quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
IMPERADOR DA LÍNGUA PORTUGUESA
E
se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão
desenganado da pregação, como vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho,
e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.
Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo, que saiu o pregador evangélico a semear a
palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. Não só faz menção do
semear, mas faz também caso de sair: Exiit,
porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura, e hão nos de contar os
passos. O mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz o que despendeis com
ele, nem vos paga o que andais. Deus não é assim. Para quem lavra com Deus até
o sair é semear, porque também das passadas colhe fruto. Entre os semeadores do
Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem
a semear, são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão: os que semeiam sem
sair, são os que se contentam com pregar na pátria. Todos terão sua razão, mas
tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura: aos
que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura, e hão-lhes de
contar os passos. Ah dia do juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá,
com mais passos: Exiit seminare.
Mas
daqui mesmo vejo que notais (e me notais) que diz Cristo que o semeador do
Evangelho saiu, porém não diz que tornou, porque os pregadores evangélicos, os
homens que professam pregar e propagar a fé, é bem que saiam, mas não é bem que
tornem. Aqueles animais de Ezequiel, que tiravam pelo triunfal da glória de
Deus, e significavam os pregadores do Evangelho, que propriedades tinham? Nec revertebantur, cum ambularent: Uma
vez iam não tornavam. As rédeas por que se governavam era o ímpeto do espírito,
como diz o mesmo texto; mas esse espírito tinha impulsos para os levar, não
tinha regresso para os trazer; porque sair para tornar, melhor é não sair.
Assim argüis com muita razão, e eu também assim o digo. Mas pergunto: E se esse
semeador evangélico quando saiu, achasse o campo tomado; se se armassem contra
ele os espinhos; se se levantassem contra ele as pedras, e se lhe fechassem os
caminhos, que havia de fazer?
Padre
Antônio Vieira
Sermão
da Sexagésima
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
NÃO É MOTOR DE TUDO E NOSSA ÚNICA / FONTE DE LUZ NA LUZ DE SUA TÚNICA?
POEMA EM FORMA DE CARTA
Quanto tempo custa a um analfabeto
empregar corretamente genitália?
Quantos textos um homem de letras
precisa escrever para usar boceta?
Quantas primaveras uma menina leva
para saltar a palavra perereca?
Quando se perde a virgindade do poema?
Por que tamanha tara pela metáfora?
Por que falar leque, búzio, flor?
A xoxota não cabe no ventre do poema?
Como arrancar o cabaço da imagem?
A musa tem orgasmo, menstrua, urina?
Como ela se refere ao próprio sexo?
Entre mulheres importa o tamanho da vagina?
No amor é possível sussurrar clitóris?
Estou cansado de tanto engenho
dos ginecologistas da língua,
das propagandas de absorvente.
Por que essa palavra entre os dentes?
Não existe um ponto intermediário
onde se fundem o som e o sentido?
Onde se fodem baixo calão e dicionário?
Quantas perguntas sem resposta,
Leitor, perdoe esse perverso polimorfo,
que recifra em sêmen, em verso, em prosa,
o inexplicável lirismo da xoxota.
Augusto Massi
mais!, Folha de São Paulo, p.5,
20/07/97.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
MINHA TERRA TEM PALMEIRAS
Outra circunstância ou condição favoreceu o português,
tanto quanto a miscibilidade e mobilidade, na conquista de terras e no domínio
de povos tropicais: a aclimatabilidade.
Nas condições físicas de solo e de temperatura,
Portugal é antes África do que Europa. O chamado “clima português” de Martone,
único na Europa, é um clima aproximado do africano. Estava assim o português
predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos: seu
deslocamento para as regiões quentes da Europa não traria as graves
perturbações da adaptação nem as profundas dificuldades de aclimatação
experimentadas pelos colonizadores vindos de países de clima frio.
Por mais que Gregory insista em negar ao clima
tropical a tendência para produzir per se
sobre o europeu do Norte efeitos de degeneração, recordando ter Elkington
verificado em 1922 na colônia holandesa de Kissav, fundada em 1783, condições
satisfatórias de salubridade e prosperidade, sem nenhuma evidência de
degeneração física (“obvious evidence of
physical degeneration”) entre os colonos louros, grande é a massa de
evidências que parecem favorecer o ponto de vista contrário: o daqueles que
pensam revelar o nórdico fraca ou nenhuma aclimatabilidade nos trópicos. O
professor Oliveira Viana, desprezando com extrema parcialidade depoimentos como
os de Elkington e Gregory, aos quais nem sequer alude, reuniu contra a
pretendida capacidade de adaptação dos nórdicos aos climas tropicais o
testemunho de alguns dos melhores especialistas modernos em assunto de
climatologia e antropogeografia: Taylor, Glenn Trewarka, Huntington, Karl
Sapper. Deste cita o sociólogo brasileiro expressivo juízo sobre os esforços
colonizadores dos europeus do Norte nos trópicos:
Os europeus
do Norte não têm conseguido constituir, nos planaltos tropicais, senão
estabelecimentos temporários. Eles têm tentado organizar, nestas regiões, uma
sociedade permanente, de base agrícola, em que o colono viva do seu próprio
trabalho manual; mas em todas essas tentativas têm fracassado.
Mas é Taylor, talvez, aquele dentre os antropólogos
cujas conclusões se contrapõem com mais força e atualidade às de Gregory. Antes
dos estudos de Taylor e de Huntington, de Antropogeografia e Antropologia
Cultural e dos de Dexter, de Climatologia, já Benjamin Kidd observara quanto à
aclimatação dos europeus do Norte nos trópicos: “todas as experiências nesse
sentido têm sido vãos e inúteis esforços desde logo destinados a fracasso (“foredoomed to failure”). E Mayo Smith
concluíra do ponto de vista da estatística aplicada à Sociologia: “As nossas
estatísticas não são suficientemente exatas para indicarem ser impossível
aclimatar-se permanentemente o europeu nos trópicos, mas mostram ser isto
extremamente difícil.”
