sábado, 16 de março de 2013

MINHA TERRA TEM PALMEIRAS



Ao contrário da aparente incapacidade dos nórdicos, é que os portugueses têm revelado tão notável aptidão para se aclimatarem em regiões tropicais. É certo que através de muito maior miscibilidade que os outros europeus: as sociedades coloniais de formação religiosa têm sido todas híbridas, umas mais outras menos. No Brasil, tanto em São Paulo como em Pernambuco ― os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da colonização, os paulistas no sentido horizontal, os pernambucanos no vertical ― a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como as bandeiras, a catequese, a fundação e colonização da agricultura tropical, as guerras contra os franceses no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco, foi uma sociedade constituída com pequeno número de mulheres brancas e larga e profundamente mesclada de sangue indígena. Diante do que torna-se difícil, no caso do português, distinguir o que seria aclimatabilidade de colonizador branco ― já de si duvidoso na sua pureza étnica e na sua qualidade, antes convencional que genuína do europeu  ― da capacidade de mestiço, formado desde o primeiro momento pela união do adventício sem escrúpulos nem consciência de raça com mulheres da vigorosa gente da terra.

De qualquer modo, o certo é que os portugueses triunfaram onde outros europeus falharam: de formação portuguesa é a primeira sociedade moderna constituída nos trópicos com característicos nacionais e qualidades de permanência. Qualidades que no Brasil madrugaram, em vez de se retardarem como nas possessões tropicais de ingleses, franceses e holandeses.

Outros europeus, estes brancos, puros, dólico-louros habitantes de clima frio, ao primeiro contato com a América equatorial sucumbiriam ou perderiam a energia colonizadora, a tensão moral, a própria saúde física, mesmo a mais rija, como os Puritanos colonizadores de Old Providence; os quais, da mesma fibra que os pioneiros da Nova Inglaterra, na ilha tropical se deixaram espapaçar nuns dissolutos e moleirões.

Não foi outro o resultado da emigração de loyalists ingleses da Geórgia e de outros dos novos Estados da União Americana para as ilhas Bahamas ― duros ingleses que o meio tropical em menos de cem anos amolengou em “poor white trash”; o mesmo teria provavelmente sucedido aos calvinistas franceses que no século XVI tentaram muito anchos e triunfantes estabelecer no Brasil uma colônia exclusivamente branca e daqui se retiraram quase sem deixar traços de sua ação colonizadora. O que deixaram foi em areia de praia; ou então em recifes por onde andaram se agarrando os mais persistentes dos companheiros de Villegaignon antes de abandonarem definitivamente as costas brasileiras. A estes, sim, poderia Frei Vicente do Salvador ter chamado de caranguejos: limitaram-se com efeito a arranhar o litoral.


Gilberto Freyre
Casa-Grande & Senzala