quinta-feira, 8 de novembro de 2012

GR



José Rebelo Adro Antunes, vulgo Zé Bebelo: O Símbolo de um Novo Ciclo; A Urbanização / Industrialização

Como já foi visto anteriormente, o fenômeno do cangaço ocorre em um determinado espaço geográfico, num tempo histórico preciso. No Brasil, existiu no interior do país, no Nordeste semi-árido, num momento em que a sociedade brasileira vai modificando sua estrutura pré-industrial no sentido de uma maior mecanização, de um capitalismo agrário.O fenômeno cangaço, na forma em que foi estudado, existiu entre 1840 e 1940, não antes e não depois. O último grande Chefe foi Corisco, o Diabo Louro, morto em 1940.

Os processos de modificação econômica são lentos, e talvez ainda não estejam consolidados hoje no interior do sertão nordestino, mas foram suficientemente fortes para mudar as relações pessoais do sertanejo com seu senhor, trazendo uma relação do tipo patrão/empregado assalariado.

A conseqüência dessa situação, acrescido o fenômeno paralelo da urbanização, é que se criou um canal drenador para a mão-de-obra excedente do nordestino. Ela volta a migrar, agora para a grande cidade, tentando conseguir emprego nas indústrias e um melhor nível de vida, com acesso à escola para seus filhos e uma vida mais digna de um modo geral;

“a penetração do capitalismo no campo, com desenvolvimento acentuado no Sul, o surto de industrialização que atrai imigrantes, a urbanização intensiva é que foram arrancar o semi-servo da estagnação do meio rural e dar-lhe outros caminhos que não os do bando do cangaço, ou os místicos itinerários dos beatos e conselheiros” (Facó, p. 43).


A narração de Riobaldo dá-se provavelmente, como o intuiu bem José Hildebrando Dacanal, após o início do processo de industrialização que se fixou no país a partir de 1930, grosso modo. No momento histórico da narração, não há mais jagunços e as pessoas estão modificadas, diferentes. Esse “programa” é iniciado com Zé Bebelo; é ele quem lança a semente que germinará anos depois, tendo já crescido no momento da narração.

Antes, porém — e o republicanismo no Brasil será também um movimento progressista —  o dinheiro começa a circular de fato nos grandes centros, mudando o eixo do poder da zona rural para a zona urbana. O capital do comércio negreiro havia sido investido nas cidades e estas começaram a —Concomitantemente, as “descobertas” do século começam a chegar ao país, que se moderniza:

“ampliou-se a rede bancária, construíram-se as primeiras estradas de ferro, inaugurou-se o telégrafo, introduziu-se a navegação a vapor nos nossos rios e a iluminação a gás substituiu, nos centros urbanos de maior importância, a velha iluminação a azeite” (Luz).

Por outro lado, a intelligentzia nacional, formada por jovens bacharéis do meio rural — os pais de mais posse mandam –nos para as grandes capitais — mandam seus filhos para a Europa, os de menos posses mandam-nos para as grandes capitais — tende a não voltar para o campo, fixando-se nas cidades, e trazendo para elas a efervescência das novas idéias de civilização e progresso:

“em conseqüência, começou a surgir nas cidades e vilas uma nova função — a de distribuidor desses gêneros (rurais). Modificaram-se assim as relações entre cidade e campo: não mais de simples dependência, mas de interdependência. Com estas modificações os centros urbanos passaram a adquirir maior importância, e as decisões políticas, principalmente nas grandes cidade, já não se enfeixam exclusivamente nas mãos do senhor rural. Outros interesses, particularmente os financeiros e posteriormente os industriais começam a pesar na balança” (Luz, 3).

É a partir das cidades, então, que já no fim do Segundo Império têm grande independência com relação ao campo, que os jovens bacharéis e políticos começam a querer modificá-lo, começando por subordiná-lo à cidade/capital, através da idéia do federalismo. Um corolário dessa situação é que a cidade passa a ter olhos de superior para com o campo, reacionário e atrasado. Os republicanos tinham um programa altamente “civilizador”, embora não pretendessem mudar as estruturas sócio-econômicas da zona rural, de onde são egressos, e que representam na Câmara e no Senado.

A República, quando de fato instaurada, embora efetivando o programa de federalismo, não tocará nas estruturas sócio-econômicas mais profundas do país. Os grandes senhores rurais continuam a ditar, embora já não com tanto fôlego — outras classes entraram em cena, como os militares e a classe média urbana — as regras do jogo.

São mudanças na conjuntura internacional que, a partir da Primeira Guerra Mundial, farão com que se modifiquem realmente essas regras do jogo. O país sofre o primeiro choque nas suas relações de importação e exportação. Os preços de nossos produtos (café, açúcar) caem, e tem-se dificuldade em importar os insumos básicos necessários ao desenvolvimento do país.

A industrialização e a urbanização já são um processo irreversível na década de vinte, e não necessitam mais que uma Grande Recessão para instalarem-se definitivamente na estrutura sócio-econômica do país... O que se assiste, então, é à perda de poder efetivo por parte das oligarquias rurais tradicionais, e à penetração do capitalismo no campo.

É esse processo que está simbolizado no antagonismo entre os dois chefes Joca Ramiro e Zé Bebelo. No entanto, este “perde a parada”, e é com Riobaldo que veremos sua consolidação.


Tania Rebelo Costa Serra
Riobaldo Rosa.
A Vereda Junguiana do Grande Sertão.
Thesaurus. Brasília. l990.