Nem convém esquecer que os franceses desde 1715
estabelecidos nas ilhas Reunião e Maurício, mostram-se hoje inferiores em
energia e eficiência aos das primeiras gerações.
Não três nem quatro, mas duas gerações apenas bastaram
para enlanguescer os anglo-americanos que foram estabelecer-se no Havaí. E
Semple recorda que a pesquisa realizada em 1900 pela International Harvester
Company of America revela o enlanguescimento da energia alemã no Sul do Brasil,
região, aliás, subtropical.
O português não: por todas aquelas felizes
predisposições de raça, de mesologia e de cultura a que nos referimos, não só
conseguiu vencer as condições de clima e de solo desfavoráveis ao
estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de
gente branca para tarefa colonizadora
unindo-se com mulher de cor. Pelo intercurso com mulher índia ou negra
multiplicou-se o colonizador em vigorosa e dúctil população mestiça, ainda mais
adaptável do que ele puro ao clima tropical. A falta de gente, que o afligia,
mais do que a qualquer outro colonizador, forçando-o à imediata miscigenação ― contra o que não o
indispunham, aliás, escrúpulos de raça, apenas preconceitos religiosos ― foi
para o português vantagem na sua obra de conquista e colonização dos trópicos.
Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica, social.
Sempre nega aos movimentos de população européia nas
regiões tropicais da Ásia, Austrália, África e América, e de americana nas
Filipinas, o caráter de genuína expansão étnica: parece-lhe que até hoje a
colonização européia e anglo-americana dos trópicos tem sido antes exploração
econômica ou domínio político: a colonização do tipo que representam os setenta
e seis mil ingleses que dirigem por assim dizer de luvas e preservados de mais
íntimo contato com os nativos por profiláticos de borracha os negócios comerciais
e políticos da Índia. Abre Semple exceção para os portugueses que pela
hibridização realizariam no Brasil obra verdadeira de colonização, vencendo a
adversidade do clima.
Embora o clima já ninguém o considere o
senhor-deus-todo-poderoso de antigamente, é impossível negar-se a influência
que exerce na formação e no desenvolvimento das sociedades, senão direta, pelos
efeitos imediatos sobre o homem, indireta pela sua relação com a produtividade
da terra, com as fontes da nutrição, e com os recursos de exploração econômica
acessíveis ao povoador.
Estão meio desacreditadas as doenças tropicais. Não se
nega, porém, que o clima, per se ou
através de fatos sociais ou econômicos por ele condicionados, predisponha os
habitantes dos países quentes a doenças raras ou desconhecidas nos países de
clima frio. Que diminua-lhes a capacidade de trabalho. Que os excite aos crimes
contra a pessoa. Do mesmo modo que parece demonstrado resistirem umas raças
melhor do que outras a certas influências patogênicas peculiares, no caráter ou
intensidade, ao clima tropical.
Gilberto Freyre
Casa-Grande & Senzala