terça-feira, 20 de novembro de 2012

EMANUEL E FEDERICO



Aqui era umas araraquaras. A Terra do Boi Solto. Chegaram, em mês de maio, acharam, na barriga serrã, o sítio apropriado, e assentaram a sede. O que aquilo não lhes tirara, de coragens de suor! Os currais, primeiro; e a Casa. Ao passo que faziam, sempre cada um deles recordava o modo de feitio de alguma jeitosa fazenda, de sua terra ou de suas melhores estradas, e o queria remedar, com o pobre capricho que o trabalho muito duro dá desejo de se conceber; mas, quando tudo ficou pronto, não se parecia com nenhuma outra, nas feições, tanto as paragens do chão e o desuso do espaço sozinho têm seu ser e poder. Daí, esperaram as grossas chuvas. Era a Casa, grada, com muitos cômodos de chão batido e só um quarto de assoalho; em dado não passava, bem dizer, de uma casa-rancho, mas com teto complexo, de madeiras, por sobrecima as talas e palmas de buriti. A rebaixa — um alpendre cercado — ; o rancho de carros-de-boi; outros ranchos; outras casinhas; outros rústicos pavilhões. Contiguavam-se os currais, ante esse conjunto, dele distanciados por um pátio e pelo eirado, largoso, limpo de vegetação, porque o gado nele malhava, seu pisoteio impedindo-a. Ali e no pátio, onde os homens e animais formavam convivência, algumas árvores mansas foram deixadas — gameleiras, tinguis com frutas partas maiores que laranjas, e cagaiteiras, ora em flor. Os longos cochos, nodosos, cavados em irregulares troncos, ficavam à sombra delas. Enquanto os bois comiam, as florinhas e as folhas verdes caíam no sal.


João Guimarães Rosa
Corpo de Baile – 1º volume
José Olympio. Rio de Janeiro.
1ª edição. 1956.