Como podia, o velho Camilo ajudava. — “Minha gente,
vães desapear, samo’ chegar!” — convocava Manuelzão, acolhendo os forasteiros.
Sem um sorriso, sem se ressair, o velho Camilo oferecia auxílio, no desarrearem
a montada. — “Será dúvida?” — requeria sempre. A mesma fórmula, usava-a, um
tom, às horas de comer, quando, deixando-se por último, se dirigia afinal à
porta-da-cozinha, para receber seu prato feito: — “Será dúvida?” E os meninos
não sabiam aperreá-lo, nem estimá-lo, nem o respeitar diretamente. Os vaqueiros
também não. Riam sério dele.
Aos mais, pessoas chegavam, sendo a véspera. A casa e
o pátio rebuliam fr gente composta.
Também, a cavalo, veio o padre, da Pirapora. O padre estrangeiro, frei
Petroaldo, alimpado e louro, com polainas e culotes debaixo do guarda-pó, com o
cálice e os paramentos nos alforges. Homens seguiam-no, por muitos lugares, um
afã em estradas, para demorar a virtude da séria presença, para ouvirem mais
das primeiras missas. O padre a pôr suas vestimentas direito, e os vaqueiros
voltando do campeio, esses demitiam seus trabalhos, por dois dias. O eirado se
acacheava de burros e cavalos. Num galho da gameleira, see balançava a raspadeira,
pendurada para o pronto. — “Seo Camilo, o senhor dá conta de tirar aquele ferro
ali, para mim?” — “Com certeza.” No aparecer a cavalgata do padre, a mando de
Manuelzão o Promitivo tinha soltado seguidos três foguetes. A voz do povo
levantou um louvor, prazeroso. Via-se, quanto se via, era mais gente, aquela
chegança, que modo que sombras. Gente sem desordem, capazes de muito tempo calados, mesmo não tinham viso
para as surpresas. Apartavam-se em grupos. Mas se reconheciam, se aceitando sem
estranhice, feito diversos gados, quando encurralados de repente juntos. Todos
queriam a festa. Manuelzão se esquecia do pé doente, desejava conversar os
sublimes com o padre, que o padre fosse servido pelas mulheres, tomasse café,
com muito conforto. Mas o padre não apresentava um encoberto de ser, nenhum ar
de prestígios e penitências, que a gente estremecesse. Era um padre com
sanguínea saúde, diabo de moço, muito prático em todos os atos, de certo já
acostumado com essas andadas no sertão, e que tudo fazia como por firme ofício
— somente indagava quantas crianças havia de ter ali, de bom batizar, quantos
homens e mulheres morando em par, para irem logo no sacramento — e diligenciava
de não perder tempo nenhum; o mais seria depois. Para ele o povo minúcio
olhava; constantemente estavam se lembrando de Deus.
Uma Estória de Amor
(Festa de Manuelzão)
em Corpo de Baile I
José Olympio. Rio de Janeiro.
1ª edição. 1956.