Gilberto Freyre
Casa-Grande & Senzala
sábado, 23 de fevereiro de 2013
DE DIANTE PRA TRÁS
─ O
senhor supute: lado a lado, somando, derramavam de ser os trezentos e tantos — reinando
ao estral de ser jagunços... Teria restado mais algum trabuco simples nos
Gerais? Não tinha. E ali era para s confirmar coragem contra coragem, à rasga
de se destruír a toda munição. Dessa guisa enrolada: como que lavrar uma guerra
de dentro e outra de fora, cada um cercado e cercando. Recompor aquilo, no
final. Só com a vitória. Duvidei não. Nasci para ser. Esbarrando aquele
momento, era eu, sobrevez, por todos, eu enorme, que era, o que mais alto se
realçava. E conheci: ofício de destino meu, real, era o de não ter medo. Ter
medo nenhum. Tão tive! Não tivesse, e tudo se desmanchava delicado para
distante de mim, pelo meu vencer: ilha em águas claras... Conheci. Enchi minha
história. Até que, nisso, alguém se riu de mim, como que escutei. O que era um
riso escondido, tão exato em mim, como o meu mesmo, atabafado. Donde
desconfiei. Não pensei no que não queria pensar; e certifiquei que isso era
idéia falsa próxima; e, então, eu ia denunciar nome, dar a cita: ...Satanão!
Sujo!... e dele disse somente — S... —
Sertão... Sertão...
Na
meia-detença, ouvi um limpado de garganta. —Virei para trás. Só era o cego
Borromeu, que moveu os braços e as mãos; feio, feito negro que
—
“Você é o Sertão?!”
—
“Ossenhor perfeitamém, ossenhor perfeitamém... — ele retorquiu.
—
“Voxe, uai! Não entendo...” — tartamelei.
Gago,
não: gagaz. Conforme que, quando ia principiar a falar, pressenti que a língua
estremecia para trás, e igual assim todas as partes de minha cara, que tremiam
— dos beiços, nas faces, até na ponta do nariz e do queixo. Mas me fiz. Que o
ato do medo não tive. Mandei o cego se sentar, e ele obedeceu, ele estava no
aparvoado; mas não se abancando no banco; que melhor se agachou, ficou
agachado. Riu, de me dar nojo. Mas nojo medo é,
é não? Destemor maior Deus não me desse, segundo retornei para a praça
da janela, donde eu dava e mandava. Sobreolhava. Ah, mauser e winchester, que
assoviamzinho sutil. E chio de espingardão velho antigo. Chumbeou. Há-de
varavam. Como refiro, que também eu não persistia ali aparte de tudo,
desperdício; mais antes: quem se avultasse, baqueava... Carabina.
Sucinto
que se passou, horas tantas, estalos e estrondos estouros, sotrançando no
chicotear das balas-balas, sempre disso. Sempremente. Ao constante que eu
estive copiando o meu destino. Mas, como vou contar ao senhor?Ao que narro,
assim refrio, e esvaziado, luiz-e-silva. O senhor não sabe, o senhor não vê.
Conto o que fiz? O senhor adjaz. Que eu manejava na mira. Dava, dava. E que não
pronunciei insultos e gritos, mesmo porque minha boca, a modo que naquele
preciso tremor, me mal-obedecia. Sapateei, em vez, bati pé de pilão nas tábuas
do assoalho tão surdo — o senhor é capaz que escute, como eu escutei? E que o
furor da guerra, lá fora, lá em baixo, tomava certa conta de mim que a quase eu
deixava de dar fé dor-de-cabeça, que
forte me doía, que doesse vindo do céu da boca, conforme desde, aos poucos, que
o fogo tinha começado. E que água não provei bebida, nem cigarro pitei.
Esperançando meu destino: desgraça de mim! Eu! Eu...
Como
vou contar, e o senhor sentir em meu estado? O senhor sobrenasceu lá? O senhor
mordeu aquilo? O senhor conheceu Diadorim, meu senhor?!... Ah, o senhor que
morte é choro e sofisma — terra funda e ossos quietos... O senhor havia de
conceber alguém aurorear de todo amor e morrer como só para um. O senhor devia
de ver homens à mão-tente se matando a crer, com babas raivas! Ou a arte de um:
tá-tá, tiro — e o outro vir na fumaça, de à-faca, de re “pelo: quando o que já
defunto era quem mais matava... O senhor... Me dê um silêncio. Eu vou contar.
Tudo
estava tão pendurado para o fim... Derradeiro ainda foi, que eu virei para
trás, para repreender o cego Borromeu; e que eu estava com dormente dor, nos
braços. Sem-ordem daquele cego, estúrdio, agachado lá, cocoral. Só fez que
disse, bronco: — “Quem me dê um de-comer?” Respondi ralhei. Ah, há-de-o,
singular ficasse, mesmo ali, mascando fumo grosso e cuspindo amarelo e preto...
Dei num suor. Vozeiro dele, então, de repente: que principiou a cantar, ele
estava cantando um louvado...
João
Guimarães Rosa
Grande
Sertão: Veredas
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
UM APRENDIZ DE FEITICEIRO
POEMA
DA MULHER MORENA
O
homem que se casar
com
a mulher morena
ansiará
sempre, sempre,
pela
brancura de sua carne.
