domingo, 6 de janeiro de 2013

GR



Todo o episódio do julgamento é um recorte de romance de cavalaria transposto para o sertão. A grandiloqüência das palavras realça a nobreca da ação; é de barões o diálogo entre Joca Ramiro e Zé Bebelo:

— “O julgamento é meu, sentença que dou vale em todo este norte. Meu povo me honra. Sou amigo dos meus amigos políticos, mas não sou criado deles, nem cacundeiro. A sentença vale. A decisão. O senhor reconhece?”

— “... Agora, com sua licença, a pergunta faço: pelo quanto tempo eu tenho de estipular, sem voltar neste Estado, nem na Bahia?

— “Até enquanto eu vivo for, ou não der contra-ordem”.

E o vencido, cumprindo a palavra da, vai rumo de Goiás, escoltado honrosamente pelo cabra Friol, distância de três léguas, “por o uso de resguardado território”; Joca Ramiro deixa o acampamento para região ignorada: “Lá ia ele deveras, em seu cavalão branco ginete. ladeado por sô Candelário e o Ricardão — igual iguais galopavam”.

O sentimento de honra — o orgulho da luta sem outro galardão além da glória — inflama os jagunços do Grande Sertão. No julgamento de Zé Bebelo, Riobaldo fala da história que há de guardar o nome dos valentes, a fama de suas façanhas: “Nela todo mundo vai falar pelo Norte dos Nortes, em Minas e na Bahia todas, constantes anos, até em outras partes... Vão fazer cantigas relatando as tantas façanhas”. E sô Candelário, que era bom e que buscava a morte nos combates para sufocar o medo de ficar leproso, repete as mesmas idéias, quase com as mesmas palavras: “Seja a fama de glória... Todo mundo vai falar nisso, por muitos anos, louvando a honra da gente, por muitas partes e lugares.”


M. Cavalcanti Proença
Trilhas no Grande Sertão
Ministério da Educação e Cultura.
Os Cadernos de Cultura 114.
Rio de Janeiro, DF. 1958.