Tendo
superado sem maiores crises de consciência a tentação totalitária, a “verdade”
de Afonso Arinos parecia consistir no processo de reconversão ao catolicismo,
cujas posições defende e cuja nostalgia percorre todo o volume. No plano
político, ele se declarava igualmente contrário ao comunismo e ao fascismo,
assinalando embora a aspiração então generalizada pelos governos fortes e a
“moda” marxista que grassava entre os intelectuais brasileiros. O seu programa
era nacionalista: “o intelectual brasileiro deve, portanto (...) adotar o sadio
nacionalismo construtor”; o momento já não comportava o ceticismo elegante das
primeiras gerações republicanas: era um momento de fé, em todos os sentidos da
palavra. Protestando não alimentar sentimentos anti-semitas, não se pode negar,
contudo, que um bafio de surda hostilidade contra os judeus é uma de suas
tônicas intelectuais, o que, de resto constituía outro lugar-comum da época,
mesmo para um escritor que considerava Mussolini “um homem de gênio” e Hitler
um simples “caixeiro-viajante”. O tema vai desabrochar plenamente na Preparação ao Nacionalismo do ano
seguinte. Por enquanto, o anti-semitismo latente manifesta-se na forma
depreciativa, mas insistente, com que repete o adjetivo “judeu” com referência
as pessoas ou às idéias: “o sutil israelita Julien Benda”; Graça Aranha, judeu
inquieto; “um judeu genial, S. Paulo”, e assim por diante. Propondo um
nacionalismo ardente mas vago (não se sabe, afinal de contas, em que
consistiria o “nacionalismo construtor”), Afonso Arinos não poupava sarcasmos
ao modernismo literário e artístico, parte integrante do que ele encarava como
a “desordem brasileira”:
A desordem literária é também inegável e
da origem desta sou testemunha pessoal. Começou há menos de dez anos quando
alguns escritores novos, ansiando pela derrubada do dogma estético, investiam
desabridamente contra o passado, iconoclastas de pouco discernimento, que
pretendiam destruir o que era mau (...) mas que atingiam também, sob os golpes
incertos, o pouco que tínhamos de bom (...) O intelectual brasileiro que deixe,
pois, o modernismo para a basbaquice intolerante e verbosa, e fique com a
atualidade, isto é, com a eternidade.
Percebe-se
que a sua hostilidade ao Modernismo decorria de encará-lo como um movimento
internacionalista, ou seja, por implicação, marxista e judaico; ele imaginava
que a civilização técnica tocava ao fim, com o declínio da influência
norte-americana; afirmava que, no Brasil, eram pequenas “as probabilidades de
implantação de uma ditadura militar ou civil, de tendência fascista” e pregava
um regime de liberdade, com os intelectuais, e não os tecnocratas, no poder.
Wilson
Martins
História
da Inteligência Brasileira
vol.
VII (1933-1960)
Cultrix.
São Paulo, SP.
Editora
da Universidade de São Paulo.
São
Paulo, SP. 1977-78.