil feito uma república independente, principiou a abonar o dito Alferes Tiradentes por um homem animoso, e que se houvesse muitos como ele, que o Brasil era uma república florente; acrescentando que um príncipe europeu não podia ter nada com a América, que era um país livre; que o Rei de Portugal nada gastou nesta conquista; que os nacionais já a tinham tirado aos holandeses, fazendo a guerra à sua custa sem El-Rei contribuir com dinheiro algum para ela; que os franceses tomaram o Rio de Janeiro, e que os habitadores da cidade a tornaram a comprar com o seu dinheiro; concluindo ultimamente que esta terra não podia estar muito tempo sujeita ao Rei de Portugal, porque os nacionais dela também queriam fazer corpo de república; proferindo estas e outras solturas sediciosas, encaminhadas todas ao fim da liberdade.

Depois disto, encontrando-se ele testemunha, nesta Vila, com um bacharel (Lucas Antônio Monteiro de Barros), filho do Guarda-Mor das Congonhas do Campo, Manoel José Monteiro, e conversando com ele já maliciosamente, por ver a íntima amizade que conservava com o Coronel Alvarenga, veio a cair na mesma conversação sobre a matéria em que então se falava, e por este motivo lhe disse a ele, testemunha, que um fulano Claro de tal, sobrinho do Vigário de São José do Rio das Mortes, fora em certa ocasião encontrar o dito Coronel Alvarenga, o Cônego Luís Vieira, o Doutor Cláudio, o Desembargador Gonzaga, o Alferes Joaquim José, por alcunha o Tiradentes, e outros, a falarem todos em um levante que estava para se fazer nas Minas; depois do que, se retirou aquele Claro para Taubaté, da Capitania de São Paulo, onde reside, e pensa ele, testemunha, que mandado pelos tais do congresso para ele não falar alguma coisa do que ouviu.


Autos de Devassa da Inconfidência Mineira
Câmara dos Deputados / Governo do Estado de Minas Gerais

Brasília / Belo Horizonte. 1976.