José
Rebelo Adro Antunes, vulgo Zé Bebelo: O Símbolo de um Novo Ciclo; A Urbanização
/ Industrialização
Como
já foi visto anteriormente, o fenômeno do cangaço ocorre em um determinado
espaço geográfico, num tempo histórico preciso. No Brasil, existiu no interior
do país, no Nordeste semi-árido, num momento em que a sociedade brasileira vai
modificando sua estrutura pré-industrial no sentido de uma maior mecanização,
de um capitalismo agrário.O fenômeno cangaço, na forma em que foi estudado,
existiu entre 1840 e 1940, não antes e não depois. O último grande Chefe foi
Corisco, o Diabo Louro, morto em 1940.
Os
processos de modificação econômica são lentos, e talvez ainda não estejam
consolidados hoje no interior do sertão nordestino, mas foram suficientemente
fortes para mudar as relações pessoais do sertanejo com seu senhor, trazendo
uma relação do tipo patrão/empregado assalariado.
A
conseqüência dessa situação, acrescido o fenômeno paralelo da urbanização, é
que se criou um canal drenador para a mão-de-obra excedente do nordestino. Ela
volta a migrar, agora para a grande cidade, tentando conseguir emprego nas
indústrias e um melhor nível de vida, com acesso à escola para seus filhos e
uma vida mais digna de um modo geral;
“a
penetração do capitalismo no campo, com desenvolvimento acentuado no Sul, o
surto de industrialização que atrai imigrantes, a urbanização intensiva é que
foram arrancar o semi-servo da estagnação do meio rural e dar-lhe outros
caminhos que não os do bando do cangaço, ou os místicos itinerários dos beatos
e conselheiros” (Facó, p. 43).
A
narração de Riobaldo dá-se provavelmente, como o intuiu bem José Hildebrando
Dacanal, após o início do processo de industrialização que se fixou no país a
partir de 1930, grosso modo. No
momento histórico da narração, não há mais jagunços e as pessoas estão modificadas,
diferentes. Esse “programa” é iniciado com Zé Bebelo; é ele quem lança a
semente que germinará anos depois, tendo já crescido no momento da narração.
Antes,
porém — e o republicanismo no Brasil será também um movimento progressista — o dinheiro começa a circular de fato nos
grandes centros, mudando o eixo do poder da zona rural para a zona urbana. O
capital do comércio negreiro havia sido investido nas cidades e estas começaram
a —Concomitantemente, as “descobertas” do século começam a chegar ao país, que
se moderniza:
“ampliou-se
a rede bancária, construíram-se as primeiras estradas de ferro, inaugurou-se o
telégrafo, introduziu-se a navegação a vapor nos nossos rios e a iluminação a
gás substituiu, nos centros urbanos de maior importância, a velha iluminação a
azeite” (Luz).
Por
outro lado, a intelligentzia
nacional, formada por jovens bacharéis do meio rural — os pais de mais posse
mandam –nos para as grandes capitais — mandam seus filhos para a Europa, os de
menos posses mandam-nos para as grandes capitais — tende a não voltar para o
campo, fixando-se nas cidades, e trazendo para elas a efervescência das novas
idéias de civilização e progresso:
“em
conseqüência, começou a surgir nas cidades e vilas uma nova função — a de
distribuidor desses gêneros (rurais). Modificaram-se assim as relações entre
cidade e campo: não mais de simples dependência, mas de interdependência. Com
estas modificações os centros urbanos passaram a adquirir maior importância, e
as decisões políticas, principalmente nas grandes cidade, já não se enfeixam
exclusivamente nas mãos do senhor rural. Outros interesses, particularmente os
financeiros e posteriormente os industriais começam a pesar na balança” (Luz,
3).
É
a partir das cidades, então, que já no fim do Segundo Império têm grande
independência com relação ao campo, que os jovens bacharéis e políticos começam
a querer modificá-lo, começando por subordiná-lo à cidade/capital, através da
idéia do federalismo. Um corolário dessa situação é que a cidade passa a ter olhos
de superior para com o campo, reacionário e atrasado. Os republicanos tinham um
programa altamente “civilizador”, embora não pretendessem mudar as estruturas
sócio-econômicas da zona rural, de onde são egressos, e que representam na
Câmara e no Senado.
A
República, quando de fato instaurada, embora efetivando o programa de
federalismo, não tocará nas estruturas sócio-econômicas mais profundas do país.
Os grandes senhores rurais continuam a ditar, embora já não com tanto fôlego —
outras classes entraram em cena, como os militares e a classe média urbana — as
regras do jogo.
São
mudanças na conjuntura internacional que, a partir da Primeira Guerra Mundial,
farão com que se modifiquem realmente essas regras do jogo. O país sofre o
primeiro choque nas suas relações de importação e exportação. Os preços de
nossos produtos (café, açúcar) caem, e tem-se dificuldade em importar os
insumos básicos necessários ao desenvolvimento do país.
A
industrialização e a urbanização já são um processo irreversível na década de
vinte, e não necessitam mais que uma Grande Recessão para instalarem-se
definitivamente na estrutura sócio-econômica do país... O que se assiste,
então, é à perda de poder efetivo por parte das oligarquias rurais
tradicionais, e à penetração do capitalismo no campo.
É
esse processo que está simbolizado no antagonismo entre os dois chefes Joca
Ramiro e Zé Bebelo. No entanto, este “perde a parada”, e é com Riobaldo que
veremos sua consolidação.
Tania
Rebelo Costa Serra
Riobaldo
Rosa.
A
Vereda Junguiana do Grande Sertão.
Thesaurus.
Brasília. l990.