Mas
quando estiver com ela,
deitado
em sua cama,
uma
única paisagem —
de
negros cactos e areias —
afogueará
seus olhos.
1960
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
OTELO E SANT'IAGO
CAPITU
De
repente ouvi bradar uma voz de dentro da casa ao pé:
—
Capitu!
E
no quintal:
—
Mamãe!
E
outra vez na casa:
—
Vem cá!
Não
me pude conter. As pernas desceram-me is três os três degraus que davam para a
chácara, e caminharam para o quintal vizinho. Era costume delas, às tardes, e
às manhãs também. Que as pernas também são pessoas, apenas inferiores aos
braços e valem de si mesmas, quando a cabeça não as rege por meio de idéias. As
minhas chegaram ao pé do muro. Havia ali uma porta de comunicação mandada
rasgar por minha mãe, quando Capitu e eu éramos pequenos. A porta não tinha
chave nem taramela; abria-se empurrando de um lado ou puxando de outro, e
fechava-se ao peso de uma pedra pendente de uma corda. Era quase que exclusivamente nossa. Em crianças, fazíamos visitas batendo
de um lado, e sendo recebidos do outro com muitas mesuras. Quando as bonecas de
Capitu adoeciam, o médico era eu. Entrava no quintal dela com um pau debaixo do
braço, para imitar o bengalão do doutor João da Costa; tomava o pulso à doente,
e pedia-lhe que mostrasse a língua. “É surda, coitada!”, exclamava Capitu.
Então eu coçava o queixo, como o doutor, e acabava aplicar-lhe umas
sanguessugas ou dar-lhe um vomitório: era a terapêutica habitual do médico.
— Capitu.
— Mamãe!
— Deixa de estar esburacando o muro; vem cá.
A
voz da mãe era agora mais perto, como se viesse já da porta dos fundos. Quis
passar ao quintal, mas as pernas, há pouco tão andarilhas, pareciam agora
presas ao chão. Afinal fiz um esforço, empurrei a porta, e entrei.. Capitu
estava ao pé do muro fronteiro, voltado para ele, riscando com um prego. O
rumor da porta fê-la olhar para trás; ao dar comigo, encostou-se ao muro, como
se quisesse esconder alguma cousa. Caminhei para ela; naturalmente levava o
gesto mudado, porque ela veio a mim, e perguntou-me inquieta:
—
Que é que você tem?
—
Eu? Nada.
—
Nada, não; você tem alguma cousa.
Quis
insistir que nada, mas não achei língua.
Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza,
pela boca fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos ,
alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à
moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz
reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de
alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem
águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava
sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos.
—
Que é que você tem?, repetiu.
—
Não é nada, balbuciei finalmente.
E
emendei logo:
—
É uma notícia.
—
Notícia de quê?
Pensei
em dizer-lhe que ia entrar para o seminário e espreitar a impressão que lhe
faria. Se a consternasse é que realmente gostava de mim; se não, é que não
gostava. Mas todo esse cálculo foi obscuro e rápido, senti que não poderia
falar claramente, tinha agora a vista não sei como...
—
Então?
—Você
sabe...
Nisto
olhei para o muro, o lugar em que ela estivera riscando, escrevendo ou
esburacando, como dissera a mãe. Vi uns riscos abertos, e lembrou-me o gesto
que ela fizera para cobri-los. Então quis vê-los de perto, e dei um passo.
Capitu agarrou-me, mas, ou por temer que eu acabasse fugindo, ou por negar de
outra maneira, correu adiante e apagou o escrito. Foi o mesmo que acender em
mim o desejo de ler o que era.
Machado
de Assis
Dom
Casmurro
HISTÓRIA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA
Porque,
se Agamenon Magalhães e Plínio Correia de Oliveira recusavam o modelo
norte-americano em nome do socialismo de Direita, havia,ao contrário, quem
desejava encaminhar a Segunda República, em coerência com as suas origens, para
o socialismo de Esquerda. É curioso lembrar que, ao livro de Eduardo Prado,
reeditado nesse ano com prefácio de Augusto Frederico Schmidt, correspondia A Ilusão Brasileira, com prefácio de Lindolfo
Collor, e no qual Américo Palha reuniu a séries dos seus artigos políticos no Diário Carioca. O autor, dizia o
Ministro do Trabalho, fora “um dos mais veementes jornalistas da Aliança
Liberal”, tendo vindo de Pernambuco para o Rio depois da Revolução:
Foi nessas alturas que conheci o autor
deste livro. Era nos primeiros dias do Ministério do Trabalho. Todo mundo tinha
opiniões sobre o que se começava a fazer naquela casa embora se tratasse de
assuntos que quase ninguém conhecia. Falar em sindicalização era, nessa época
(foi ontem e parece que já lá vão dez anos), o mesmo, para muita gente, que
fazer profissão de fé comunista. Para os que tinham interesses em jogo, tudo
quanto se começava a tentar estava errado. Não havia horários de trabalho? Nem
garantias de salários? Nem direitos de aposentadoria, fora dos ferroviários e
portuários? Nem como contratar coletivamente com os patrões? Que importava
isso? Que importava que, em tal fábrica, homens, mulheres e crianças
trabalhassem dez ou doze horas a fio, a salários incertos, privados de higiene
e sem nenhuma segurança sobre o dia de amanhã? Por acaso, desde que existem
fábricas no Brasil, não fora sempre assim? Por que inventar, agora, essas
questões?
