terça-feira, 29 de janeiro de 2013

GR



Mais tarde, na chefia do bando, Riobaldo reconhece, melancolicamente, que não deu batalhas suficientes, e embora tivesse varado mundo em comando, não se prezava bastante o seu nome: Urutu-Branco era um desconhecido. Mas, então, tudo naquela parte dos Gerais era ilusão de haver e não se saber?” E quando o companheiro, recém-chegado de longas andanças, o chama de Tatarana, disfarça a decepção: “O seja que tivesse vivido esses tempos tangendo urubu, adformas que vinha agora na ignorância de que eu é que era o Chefe.” Amargura-o a falta de ressonância do sertão imenso: “``As vezes, não sei por que, eu pensava em Zé Bebelo, perguntava por ele em outros tempos; e ninguém conhecia aquele homem lá, ali. O de que alguns tivessem notícia era da fama antiga de Medeiro Vaz.”

Quando Joca Ramiro é morto à traição, como os heróis de legenda — Hermógenes e Ricardão, os assassinos, se degradam, como aquele Dom Galvan, cavaleiro de má andança, réu de covardia e deslealdade.


Riobaldo vai anunciar aos companheiros de outro bando a morte de Joca Ramiro. Cena e palavras medievais. O grupo está reunido quando ele chega e brada, ainda a cavalo: “Trago notícia de grande morte! —  Eles todos tiraram os chapéus para me escutar. Então, eu gritei: —  Viva a fama de glória de nosso Chefe Joca Ramiro! — E pela tristeza que estabeleceu minha voz, muito me entenderam.”

A travessia do Liso do Sussuarão, que Medeiro Vaz —  Percival ou Lancelote — apesar de todos os preparativos, não conseguiu realizar, Riobaldo —  Dom Galaaz —  realiza, protegido pelo acaso, sem mesmo se haver preocupado com provisões.

Como os cavaleiros corteses, Riobaldo muda de apelido guerreiro, primeiro Jagunço Tatarana, depois chefe Urutu-Branco.

Na casa da fazenda abandonada, quando se levanta um pano branco por cima das moitas, em pleno combate, Zé Bebelo é formal: “Regra é regra! A solenidade de embaixador sempre se tem de consentir, até para herege, até para bugre”.

A idade de ouro, de Ovídio, celebrizada nos romances de Cavalaria, comparece: “Pois os próprios antigos não sabiam que um dia virá, quando a gente pode permanecer deitada em rede ou cama, e as enxadas saindo sozinhas para capinar roça e as foices, para colherem por si, e o carro indo por sua lei buscar a colheita, e tudo o que não é o homem, é sua, dele, obediência? Isso, não pensei — mas meu coração pensava.”


M. Cavalcanti Proença
Trilhas no Grande Sertão
Os Cadernos de Cultura  114
MEC. Rio de Janeiro, DF, 1958.