Como
nos romances de Cavalaria, enumera, em vésperas de batalha, os guerreiros, cada
qual com a sua característica. Apenas uma transcrição, entre muitas que
poderíamos fazer.
“Para
que relembrar, divulgar dum e dum, dar resenhas? Do Dimas Doido — que xingava
nomes até a galho de árvore que em cara dele espanejasse, ou até algum
mosquitinho chupador. Do Diodolfo — mexendo os beiços num bisbis: que era que
sem preguiça nenhuma rezava baixo, ou repetia coisas de mal, da vida alheia,
conversando com si-mesmo. Do Suzarte. tomando olhos de tudo, chão, árvores,
poeiras e estilos de vento, para guardar em sua memória aqueles lugares em léu.
Do Salústio João em ancas de seu burro; e do Araruta — de toda confiança: esse
homem já tinha para mais de umas cem mortes. Do Jiribibe que a recorrer, da
guia à culatra, por necessidade de cada coisa ouvir, recontar e saber. Ou do
Feliciano que abria muito o olho são, para melhor entender o que a gente dizia? Tuscaninho Caramé, que
cantava, bonita voz, alguma cantiga sentimental. João Concliz, dobrando um
assovio comprido sem fim, como esses que são dos tropeiros dos campos goianos?
Ou o José do Ponto com o Jacaré tocando os cargueiros, com sua tralha de
cozinhar...””
Confrontemos
com a enumeração que Francisco de Morais fez dos cavaleiros cristãos, antes da
batalha contra os turcos:
“O
príncipe Beraldo e Onistaldo, seu irmão,
tiraram armas de ouro manchadas de negro, fojos do mesmo ouro; os elmos da
mesma sorte. Polinardo e Francião saíram de verde e roxo, cortadas as cores em
tiras, metidas umas por outras, em campo verde, mares de prata. Blandidon e
Frisol tiraram as suas de amarelo e negro, à maneira de cunhas, e nos escudos
em campo amarelo grifos negros cravados com rosas de ouro. Pompides e Platu
traziam armas de verde compostas de
esperança; nos escudos em campo verde, touros brancos que desta devisa se
pagava muito Pompides. O príncipe Graciano e Goarim, seu irmão, vieram de
branco e verde, as cores extremadas com cordões de ouro, nos escudos em campo
branco mares de verde compostos de boninas de muitas cores. Rosamonte e
Belizarte vieram de vermelho sem nenhuma outra mistura, nos escudos em campo
sanguíneo e esperança morta, como quem já não a havia mister.” (Cap. CLXV — Palmeirim de Inglaterra).
O
encontro com o povo dos catrumanos, na região inhóspita é episódio de freqüente
correspondência em romances de cavalaria; lembremos a Ilha Encantada onde
esteve Clarimundo; a aventura do homem que ia na cadeira, de Percival e
Lancelote.
Finalmente
o clímax. Alta noite, Riobaldo vai procurar o Demo, e o capeta não aparece.
Dali em diante, começa uma demanda medieval, a luta de Deus contra o Diabo,
representado pelos “judas”. Não veio o demônio porque Deus estava com o
guerreiro. Tanto que ele pronuncia as palavras sagradas que afugentam Satanás e
nada acontece. Mas os cavalos passam a adivinhar que Riobaldo, agora, é homem
sobrenatural, conserva o cheiro de quem o diabo farejou: aquele gateado,
formoso, de imponência e brio, que se abaixa diante dele, depois de quase bolear
com o dono, era do diabo e, por isso, gateado. Empina violentamente, mas
Riobaldo lhe diz o nome: Barzabu. E
porque havia adquirido ascendência sobre o diabo, porque deixara de temê-lo,
altas horas na encruzilhada, o cavalo se submete, aceita que o dono lhe mude o
nome para Siruiz, manso, doce nome do poeta da neblina.
Assumindo
a chefia do bando, é necessário resolver aonde ir, que fazer. Deixa os
companheiros, galga um itambé de pedra, muito lisa, e ali pensa. Meio Amadis de
Gaula, meio Moisés. “O que eu carecia era de uns instantes sempre meus, para
estribar meu uso. Fiquei lá, um tempo. Quando desci, umas coisas eu resolvia.”
M.
Cavalcanti Proença
Trilhas
no Grande Sertão
Os
Cadernos de Cultura 114.
Departamento
de Imprensa Nacional.
Rio
de Janeiro. 1958.