Ao contrário da aparente incapacidade dos nórdicos, é
que os portugueses têm revelado tão notável aptidão para se aclimatarem em
regiões tropicais. É certo que através de muito maior miscibilidade que os
outros europeus: as sociedades coloniais de formação religiosa têm sido todas
híbridas, umas mais outras menos. No Brasil, tanto em São Paulo como em
Pernambuco ― os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da
colonização, os paulistas no sentido horizontal, os pernambucanos no vertical ―
a sociedade capaz de tão notáveis iniciativas como as bandeiras, a catequese, a
fundação e colonização da agricultura tropical, as guerras contra os franceses
no Maranhão e contra os holandeses em Pernambuco, foi uma sociedade constituída com pequeno número de mulheres brancas e larga e
profundamente mesclada de sangue indígena. Diante do que torna-se difícil, no
caso do português, distinguir o que seria aclimatabilidade de colonizador
branco ― já de si duvidoso na sua pureza étnica e na sua qualidade, antes
convencional que genuína do europeu ― da capacidade de mestiço, formado desde o primeiro momento pela união do
adventício sem escrúpulos nem consciência de raça com mulheres da vigorosa
gente da terra.
De qualquer modo, o certo é que os portugueses
triunfaram onde outros europeus falharam: de formação portuguesa é a primeira
sociedade moderna constituída nos trópicos com característicos nacionais e
qualidades de permanência. Qualidades que no Brasil madrugaram, em vez de se
retardarem como nas possessões tropicais de ingleses, franceses e holandeses.
Outros europeus, estes brancos, puros, dólico-louros
habitantes de clima frio, ao primeiro contato com a América equatorial
sucumbiriam ou perderiam a energia colonizadora, a tensão moral, a própria
saúde física, mesmo a mais rija, como os Puritanos colonizadores de Old
Providence; os quais, da mesma fibra que os pioneiros da Nova Inglaterra, na
ilha tropical se deixaram espapaçar nuns dissolutos e moleirões.
Não foi outro o resultado da emigração de loyalists ingleses da Geórgia e de
outros dos novos Estados da União Americana para as ilhas Bahamas ― duros
ingleses que o meio tropical em menos de cem anos amolengou em “poor white trash”; o mesmo teria
provavelmente sucedido aos calvinistas franceses que no século XVI tentaram muito anchos
e triunfantes estabelecer no Brasil uma colônia exclusivamente branca e daqui
se retiraram quase sem deixar traços de sua ação colonizadora. O que deixaram
foi em areia de praia; ou então em recifes por onde andaram se agarrando os mais
persistentes dos companheiros de Villegaignon antes de abandonarem
definitivamente as costas brasileiras. A estes, sim, poderia Frei Vicente do
Salvador ter chamado de caranguejos: limitaram-se com efeito a arranhar o
litoral.
Gilberto Freyre
Casa-Grande & Senzala