domingo, 24 de março de 2013

MINHA TERRA TEM PALMEIRAS



Nem convém esquecer que os franceses desde 1715 estabelecidos nas ilhas Reunião e Maurício, mostram-se hoje inferiores em energia e eficiência aos das primeiras gerações.

Não três nem quatro, mas duas gerações apenas bastaram para enlanguescer os anglo-americanos que foram estabelecer-se no Havaí. E Semple recorda que a pesquisa realizada em 1900 pela International Harvester Company of America revela o enlanguescimento da energia alemã no Sul do Brasil, região, aliás, subtropical.

O português não: por todas aquelas felizes predisposições de raça, de mesologia e de cultura a que nos referimos, não só conseguiu vencer as condições de clima e de solo desfavoráveis ao estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente branca para  tarefa colonizadora unindo-se com mulher de cor. Pelo intercurso com mulher índia ou negra multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais adaptável do que ele puro ao clima tropical. A falta de gente, que o afligia, mais do que a qualquer outro colonizador, forçando-o à  imediata miscigenação ― contra o que não o indispunham, aliás, escrúpulos de raça, apenas preconceitos religiosos ― foi para o português vantagem na sua obra de conquista e colonização dos trópicos. Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica, social.

Sempre nega aos movimentos de população européia nas regiões tropicais da Ásia, Austrália, África e América, e de americana nas Filipinas, o caráter de genuína expansão étnica: parece-lhe que até hoje a colonização européia e anglo-americana dos trópicos tem sido antes exploração econômica ou domínio político: a colonização do tipo que representam os setenta e seis mil ingleses que dirigem por assim dizer de luvas e preservados de mais íntimo contato com os nativos por profiláticos de borracha os negócios comerciais e políticos da Índia. Abre Semple exceção para os portugueses que pela hibridização realizariam no Brasil obra verdadeira de colonização, vencendo a adversidade do clima.

Embora o clima já ninguém o considere o senhor-deus-todo-poderoso de antigamente, é impossível negar-se a influência que exerce na formação e no desenvolvimento das sociedades, senão direta, pelos efeitos imediatos sobre o homem, indireta pela sua relação com a produtividade da terra, com as fontes da nutrição, e com os recursos de exploração econômica acessíveis ao povoador.

Estão meio desacreditadas as doenças tropicais. Não se nega, porém, que o clima, per se ou através de fatos sociais ou econômicos por ele condicionados, predisponha os habitantes dos países quentes a doenças raras ou desconhecidas nos países de clima frio. Que diminua-lhes a capacidade de trabalho. Que os excite aos crimes contra a pessoa. Do mesmo modo que parece demonstrado resistirem umas raças melhor do que outras a certas influências patogênicas peculiares, no caráter ou intensidade, ao clima tropical.


Gilberto Freyre
Casa-Grande & Senzala