Economicamente,
a sociedade patriarcal fundava-se na monocultura, com todos os benefícios e
inconvenientes dela decorrentes; o que mais importa, entretanto, é que o
sistema realmente integrou o escravo
e o negro na sociedade brasileira, com a correspondente absorção, por parte
desta última, de tantos traços e complexos culturais originalmente africanos.
Nesse, e em livros posteriores, Gilberto Freire exalta a maleabilidade com que
o português se adaptou aos trópicos, criando uma civilização original a partir
de sugestões naturais e sociais que lhe eram oferecidas, em lugar de procurar
substituí-las a todo custo por seus próprios valores de europeu. Isso não
ocorreu, entretanto, por parte dos jesuítas, cujos métodos de catequese e
civilizamento ele critica. A destruição sistemática ou involuntária das
culturas indígenas (e dos próprios índios) explica-lhes a influência muito
menor na formação e desenvolvimento da sociedade brasileira; Casa Grande & Senzala destruía,
assim, implicitamente, um dos mitos românticos mais tenazes e idealizantes, da
mesma forma por que destruiu o antimito que era a subestimação do negro
enquanto fator da civilização brasileira.
O
livro, como se sabe, tornou-se instantaneamente um clássico dos nossos estudos
sociais e exerceu influência literalmente incalculável; pode-se dizer, sem
exagero, que ele modificou as nossas estruturas mentais, forçou-nos a pensar de maneira diferente. Mesmo
aqueles que , no todo ou em parte, se recusam a aceitar-lhe as observações, a
metodologia e as conclusões, expressas ou tácitas, foram por ele influenciados
e tiveram, malgrado seu, de encarar a nossa história social em perspectivas até
então desconhecidas. Essa enorme e insubstituível contribuição para a nossa
vida intelectual é desprezada com alguma ligeireza pelos especialistas mais
recentes que já começaram, aqui e alhures, o processo de “revisão” de Gilberto
Freire.
Nesse
mesmo ano de 1933, ele promoveu no Recife o 1º Congresso Afro-Brasileiro, ponto
de partida para o extraordinário desenvolvimento dos estudos negros na década
de 30, desde logo testemunhado pelos volumes então publicados: A Escravidão Africana no Brasil, de
Evaristo de Morais; O Elemento Afro-Negro
na Língua Portuguesa, de Jacques Raimundo; A Influência Africana no Português do Brasil, de Renato Mendonça,
com segunda edição em 1935, e, mesmo, Esse
Jorge de Lima..., por Benjamim Lima, biografia de um poeta já então célebre
por seus poemas negros. O “português do Brasil era objeto do livro de Xavier Marques,
A Cultura da Língua Nacional; no
campo dos estudos indígenas podem-se mencionar as Primeiras Noções de Tupi, de Plínio Airosa, e os Ensaios de Antropologia Brasiliana, de
Roquette-Pinto.
A
revolução mental do Modernismo começava claramente a produzir resultados, sendo
Casa Grande & Senzala uma das
suas obras mais representativas; o interesse pelos estudos brasileiros e pelo
desenvolvimento sistemático da cultura reativou a idéia de criação da
Universidade de São Paulo, cujos planos começaram a ser delineados em dezembro
desse ano. O problema, é evidente, inscrevia-se num contexto mais largo,
abordado por Miguel Couto no opúsculo No
Brasil só há um Problema Nacional — a Educação do Povo, dedicado às
questões de ensino e saúde. Ele evoca o exemplo do Japão, cujo extraordinário
êxito mundial devia-se, antes de mais nada, à educação do povo; assim,
Ou o Brasil a encara (a ignorância) como
uma calamidade nacional e lhe acode com o socorro imediato ou estará
irremediavelmente batido na concorrência com as nações cultas.
Wilson
Martins
História
da Inteligência Brasileira
vol.
VII (1933-1960)
Cultrix.
Edusp. São Paulo, SP.
1ª
edição. 1979.