domingo, 3 de março de 2013

EMANUEL E FEDERICO


Como podia, o velho Camilo ajudava. — “Minha gente, vães desapear, samo’ chegar!” — convocava Manuelzão, acolhendo os forasteiros. Sem um sorriso, sem se ressair, o velho Camilo oferecia auxílio, no desarrearem a montada. —  “Será dúvida?” —  requeria sempre. A mesma fórmula, usava-a, um tom, às horas de comer, quando, deixando-se por último, se dirigia afinal à porta-da-cozinha, para receber seu prato feito: — “Será dúvida?” E os meninos não sabiam aperreá-lo, nem estimá-lo, nem o respeitar diretamente. Os vaqueiros também não. Riam sério dele.

Aos mais, pessoas chegavam, sendo a véspera. A casa e o pátio rebuliam  fr gente composta. Também, a cavalo, veio o padre, da Pirapora. O padre estrangeiro, frei Petroaldo, alimpado e louro, com polainas e culotes debaixo do guarda-pó, com o cálice e os paramentos nos alforges. Homens seguiam-no, por muitos lugares, um afã em estradas, para demorar a virtude da séria presença, para ouvirem mais das primeiras missas. O padre a pôr suas vestimentas direito, e os vaqueiros voltando do campeio, esses demitiam seus trabalhos, por dois dias. O eirado se acacheava de burros e cavalos. Num galho da gameleira, see balançava a raspadeira, pendurada para o pronto. — “Seo Camilo, o senhor dá conta de tirar aquele ferro ali, para mim?” — “Com certeza.” No aparecer a cavalgata do padre, a mando de Manuelzão o Promitivo tinha soltado seguidos três foguetes. A voz do povo levantou um louvor, prazeroso. Via-se, quanto se via, era mais gente, aquela chegança, que modo que sombras. Gente sem desordem, capazes de  muito tempo calados, mesmo não tinham viso para as surpresas. Apartavam-se em grupos. Mas se reconheciam, se aceitando sem estranhice, feito diversos gados, quando encurralados de repente juntos. Todos queriam a festa. Manuelzão se esquecia do pé doente, desejava conversar os sublimes com o padre, que o padre fosse servido pelas mulheres, tomasse café, com muito conforto. Mas o padre não apresentava um encoberto de ser, nenhum ar de prestígios e penitências, que a gente estremecesse. Era um padre com sanguínea saúde, diabo de moço, muito prático em todos os atos, de certo já acostumado com essas andadas no sertão, e que tudo fazia como por firme ofício — somente indagava quantas crianças havia de ter ali, de bom batizar, quantos homens e mulheres morando em par, para irem logo no sacramento — e diligenciava de não perder tempo nenhum; o mais seria depois. Para ele o povo minúcio olhava; constantemente estavam se lembrando de Deus.


Uma Estória de Amor
(Festa de Manuelzão)
em Corpo de Baile I         
José Olympio. Rio de Janeiro.

1ª edição. 1956.