Mais
tarde, na chefia do bando, Riobaldo reconhece, melancolicamente, que não deu
batalhas suficientes, e embora tivesse varado mundo em comando, não se prezava
bastante o seu nome: Urutu-Branco era um desconhecido. Mas, então, tudo naquela
parte dos Gerais era ilusão de haver e não se saber?” E quando o companheiro,
recém-chegado de longas andanças, o chama de Tatarana, disfarça a decepção: “O
seja que tivesse vivido esses tempos tangendo urubu, adformas que vinha agora
na ignorância de que eu é que era o Chefe.” Amargura-o a falta de ressonância
do sertão imenso: “``As vezes, não sei por que, eu pensava em Zé Bebelo,
perguntava por ele em outros tempos; e ninguém conhecia aquele homem lá, ali. O
de que alguns tivessem notícia era da fama antiga de Medeiro Vaz.”
Quando
Joca Ramiro é morto à traição, como os heróis de legenda — Hermógenes e
Ricardão, os assassinos, se degradam, como aquele Dom Galvan, cavaleiro de má
andança, réu de covardia e deslealdade.
Riobaldo
vai anunciar aos companheiros de outro bando a morte de Joca Ramiro. Cena e
palavras medievais. O grupo está reunido quando ele chega e brada, ainda a
cavalo: “Trago notícia de grande morte! —
Eles todos tiraram os chapéus para me escutar. Então, eu gritei: — Viva a fama de glória de nosso Chefe Joca
Ramiro! — E pela tristeza que estabeleceu minha voz, muito me entenderam.”
A
travessia do Liso do Sussuarão, que Medeiro Vaz — Percival ou Lancelote — apesar de todos os
preparativos, não conseguiu realizar, Riobaldo — Dom Galaaz —
realiza, protegido pelo acaso, sem mesmo se haver preocupado com
provisões.
Como
os cavaleiros corteses, Riobaldo muda de apelido guerreiro, primeiro Jagunço Tatarana, depois chefe Urutu-Branco.
Na
casa da fazenda abandonada, quando se levanta um pano branco por cima das
moitas, em pleno combate, Zé Bebelo é formal: “Regra é regra! A solenidade de
embaixador sempre se tem de consentir, até para herege, até para bugre”.
A
idade de ouro, de Ovídio, celebrizada nos romances de Cavalaria, comparece:
“Pois os próprios antigos não sabiam que um dia virá, quando a gente pode
permanecer deitada em rede ou cama, e as enxadas saindo sozinhas para capinar
roça e as foices, para colherem por si, e o carro indo por sua lei buscar a
colheita, e tudo o que não é o homem, é sua, dele, obediência? Isso, não pensei
— mas meu coração pensava.”
M.
Cavalcanti Proença
Trilhas
no Grande Sertão
Os
Cadernos de Cultura 114
MEC.
Rio de Janeiro, DF, 1958.