Mas,
então, quando se estava de volta m’embora vindo, peguei uma inesperada
informação, na Barra do Abaeté. De Zé Bebelo! Tinha mesmo de ser. Não sei por
que foi, que com aquilo me renasci. Que Zé Bebelo estava demorando légua para
cima, perto do São Gonçalo do Abaeté, no Porto-Passarinho. Me fiz para lá. E
como era, que, antes e antes, eu não tivesse pensado em Zé Bebelo? Trote
tocamos, viemos, beirando aquele rio. O senhor sabe — o rio Abaeté, que é
entristecedor audaz de belo: largo tanto, de morro a morro. E em minha vida eu
já pensava.
Zé
Bebelo gritou — Safa! Safas!...” — e me abraçou como amigo cordial, contente de
muito me ver, constante se nada tivesse destruído o nosso costume. Conto que
estava o mesmo, aposto e condizente
—
“Tudo viva!, Riobaldo, Tatarana ,
Professor...” — ele concisou. — “Tu quis paz?”
Sagaz
assim me olhava, chega me cheirar só faltasse, de tornados a encontrar no
curral, como boi a boi. Disse que eu estava feliz, mas emagrecido, e que
encovava mais os olhos.
—
“Estais p’ra trás... Sabe? Negociei um gado... Mudei meus termos! A ganhar o
muito dinheiro — é o que vale... Pó d’ouro em pó...” — o que ele me disse.
E
era a pura mentira. Mas podia ser verdade.
Porque
ele, para se viver, carecia daquela bazófia, forte mestreava. Como logo ele
pregou:
—
“Há-te! Acabou com o Hermógenes? A bem. Tu foi o meu discípulo... Foi não foi?”
Deixei:
ele dizer, como essas glórias não me invocavam. Mas, então, ele não me
entendendo, esbarrou e se pôs. Cujo:
—
“A bom, eu não te ensinei; mais bem te aprendi a saber a saber certa a vida...”
Eu
ri, de nós dois.
Três
dias falhei com ele, lá, no Porto-Passarinho.
E
Zé Bebelo corrigiu, para eu ouvir, os projetos que ele tinha. Aí, ai,
fanfarrices. Não queria saber do sertão, agora ia para capital, grande cidade.
Mover com comércio, estudar para advogado. — “Lá eu quero deduzir meus feitos
em jornal, com retratos... A gente descreve as passagens de nossas guerras,
fama devida...” “— Da minha, não senhor!” — eu fechei. Distrair gente com o meu
nome... Então ele desconversou. Mas, naqueles três dias, não descansou de
querer me aliviar, e de formar outros planejamentos para encaminhar minha vida.
Nem indenizar completa a minha dor maior ele não pudesse. Só que Zé Bebelo não
era homem de não prosseguir. Do que a Deus dou graças!
Porque,
por fim, ele exigiu minha atenção toda, e disse:
—“Riobaldo,
eu sei a amizade de que agora tu precisa. Vai lá. Mas, me promete: não adia,
não desdenha! Daqui, e reto, tu sai e vai lá.. Diz que é de minha parte... Ele
é diverso de todo o mundo.”
Mesmo
escreveu um bilhete, que eu levasse. Ao
quando despedi, e ele me abraçou, senti o afeto em ser de pensar. Será que
ainda tinha aquele apito, na algibeira? E gritou: — “Safas!” —; maximé.
Tinha
de ser Zé Bebelo, para isso. Só Zé Bebelo, mesmo, para meu destino começar de
salvar. Porque o bilhete era para o Compadre meu Quelemém de Góis, na Jijujã —
Vereda do Buriti Pardo. Mais digo? O senhor vá lá. No tempo de maio, quando o
algodão lãla. Tudo o branquinho. Algodão é o que ele mais planta, de todas as
modernas qualidades: o rasga-letras, bibol, e mussulim. O senhor vai ver pessoa
de tal rareza, como perto dele todo-o-mundo pára sossegado, e sorridente,
bondoso... Até com o Vupes lá topei.
João
Guimarães Rosa
Grande
Sertão: Veredas
José
Olympio. Rio de Janeiro.
1ª
edição. 1956.