(Encarado
como comunista, Lindolfo Collor sofria a hostilidade dos intelectuais de
Direita. Virgínio Santa Rosa, por exemplo, que manifestava inequívocas
simpatias pelo Integralismo (cf., no volume coletivo Plínio Salgado, o seu artigo “A Personalidade de Plínio Salgado”,
escrito em agosto de 1933 e expressamente ampliado para figurar na coletânea),
via no Ministro do Trabalho apenas um “bom moço, vestindo boas roupas” e que, desejando “ardentemente a simpatia dos
homens rudes do trabalho”, não ousava, contudo, “desgostar os magnatas da
indústria e do comércio”: “Homem sem convicções firmadas, político sem orientação
social definida, legou-nos somente leis precárias e defeituosas, próprias a
aguçar os instintos de poderio e revolta do proletário, sem, ao menos, tentar
saciá-lo” (O Sentido do Tenentismo,
3ª ed., p. 66).
Os
debates ridículos sobre o parlamentarismo e o presidencialismo estavam
superados, continuava ele, acrescentando que Américo Palha era um dos raros
brasileiros a perceber que “o sentido da política dos nossos dias ée
eminentemente social”. De fato, desde 1929 o manifesto da Aliança Liberal proclamara
que a “questão social” existia. Américo Palha dera a todo o volume o título de
um artigo em que respondia a Matos Pimenta, diretor de A Ordem:
A questão social brasileira tem de ser
encarada, estudada e resolvida dentro dos aspectos e das fórmulas puramente
brasileiras. Por isso, não devem os governos, de hoje em diante, tremer diante
do espantalho do comunismo (...). O aspecto mais sério, porém, da questão
social, é sem dúvida, o que concerne à sorte das populações rurais.
Wilson
Martins
História
da Inteligência Brasileira
vol.
VII (1933-1960)
Cultrix.
Editora da Universidade de São Paulo.
São
Paulo, SP
1ª
edição. 1979.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
PANEM NOSTRUM
TORRE
DE OURO
Desta
torre desfraldam-se altaneiras,
Por
sóis de céus imensos broqueladas,
Bandeiras
reais, do azul das madrugadas
E
do íris flamejante das poncheiras.
As
torres de outras regiões primeiras
No
Amor, nas Glórias vãs arrebatadas,
Não
elevam mais alto, desfraldadas,
Bravas,
triunfantes, imortais bandeiras.
São
pavilhões das hostes fugitivas,
Das
guerras acres, sanguinárias, vivas,
Da
luta que os Espíritos ufana.
Estandartes
heróicos, palpitantes,
Vendo
em marcha passar aniquilantes
As
torvas catapultas do Nirvana!
Cruz
e Sousa
Broquéis
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
G. RAMOS
No
dia seguinte, 3 de março, entreguei pela manhã os originais a d. Jeni,
datilógrafa. Ao meio-dia uma parenta me visitou — e este caso insignificante
exerceu grande influência na minha vida, talvez haja desviado o curso dela.
Essa pessoa indiscreta deu-me conselhos e aludiu a crimes vários praticados por
mim. Agradeci e pedi-lhe que me denunciasse, caso ainda não o tivesse feito. A
criatura respondeu-me com quatro pedras na mão e retirou-se. Minha mulher deu
razão a ela e conseguiu arrastar-me a um dos acessos de desespero que ultimamente se amiudavam. Como era
possível trabalhar em semelhante inferno? Nesse ponto surgiu Luccarini. Entrou
sem pedir licença, atarantado, cochichou rapidamente que iam prender-me e era
urgente afastar-me de casa, recebeu um abraço e saíu.
Ótimo.
Num instante decidi-me. Não me arredaria, esperaria tranqüilo que me viessem
buscar. Se quisesse andar alguns metros, chegaria à praia, esconder-me-ia por
detrás de uma duna, lá ficaria em segurança. Se me resolvesse a tomar o bonde,
iria até o fim da linha, saltaria em Bebedouro, passaria o resto do dia a
percorrer aqueles lugares que examinei para escrever o ante-penúltimo capítulo
do romance. Não valia a pena. Expliquei em voz alta que não valia a pena.
Entrei na sala de jantar, abri uma garrafa de aguardente, sentei-me à mesa,
bebi alguns cálices, a monologa, a dar vazão à raiva que me assaltara.
Propriamente não era monólogo: minha mulher replicava com estridência.
Escapava-me a significação da réplica, mas a voz aguda me endoidecia, furava-me
os ouvidos. Não conheço pior tortura que ouvir gritos. Devia existir uma razão
econômica para esse desconchavo: as minhas finanças equilibravam-se com
dificuldade, evitávamos reuniões, festas, passeios. De fato as privações não me
inquietavam. Minha mulher, porém, sentia-se lesada, o que fazia perder os
estribos. De repente um ciúme insensato. A incongruência me arrancava a palavra
dura:
—
Que estupidez!
Naquele
momento a idéia da prisão dava-me quase prazer: via ali um princípio de liberdade.
Eximira-me do parecer, do ofício, da estampilha, dos horríveis cumprimentos ao
deputado e ao senador; iria escapar a outras maçadas, gotas espessas, amargas,
corrosivas. Na verdade suponho que me revelei covarde e egoísta: várias
crianças exigiam sustento, a minha obrigação era permanecer junto a elas,
arranjar-lhes por qualquer meio o indispensável. Desculpava-me afirmando que
isto se havia tornado impossível. Que diabo ia fazer, perseguido, a rolar de um
canto para outro, em sustos, mudando o nome, a barba longa, a reduzir-me, a
endividar-me? Se a vida comum era ruim, essa que Luccarini me oferecera num
sussurro, a tremura e a humilhação constante, dava engulhos. Além disso eu
estava curioso de saber a argüição que armazenariam contra mim. Bebendo
aguardente, imaginava a cara de um juiz, entretinha-me em longo diálogo, e
saía-me perfeitamente, como sucede em todas as conversas interiores que
arquiteto. Uma compensação: nas exteriores sempre me dou mal. Com franqueza,
desejei que na acusação houvesse algum fundamento. E não vejam nisto bazófia ou
mentira: na situação em que me achava justifica-se a insensatez. A cadeia era o
único lugar que me proporcionaria que me proporcionaria o mínimo de
tranqüilidade necessária para corrigir o livro. O meu protagonista se enleara
nesta obsessão; escrever um romance além das grades úmidas e pretas.
