A
CORRETORA DE MAR
A
mulher entrou no meu escritório com um sorriso muito amável e os olhos muito
azuis. Desenrolou um mapa e começou a falar com uma certa velocidade, como é
uso dos chilenos. Gosto de ver mapas, e me ergui para olhar aquele.
Quando
percebi que se tratava de um loteamento, e a mulher queria me vender uma parcela, me coloquei na defensiva; disse
que no momento suspendi meus negócios
imobiliários, e até estava pensando em vender meus imensos territórios no
Brasil; que além disso o Chile é um país muito estreito e sua terra deveria ser
dividida entre seu povo; até ficaria mal a um estrangeiro querer especular com
um trecho da faja angosta, que é como
os chilenos chamam sua tira estreita de terra, que por sinal costumam dizer que
é “larguíssima” para assombro do brasileiro recém-chegado, que não sabe que
isso em castelhano quer dizer “compridíssima”.
Os
olhos azuis fixaram-se nos meus, a mão extraiu de uma pasta a fotografia de um
terreno plantado de pinheirinhos de dois ou três anos: não se tratava de
especulação imobiliária; dentro de poucos anos eu seria um madeireiro, poderia
cortar meus pinheiros... Ponderei que tenho uma pena imensa de cortar árvores.
―
A senhora não tem?
Também
tinha. E então baixou a voz, sombreou os olhos de poesia, e me disse que ela
mesma, corretora, também comprara duas parcelas naquele terreno. E tinha
certeza ― confessava ― que também não teria coragem de mandar cortar meus pinheiros;
também adorava árvores e passarinhos, cortaria apenas os pinheiros necessários
para fazer uma casinha de madeira: o lugar é lindo, em um pequeno planalto, dá
para uns penedos junto ao mar; as árvores choram, e cantam com as ondas quando
sopra o vento do oceano...
Confesso
que paguei a primeira prestação: ela passou o recibo, sorriu, me disse “muchas
gracias” e “hasta lueguito” e partiu com seus olhos azuis, me deixando meio
tonto, com a vaga impressão de ter comprado um pedaço do Oceano Pacífico.
Santiago
do Chile, abril, 1955
Rubem
Braga
Ai
de Ti, Copacabana
Sabiá.
Rio de Janeiro. 1960.