segunda-feira, 12 de novembro de 2012

HISTÓRIA DA INTELIGÊNCIA BRASILEIRA



Tendo superado sem maiores crises de consciência a tentação totalitária, a “verdade” de Afonso Arinos parecia consistir no processo de reconversão ao catolicismo, cujas posições defende e cuja nostalgia percorre todo o volume. No plano político, ele se declarava igualmente contrário ao comunismo e ao fascismo, assinalando embora a aspiração então generalizada pelos governos fortes e a “moda” marxista que grassava entre os intelectuais brasileiros. O seu programa era nacionalista: “o intelectual brasileiro deve, portanto (...) adotar o sadio nacionalismo construtor”; o momento já não comportava o ceticismo elegante das primeiras gerações republicanas: era um momento de fé, em todos os sentidos da palavra. Protestando não alimentar sentimentos anti-semitas, não se pode negar, contudo, que um bafio de surda hostilidade contra os judeus é uma de suas tônicas intelectuais, o que, de resto constituía outro lugar-comum da época, mesmo para um escritor que considerava Mussolini “um homem de gênio” e Hitler um simples “caixeiro-viajante”. O tema vai desabrochar plenamente na Preparação ao Nacionalismo do ano seguinte. Por enquanto, o anti-semitismo latente manifesta-se na forma depreciativa, mas insistente, com que repete o adjetivo “judeu” com referência as pessoas ou às idéias: “o sutil israelita Julien Benda”; Graça Aranha, judeu inquieto; “um judeu genial, S. Paulo”, e assim por diante. Propondo um nacionalismo ardente mas vago (não se sabe, afinal de contas, em que consistiria o “nacionalismo construtor”), Afonso Arinos não poupava sarcasmos ao modernismo literário e artístico, parte integrante do que ele encarava como a “desordem brasileira”:

A desordem literária é também inegável e da origem desta sou testemunha pessoal. Começou há menos de dez anos quando alguns escritores novos, ansiando pela derrubada do dogma estético, investiam desabridamente contra o passado, iconoclastas de pouco discernimento, que pretendiam destruir o que era mau (...) mas que atingiam também, sob os golpes incertos, o pouco que tínhamos de bom (...) O intelectual brasileiro que deixe, pois, o modernismo para a basbaquice intolerante e verbosa, e fique com a atualidade, isto é, com a eternidade.

Percebe-se que a sua hostilidade ao Modernismo decorria de encará-lo como um movimento internacionalista, ou seja, por implicação, marxista e judaico; ele imaginava que a civilização técnica tocava ao fim, com o declínio da influência norte-americana; afirmava que, no Brasil, eram pequenas “as probabilidades de implantação de uma ditadura militar ou civil, de tendência fascista” e pregava um regime de liberdade, com os intelectuais, e não os tecnocratas, no poder.


Wilson Martins
História da Inteligência Brasileira
vol. VII (1933-1960)
Cultrix. São Paulo, SP.
Editora da Universidade de São Paulo.
São Paulo, SP. 1977-78.