Convenci-me de que isto seria fácil: enquanto os homens de roupa zebrada
compusessem botões de punho e caixinhas de tartaruga, eu ficaria largas horas
em silêncio, a consultar dicionários, riscando linhas, metendo entrelinhas nos
papéis datilografados por d. Jeni. Deixar-me-iam ficar até concluir a tarefa?
Afinal a minha pretensão não era tão absurda como parece. Indivíduos tímidos,
preguiçosos, inquietos, de vontade fraca habituam-se ao cárcere. Eu, que não
gosto de andar, nunca vejo a paisagem, passo horas fabricando miudezas,
embrenhando-me em caraminholas, porque não haveria de acostumar-me também? Não
seria mau que achassem nos meus atos algum, involuntário, digno de pena. É
desagradável representarmos o papel de vítima.
—
Coitado!
Graciliano
Ramos
Memórias
do Cárcere
1º
volume.Viagens.
José
Olympio. Rio de Janeiro, RJ.
1ª
edição. 1953.
domingo, 17 de fevereiro de 2013
GR
Como
nos romances de Cavalaria, enumera, em vésperas de batalha, os guerreiros, cada
qual com a sua característica. Apenas uma transcrição, entre muitas que
poderíamos fazer.
“Para
que relembrar, divulgar dum e dum, dar resenhas? Do Dimas Doido — que xingava
nomes até a galho de árvore que em cara dele espanejasse, ou até algum
mosquitinho chupador. Do Diodolfo — mexendo os beiços num bisbis: que era que
sem preguiça nenhuma rezava baixo, ou repetia coisas de mal, da vida alheia,
conversando com si-mesmo. Do Suzarte. tomando olhos de tudo, chão, árvores,
poeiras e estilos de vento, para guardar em sua memória aqueles lugares em léu.
Do Salústio João em ancas de seu burro; e do Araruta — de toda confiança: esse
homem já tinha para mais de umas cem mortes. Do Jiribibe que a recorrer, da
guia à culatra, por necessidade de cada coisa ouvir, recontar e saber. Ou do
Feliciano que abria muito o olho são, para melhor entender o que a gente dizia? Tuscaninho Caramé, que
cantava, bonita voz, alguma cantiga sentimental. João Concliz, dobrando um
assovio comprido sem fim, como esses que são dos tropeiros dos campos goianos?
Ou o José do Ponto com o Jacaré tocando os cargueiros, com sua tralha de
cozinhar...””
Confrontemos
com a enumeração que Francisco de Morais fez dos cavaleiros cristãos, antes da
batalha contra os turcos:
“O
príncipe Beraldo e Onistaldo, seu irmão,
tiraram armas de ouro manchadas de negro, fojos do mesmo ouro; os elmos da
mesma sorte. Polinardo e Francião saíram de verde e roxo, cortadas as cores em
tiras, metidas umas por outras, em campo verde, mares de prata. Blandidon e
Frisol tiraram as suas de amarelo e negro, à maneira de cunhas, e nos escudos
em campo amarelo grifos negros cravados com rosas de ouro. Pompides e Platu
traziam armas de verde compostas de
esperança; nos escudos em campo verde, touros brancos que desta devisa se
pagava muito Pompides. O príncipe Graciano e Goarim, seu irmão, vieram de
branco e verde, as cores extremadas com cordões de ouro, nos escudos em campo
branco mares de verde compostos de boninas de muitas cores. Rosamonte e
Belizarte vieram de vermelho sem nenhuma outra mistura, nos escudos em campo
sanguíneo e esperança morta, como quem já não a havia mister.” (Cap. CLXV — Palmeirim de Inglaterra).
O
encontro com o povo dos catrumanos, na região inhóspita é episódio de freqüente
correspondência em romances de cavalaria; lembremos a Ilha Encantada onde
esteve Clarimundo; a aventura do homem que ia na cadeira, de Percival e
Lancelote.
Finalmente
o clímax. Alta noite, Riobaldo vai procurar o Demo, e o capeta não aparece.
Dali em diante, começa uma demanda medieval, a luta de Deus contra o Diabo,
representado pelos “judas”. Não veio o demônio porque Deus estava com o
guerreiro. Tanto que ele pronuncia as palavras sagradas que afugentam Satanás e
nada acontece. Mas os cavalos passam a adivinhar que Riobaldo, agora, é homem
sobrenatural, conserva o cheiro de quem o diabo farejou: aquele gateado,
formoso, de imponência e brio, que se abaixa diante dele, depois de quase bolear
com o dono, era do diabo e, por isso, gateado. Empina violentamente, mas
Riobaldo lhe diz o nome: Barzabu. E
porque havia adquirido ascendência sobre o diabo, porque deixara de temê-lo,
altas horas na encruzilhada, o cavalo se submete, aceita que o dono lhe mude o
nome para Siruiz, manso, doce nome do poeta da neblina.
Assumindo
a chefia do bando, é necessário resolver aonde ir, que fazer. Deixa os
companheiros, galga um itambé de pedra, muito lisa, e ali pensa. Meio Amadis de
Gaula, meio Moisés. “O que eu carecia era de uns instantes sempre meus, para
estribar meu uso. Fiquei lá, um tempo. Quando desci, umas coisas eu resolvia.”
