domingo, 3 de fevereiro de 2013

HISTÓRIA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA



Ele propunha a criação do imposto de renda, cujos recursos seriam inteiramente aplicados à educação; somado ao das bebidas alcoólicas, que também sugeria, os dois impostos produziriam 200 mil contos anualmente. A Gazeta, de São Paulo, acusou-o de estar promovendo, com a extinção do analfabetismo, a destruição da agricultura nacional, porque “só o analfabeto é que trabalha no campo; dessa forma, respondia Miguel Couto, o Brasil estava sofrendo de uma nova carência: a carência de analfabetos. Chegava, pois, oportunamente a segunda edição do Espírito do Nosso Tempo, no qual Gilberto Amado denunciava a onda reacionária que parecia então predominar:

A Escolástica procura substituir a Enciclopédia no domínio dos espíritos. Voltaire e Rousseau são abatidos, enquanto Santo Tomás de Aquino é exaltado (...) Enfim, o que define, o que caracteriza  espírito do nosso tempo é, na ordem mental propriamente dita — a reação contra a ciência e suas aplicações, contra o método experimental, contra o método histórico, contra o século XIX enfim; e na ordem social (...) a reação contra a Revolução Francesa, contra o liberalismo político e econômico, suas conseqüências e desenvolvimentos.

O Brasil devia seguir o modelo proposto pela democracia norte-americana:

Em tudo ela nos dá a lição que nos convém, mesmo nas suas limitações. Nela e nas suas projeções ocidentais, nessa hipertrofia prática da Europa,     a América do Norte, é que estão os exemplos e modelos a seguir. A Europa nos dá a lição da intensidade. A América do Norte, pelo poder criador, é uma Europa de vinte anos. Infiltremos no nosso sangue o mesmo espírito de criação(...). Não é bom brasileiro aquele que se contenta, que se satisfaz com o que existe no campo econômico quando a nossa riqueza é uma esperança ainda escondida no fundo da terra, e com o que existe no campo político-social, quando a organização do país está ainda por fazer. Se os americanos do Norte tivessem esse mesmo sentir o peito lhes inchasse ao constituir ao constituir a sua República, numa fartura pletórica , numa satisfação inundante, não seriam hoje o que são.

Nem todos concordavam com essas indicações; discursando na Assembléia Constituinte, a 20 de dezembro, dizia, por exemplo, o deputado Agamênon Magalhães: “Pergunto à Assembléia se os escritores citados pelo nobre colega [Levi Carneiro], todos eles americanos, que defendem a doutrina americana contra a crítica dos tratadistas franceses; pergunto a V. Exa., Sr. Presidente, se essa crítica parcial, oposta à européia, não tem a eiva de suspeição?”

A Constituinte conseguira afinal reunir-se, malgrado o atraso imposto pela revolta paulista do ano anterior, cuja futilidade o presidente Getúlio Vargas não deixou de acentuar, a 15 de novembro, no discurso solene de instalação:

Decretado o Código Eleitoral, seguiram-se todos os atos indispensáveis à execução rápida do alistamento, marcando-se até o dia para a eleição dos Constituintes. Comprova a sinceridade das deliberações e providências tomadas o fato e se ter realizado o pleito na data previamente estabelecida, apesar de perturbada a tranqüilidade do país, durante três longos meses.

Mas, já era evidente, a essa altura, que a Segunda República não queria sucumbir, como a Primeira, aos encantos da “ilusão americana” em nenhum dos seus aspectos. Assim, por exemplo, aparteando o deputado Guaraci Silveira, que falava sobre a questão religiosa, exclamava a 13 de dezembro, exclamava a 13 de dezembro o seu colega por São Paulo, Plínio Correia de Oliveira: “E se V. Exa. apresentar emenda proibindo o cinema no Brasil, terá o meu voto”, — “cinema” significando então, claro está, as produções de Hollywood. É outro “pequeno fato significativo”, confirmado, em plano mais severo, pelos debates ideológicos da época.


Wílson Martins
História da Inteligência Brasileira
vol. VII    (1933-1960)
Cultrix. Editora da Universidade  de São Paulo.
1ª edição. 1979.