terça-feira, 22 de janeiro de 2013

MINHA TERRA TEM PALMEIRAS



O que se sente em todo esse desadoro de antagonismos são as duas culturas, a européia e a africana, a católica e a maometana, a dinâmica e a fatalista encontrando-se no português, fazendo dele, de sua vida, de sua moral, de sua economia, de sua arte um regime de influências que se alternam, se equilibram ou se hostilizam. Tomando em conta tais antagonismos de cultura, a flexibilidade, a indecisão, o equilíbrio ou a desarmonia deles resultantes, é que bem se compreende o especialíssimo caráter que tomou a colonização do Brasil, a formação sui generis da sociedade brasileira, igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje  sobre antagonismos.

Vários antecedentes dentro desse de ordem geral — bicontinentalidade, ou antes, dualismo de cultura e de raça — impõem-se à nossa atenção em particular: um dos quais a presença, entre os elementos que se juntaram para formar a nação portuguesa, dos de origem ou estoque semita, gente de uma mobilidade, de uma plasticidade, de uma adaptabilidade tanto social como física que facilmente se surpreendem no português navegador e cosmopolita do século XV. Hereditariamente predisposto à vida nos trópicos por um longo habitat tropical, o elemento semita, móvel e adaptável como nenhum outro, terá dado ao colonizador português do Brasil algumas das suas principais condições físicas e psíquicas de êxito e de resistência. Entre outras, o realismo econômico que desde cedo corrigiu os excessos de espírito militar e religioso na formação brasileira.

A mobilidade foi um dos segredos da vitória portuguesa; sem ela não se explicaria ter um Portugal quase sem gente, um pessoalzinho ralo, insignificante em número — sobejo de quanta epidemia, fome e sobretudo guerra afligiu a Península na Idade Média — conseguido salpicar virilmente do seu resto de sangue e de cultura populações tão diversas e a tão grandes distâncias umas das outras: na Ásia, na África, na América, e numerosas ilhas e arquipélagos.A escassez de capital-homem, supriram-na os portugueses com extremos de mobilidade e miscibilidade: dominando espaços enorme e onde quer que pousassem, na África ou na América, emprenhando mulheres e fazendo filhos , numa atividade genésica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto de política, de calculada, de estimulada por evidentes razões econômicas e políticas da parte do Estado.


Gilberto Freyre
Casa-Grande  & Senzala