M.
Cavalcanti Proença
Trilhas
no Grande Sertão
Os
Cadernos de Cultura 114.
Departamento
de Imprensa Nacional.
Rio
de Janeiro. 1958.
sábado, 16 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013
MACHADO
Nas dobras da caricatura, na retificação de
Schopenhauer, ao ultrapassar o alteísmo
teológico do panteísmo de Spinoza, sob a máscara pedante de Pangloss, há o
mundo sem Deus, sem tragédia e sem dor, O mysterium
tremendum perde o sentido ante a degradação da criatura, bicho entre bichos, enfermidade da crosta terrestre,
que se abisma no mar, indiferente à sorte do homem. A alegria do mar, com suas
marés inquietas e com seu regaço profundo, ilusão e esperança da epopéia lusa
de outrora, explica o mundo, devora a divindade e amesquinha a sombra que
percorre a terra. “Venha para o Humanitismo; ele é o grande regaço dos
espíritos, o mar eterno com que mergulhei para arrancar de lá a verde” (M. P.
CIX. Dois caminhos conduzem ao mar: a redução das coisas múltiplas a uma só
realidade a identificação do mundo a Deus e não de Deus ao mundo. Neste último
passo , há o vestígio de Deus teísta, apagado pela fé evanescente. Ao
confrontar a divindade e o mundo, opondo-se ao teísmo e ao ateísmo, vibra na
corda mais íntima do panteísta e do monista, um fator irracional,
dessacralizado, contra o centro religioso do universo. A vontade, Pandora ou a
natureza, movidas por um impulso ativo e permanente, sugere sua entidade
metamorfoseada, entidade criada com os pressupostos renovados da teologia. Em
lugar de Deus, com sua aparência e noutra essência, há um demônio sombrio e
atuante, coado sob a luz de valores cristãos. O centro da filosofia será o pandemonismo, o que com uma vela ilumina
o velhoo humanismo filosófico, com outra mal clareia o mal, selvagem e
terrível, que a inversão, que a inversão pacificadora e exótica na substância
original superará e anulará. O Proteu, reduzindo o múltiplo ao uno, esvazia o
uno de sua cor religiosa, não se aproximando, na sua ética, da religião da
humanidade, outra corrente pseudo-religiosa do século XIX. Por atalhos de
índole sistemática, ele se desvia da comunidade cristã e da sociedade fraterna,
parra buscar um túmulo além dos homens e da divindade. Filosofia, na verdade,
de um momento que perdeu a fé, mas não se desprendeu dos valores que incendeiam
a fé, invertendo apenas seus pressupostas.
O demoníaco não se confunde com o diabólico, lembrava
Goethe, mas a passagem do primeiro ao segundo, representa a expressão
individual d realidade superior. O demoníaco é a energia, que está fora do
alcance da razão, penetrando a natureza toda, no mundo visível e no invisível.
Napoleão estaria dotado de força demoníaca, mas Mefistófeles, e espírito que
nega, é apenas diabólico. A terrível presença do demoníaco freqüenta os homens,
colocando-os fora do bem e do mal, desgarrando-se no diabolismo, com a
valorização do pecado, racionalizando as forças da natureza, sem amor às
virtudes. Para ajustar o homem e o mundo ao elã que mora em todas as coisas,
nada mais natural que a inversão ética da velha teologia. Quincas Borba já
havia acentuado que a inveja e o homicídio são passos indiferentes na jornada
de Humanitas. Mas além da virada
ética, o demonismo, para configurar o diabólico, vai à própria criação do
mundo, retificando o Gênese. Deus e o
Diabo colaboram na obra comum, com a significativa primazia do segundo, embora
atue com permissão do altíssimo. “Em primeiro lugar, não foi Deus que criou o
mundo, foi o Diabo... Foi o Tinhoso que criou o mundo; mas Deus, que lhe leu no
pensamento, deixou-lhe as mãos livres, cuidando somente de corrigir ou atenuar
a obra, a fim de que ao próprio mal não ficasse a desesperança de salvação ou
do benefício” (V. H., Adão e Eva).
Mais tarde, o cantor sem voz Marcolini, depois de muito vinho, volta ao tema, diante
de D. Casmurro atônito. Na grande ópera da vida, “Deus é o poeta. A música é de
Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival
de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerara a precedência que eles tinham na
distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e
mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio ao seu
gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e
ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não
houvesse escrito um libreto de ópera, do qual abrira mão, por entender que tal
gênero de recreio era impróprio de sua eternidade. Satanás levou o manuscrito
consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros ─ e
acaso para reconciliar-se com o céu ─ compôs a partitura, e logo que acabou foi
levá-la ao Padre Eterno” (D. C., IX). A recusa do Padre Eterno em ouvir a
música explica os desconcertos “ que a
audiência prévia e a colaboração amiga teriam evitado. Com efeito, há lugares
em que o verso vai para a direita e a música para a esquerda. Não falta quem
diga que nisso mesmo está a beleza da composição, fugindo à monotonia, e assim
explica o terceto do Éden. a ária de Abel, os coros da guilhotina e da escravidão”.
Raymundo Faoro
Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio
Globo. Rio de Janeiro.
3ª edição. 1988.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
OS NOVOS INCONFIDENTES
APOSENTADORIAS (cont.)
