segunda-feira, 18 de março de 2013

ONDE CANTA O SABIÁ



A CORRETORA DE MAR

A mulher entrou no meu escritório com um sorriso muito amável e os olhos muito azuis. Desenrolou um mapa e começou a falar com uma certa velocidade, como é uso dos chilenos. Gosto de ver mapas, e me ergui para olhar aquele.

Quando percebi que se tratava de um loteamento, e a mulher queria me vender uma parcela, me coloquei na defensiva; disse que no momento suspendi  meus negócios imobiliários, e até estava pensando em vender meus imensos territórios no Brasil; que além disso o Chile é um país muito estreito e sua terra deveria ser dividida entre seu povo; até ficaria mal a um estrangeiro querer especular com um trecho da faja angosta, que é como os chilenos chamam sua tira estreita de terra, que por sinal costumam dizer que é “larguíssima” para assombro do brasileiro recém-chegado, que não sabe que isso em castelhano quer dizer “compridíssima”.

Os olhos azuis fixaram-se nos meus, a mão extraiu de uma pasta a fotografia de um terreno plantado de pinheirinhos de dois ou três anos: não se tratava de especulação imobiliária; dentro de poucos anos eu seria um madeireiro, poderia cortar meus pinheiros... Ponderei que tenho uma pena imensa de cortar árvores.

― A senhora não tem?

Também tinha. E então baixou a voz, sombreou os olhos de poesia, e me disse que ela mesma, corretora, também comprara duas parcelas naquele terreno. E tinha certeza ― confessava ― que também não teria coragem de mandar cortar meus pinheiros; também adorava árvores e passarinhos, cortaria apenas os pinheiros necessários para fazer uma casinha de madeira: o lugar é lindo, em um pequeno planalto, dá para uns penedos junto ao mar; as árvores choram, e cantam com as ondas quando sopra o vento do oceano...

Confesso que paguei a primeira prestação: ela passou o recibo, sorriu, me disse “muchas gracias” e “hasta lueguito” e partiu com seus olhos azuis, me deixando meio tonto, com a vaga impressão de ter comprado um pedaço do Oceano Pacífico.

Santiago do Chile, abril, 1955


Rubem Braga
Ai de Ti, Copacabana
Sabiá. Rio de Janeiro. 1960.