Paulo Gomes dos Santos
Paulo Israel Singer
Paulo Macário da Silva
Paulo Mendes da Rocha
Paulo Réglus Neves Freire
Paulo Roberto de Araújo França
Paulo Rodolfo de Rangel Moreira
Paulo Sérgio Mauá
Paulo Walker da Silva
Paulo Xavier dos Santos
Pedro Calil Padis
Pedro Carvalho
Pedro de Alcântara Pimenta de Oliveira
Pedro Eloy Fritsch
Pedro Gomes
Pedro Milário dos Santos
Pedro Moreno Gondim
Pedro Parafita de Bessa
Pedro Paulo Santos Moreira Mello Carvalho
Pedro Paulo Stumpf Filho
Pedro Rocha Damasceno
Pedro Rodrigues de Souza
Pelópidas Silveira
Periano da Cruz
Pery Constant Bevilácqua
Pery da Rocha França
Pierre da Costa e Silva
Plauto Antônio da Silva Pinto
Plínio Monteiro Soares
Plínio Sussekind da Rocha
Pompeu da Silva Oliveira
Querubino Dial Leão
Quirino Campofiorito
Rafael Gomes de Oliveira
Rafael Rastelli
Raimundo Antônio da Costa Jinkings
Raimundo Celestino da Costa
Raimundo de Moura Rego
Raimundo Dias de Souza
Raimundo Fabiano Teixeira Ribeiro
Raimundo Girard Barros da Silva
Raimundo Nonato de Araújo
Raimundo Olavo da Silva Araújo
Raimundo Plácido de Araújo
Raimundo Rocha Leal
Raul Décio de Belém Miguel
Raul Guimarães Estruc
Raul José de Sá Barbosa
Raul Schmidt
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
OS INCONFIDENTES
ADIÇÕES AO AUTO DE CORPO DE DELITO
JUNTADA
Aos quinze dias do mês de junho de mil setecentos e
oitenta e nove, nesta Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e casa
da residência do Doutor Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, Ouvidor
Geral e Corregedor desta Comarca, onde eu, Escrivão ao diante nomeado, vim, e
sendo aí, por ele dito Ministro me foi entregue a Portaria do Ilustríssimo e Excelentíssimo
Senhor Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-General desta Capitania, na
qual determina fiquem por cópia nesta Devassa as duas cartas de que a mesma
Portaria faz menção, as quais logo trasladei, cujas cópias e dita Portaria são
as que ao diante se seguem. E para assim constar, lavrei este termo. E eu, o
Bacharel José Caetano César Manitti, Escrivão
nomeado, o escrevi.
PORTARIA DO ILUSTRÍSSIMO E EXCELENTÍSSIMO VISCONDE DE
BARBACENA; VILA RICA l4-06-1789.
V. Mcê. virá receber da minha mão a carta de D. Joana
de Meneses, a que se refere o Cel. Francisco Antônio de Oliveira Lopes na sua
representação ou denúncia de 19 do mês passado, com outra de seu primo, o
Sargento-Mor Joaquim Pedro da Câmara que a acompanha e reconhece, para as
juntar por cópias autênticas do Escrivão da diligência, conferidas com Vossa
Mercê, ao auto em que se achar a mesma denúncia. E depois me restituirá as
ditas cartas originais porque as pretendo remeter, com outras informações à
Secretaria de Estado desta Repartição.
Também receberá os documentos da informação que (eu) tinha mandado fazer em Carijós sobre
o motivo e contexto da carta que o Vigário de São José escreveu em casa do
Mestre de Campo Inácio Correia Pamplona, segundo este declarou no Termo de
Ratificação e Juramento em sua denúncia, para serem apensos ao sobredito auto
ou à Devassa.
Deus guarde a V. Mcê.
Vila Rica, 14 de junho de 1789.
Visconde de
Barbacena
Sr. Des. Ouv. Geral e Corregedor Pedro José Araújo de
Saldanha
EMANUEL E FEDERICO
A
Samarra ia virando uma fazenda, e toda fazenda abrigava um coitado desses,
raramente mais de um. Porquanto eles entre si geravam ódio atreitos à tonta
ciumeira. Ali mesmo primeiro tinha vindo um mulato surdo-mudo, a quem não se
sabia chamar de que nome — como se descobrir a graça de um surdo-mudo?
Chamaram-no então de José de Deus. E esse um era irritadiço e mandrião, mesmo
sendo como sendo moço de porte, com arcado para trabalhar; por isso todos
aconselharam Manuelzão a que o acertasse na lida mandada, bem podia. Mas,
quando assim a nora de Manuelzão lhe deu a entender, o surdo-mudo se enfureceu,
e rompeu embora, para o outro lado do rio, e daí para o real longe, a ponto de
dele nunca mais se saber. Fora-se gesticulando, aos gungos e guinchos,
entendendo-se dissesse que, para trabalhar, então seria em lugar outro, onde
não o tivessem desfeiteado.
Tão
logo depois apareceu o velho Camilo. Tempo entrante, já rodara pelo
arredor, asilando-se em ranchos ou
cafuas mal abandonadas no campo sujo. Era digno e tímido. Olhava para a mão dos
outros, como quem espera comida ou pancada. Mas às vezes a gente fitava nele e
tinha a vontade de tomar-lhe a benção. Quando viu que o surdo-mudo se fora,
chegou-se. Vinha só para poder receber o que lhe dessem. Mas mandaram-lhe que
viesse definido e ficasse.
Ao
que ficou. Deu o nome, que experimentou escrever, mas não soube, não se
alembrou mais, experimentou atoa, com a ponta de um tição preto numa régua do
curral. Parou triste. Camilo José dos Santos... E informou idade de oitenta
anos para fora: tinha uns oito ou dez, na Alforria do Cativeiro. Nascera no
Riacho dos Machados e acabara de se criar em Coração de Jesus de Inconfidência.
À vista, não se percebia fosse tão idoso. Desde os pés espalhados, ele vinha
para cima retaco, baixote, poucos fios de barba no queixo, poucas carquilhas
nos cantos do rosto clareado austero, fundos olhos azuis, calvície nenhuma, e
regularmente grisalho o cabelo, tosado baixo. Seria talvez de todos os homens
dali o mais branco, e o de mais apuradas feições, talvez mesmo mais que o
Manuelzão. A vida não lhe desfizera um certo decoro antigo, um siso de respeito
de sua figuração. Quem sabe, nos remotos, o povo dele não tinham sido homens de
mandar em homens e de tomar à força coisas demais, para terem?
Para
a festa, tinham-lhe feito uma roupa nova, de riscado escuroso, paletó, camisa e
calça do mesmo pano, áspero, muito durável. Ele nada pedira. Mas apreciara-a,
que nem que um milagre o tivesse envolvido. Ficou com as mãos sobrando, mudou o
modo de sua seriedade, se alisava. Não sabia como se permanecer. A nora de
Manuelzão mandara costurar a roupa, e tudo correntio, sem menção, sem avisos,
como fizera para o marido, o sogro, os filhos, ninguém podia ficar sem terno
novo para a festa, a caridade formava suas regras num estipêndio vezeiro.
João
Guimarães Rosa
Uma
Estória de Amor
(Festa
de Manuelzão)
em
Corpo de Baile I
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
O QUE JESUS ENSINOU E OS CRISTÃOS REPUDIAM
Então
Jesus disse aos seus discípulos: “Em verdade vos digo que o rico dificilmente
entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda: é mais fácil o camelo entrar pelo
buraco da agulha do que o rico entrar no Reino de Deus”. Ao ouvirem isso, os
discípulos ficaram muito espantados e disseram: “Quem poderá então salvar-se?”
Jesus, fitando-os, disse: “Ao homem isso é impossível, mas a Deus tudo é
possível”.
Mt
19, 23-26
domingo, 10 de fevereiro de 2013
A BÍBLIA SAGRADA
Mas
a fome assolava a terra e quando eles acabaram de comer o mantimento que
trouxeram do Egito, disse-lhes seu pai:”Retornai e comprai um pouco de víveres
para nós.” Judá lhe respondeu: “Aquele homem nos advertiu expressamente: ‘Mão
sereis admitidos em minha presença, a menos que vosso irmão esteja convosco.’
Se estás preparado para deixar nosso irmão partir conosco, desceremos e compraremos víveres para ti; mas se não o
deixas partir, não desceremos, pois o homem nos disse: ‘Não sereis admitidos em
minha presença, a menos que vosso irmão esteja convosco.’” Israel disse: “Por
que me fizestes este mal dizendo àquele homem que tínheis ainda um irmão?”
— hm,” responderam eles, “perguntou
sobre nós e nossa família, indagando : ‘Vosso pai ainda vive? Tendes um
irmão,?’ e nós respondemos às suas perguntas. Podíamos nós saber que ele diria: ‘Trazei vosso
irmão’?” Então Judá disse a seu pai Israel: “Deixa ir comigo o menino.Vamos,
ponhamo-nos a caminho, para conservarmos a vida e não morrermos, nós, tu
conosco e os nossos filhos. Eu me torno responsável por ele, a mim pedirás
conta dele; se me suceder de não to restituir e não trazêe-lo diante de teus
olhos, serei culpado durante toda a minha vida. Se não nos tivéssemos demorado
tanto, já estaríamos de volta pela segunda vez!”
Então
seu pai Israel lhes disse: “Se é necessário, fazei assim: tomai em vossas
bagagens os melhores produtos da terra para levardes como presente a esse
homem, um pouco de bálsamo e um pouco de mel, alcatira e ládano, pistácias e
amêndoas. Tomai convosco uma segunda quantia de dinheiro e levai de volta o
dinheiro que foi posto na boca de vossas sacas de trigo: talvez tenha sido um
descuido. Tomai vosso irmão e parti, retornai para junto desse homem. Que EL
Shaddai vos faça encontrar misericórdia junto desse homem e que ele vos deixe
trazer vosso outro irmão e Benjamim. Quanto a mim, que eu perca meus filhos, se
os devo perder!”
Gn,
43, 1-14
NÃO É MOTOR DE TUDO E NOSSA ÚNICA / FONTE DE LUZ NA LUZ DE SUA TÚNICA?
20
Puedo
escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir,
por ejemplo: “La noche está estrellada,
y
tiritan, azules, los astros, a lo lejos”.
El
viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo
escribir los versos más tristes esta noche.
Yo
la quise, y a veces ella también me quiso.
En
las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La
besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella
me quiso, a veces yo también la quería.
Como
no haber amado sus grandes ojos fijos?
Puedo
escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar
que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oír
la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y
el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué
importa que mi amor no pudiera guardarla.
La
noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso
es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi
alma no se contenta con haberla perdido.
Como
para acercarla mi mirada la busca.
Mi
corazón la busca, y ella no está conmigo.
La
misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros,
los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya
no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De
otro. Será de otro. Como antes de mis
besos.
Su
voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya
no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es
tan corto el amor, y es tan largo el olvido.
Porque
en noches como ésta la tuve entre mis
brazos,
mi
alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque
éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos
sean los últimos versos que yo le escribo.
Pablo
Neruda
20
Poemas de Amor e uma canção desesperada.
Texto
original e tradução de Domingos Carvalho da Silva.
José Olympio. Rio de Janeiro. 3ª edição. 1976.
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